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ZEPELIM | galeria

Carrocerias de ônibus com formato dos dirigíveis alemães Zeppelin, construídas entre as décadas de 40 e 50, no Pará, sobre chassis de caminhões médios de origem norte-americana. Fabricados em uma cidade da remota Região Norte muitos anos antes do surgimento da nossa indústria automobilística, valendo-se apenas dos limitados recursos técnicos locais, mas ainda assim não dispensando um estilo pessoal – único no mundo –, estes ônibus ilustram a inventividade e capacidade criativa brasileira, mesmo quando nos faltam instrumentos técnicos e formais básicos já universalizados em outras culturas.

Embora apelidados zepelim, é mais provável que o estilo de suas carrocerias tenha se inspirado nos dirigíveis de observação operados pela Marinha dos EUA na fase final da II Guerra do que nas distantes naves de passageiros Zeppelin, cuja rota sul-americana não servia à Amazônia. Houve duas base para tais balões (chamados Blimp) na região – no Território do Amapá e em Igarapé-Açu, pequena cidade a 110 km de Belém. A caminho de missões de patrulhamento nas águas territoriais brasileiras, os dirigíveis com freqüência eram vistos nos céus de Belém entre 1943 e 1945.

Espacialmente limitados à região, os ônibus-zepelim também carregam um importante significado simbólico. Assim como o transporte ferroviário de passageiros produz imagens afetivas no inconsciente coletivo e traz lembranças emocionais profundas mesmo para aqueles que jamais chegaram a utilizá-lo, o zepelim está até hoje fortemente presente na memória dos nortistas, em especial dos belenenses, como marco histórico, registro de infância e recordação nostálgica, “algo de um tempo bom que para sempre foi embora”. Como lembra o memorialista paraense Armando Dias Mendes, eles “foram uma atração maior da garotada por muito tempo, por mais de uma década, se a memória não me atraiçoa. Enfarpelados em suas melhores roupas domingueiras, um bom programa infantil era dar uma volta no ‘Circular’, sentindo-se nas nuvens – precursores dos astronautas…“.

Outro testemunho da época, registrado no livro Cidade dos Mestres: Belém do Pará em Memórias de Professores, conta: o zepelim “era prateado e mais caro. Percorria a cidade toda e era preferido nos passeios das tardes de domingo, no tradicional ‘dar a volta de ônibus pela cidade’. Então quando ele chegava muita gente não pegava porque não tinha dinheiro, né? Aí as pessoas que tinham dinheiro pegavam e esvaziavam um pouco a fila“. Atração de Belém, os ônibus chegaram a inspirar uma marchinha de carnaval nos anos 50: “Mamãe, eu quero, eu quero / Andar de zepelim / Com tanta mulher boa / Dando sopa, está pra mim. // Todo domingo, já é demais / O movimento na linha de São Brás / É gente pra cá, é gente pra lá / E a aeromoça não se cansa de cobrar“.

Se eles foram sucesso de público, também tinham seus problemas, principalmente causados pelo peso da carroceria, construída com madeiras nobres da Amazônia, provocando desproporcional desgaste de pneus e consumo excessivo de gasolina.

Ainda segundo Armando Mendes, “os nossos dirigíveis foram, na verdade, criação da Viação Sul-Americana, de propriedade do contador do Banco Ultramarino Clóvis Ferreira Jorge & Sócios. E eram construídos na Indústria São José de Ribamar Ltda., igualmente de sua propriedade. Tinham carroceria de madeira, ferro e flandres, pintados externamente na cor alumínio. O interior era em couro, acolchoado. Em vez de cobradores, eram tripulados por ‘aeromoças’“. Esta é uma das versões – e a mais difundida – da origem do veículo. Os registros disponíveis são conflitantes, inclusive com relação às datas. Das informações à mão, porém, pode-se inferir a seguinte trajetória histórica para os ônibus-zepelim paraenses.

O primeiro exemplar teria sido construído em 1948, em “uma oficina de consertos de carro e fabricação de ônibus” pertencente à família Tavares, em Belém. A carroceria de madeira, revestida de chapas de aço e linóleo e totalmente pintada na cor prata, dispunha de apenas uma porta; as janelas não tinham vidros, mas cortinas, como nos bondes. Recebeu o nome Dirigível Pérola. No início dos anos 50 o proprietário do Pérola providenciou pelo menos mais uma carroceria de estilo semelhante, construída por outra oficina de Belém. Como mostram as poucas imagens disponíveis, o veículo trazia uma ampla grade dianteira e aparentava ter altura desproporcionalmente grande; a posição dos faróis era a mesma do primeiro zepelim.

Também em 1948 um veículo semelhante foi preparado em Manaus (AM), na oficina de João Barata Jr., conforme na ocasião informou o Jornal do Comércio daquela cidade. Curiosamente, vizinha aos fabricantes do primeiro zepelim paraense residia uma família Barata, com a qual provavelmente João Barata Jr. mantinha relações. Informado que os Tavares haviam patenteado o projeto, Barata Jr. procedeu a algumas alterações no desenho do seu ônibus. Entrevistado pelo Jornal do Comércio, declarou: “O meu ‘zepelim’ não está perecido, nem um pouco, com o de Belém. Andei, para tanto, dando uns ‘driblings’ a fim de que, no caso de ser verdadeira essa versão do registro de patente pelo comerciante paraense, eu poder provar que o ‘zepelim’ amazonense não é igual ao paraense“.

Em 1950 foi fundada, em Belém, a Viação Sul Americana, que encomendou cinco novos veículos do tipo, aos quais mais adiante veio se juntar o pioneiro Dirigível Pérola. Diferenciavam os dois “modelos” a posição dos faróis (colocados nos para-lamas, nos ônibus mais recentes), o número de janelas (13 no antigo, 12 nos novos) e a grade de refrigeração do motor (ausente no Pérola, de desenho “futurista” nos cinco últimos).

Em 1955 um proprietário de ônibus de Manaus encomendou no Pará cinco novos zepelim para agregar à sua pequena frota de três carros. Dessa vez o resultado foi um veículo longo, com 17 janelas (calcula-se que com capacidade de cerca de 70 passageiros sentados), já dispondo de vidros de correr para a proteção dos passageiros, delgado e elegante como um verdadeiro dirigível Zeppelin. A frota operaria até o início dos anos 60. Em movimento oposto, Belém se desfazia dos seus exemplares: também em meados da década de 50, ao ser vendida, a Sul Americana transfere a maior parte dos seus zepelim para São Luís (MA). Também de Fortaleza chegaram relatos de sua presença, sendo mesmo possível que algum deles tenha terminado a carreira na capital cearense.

Pelo menos um dos pioneiros da Sul Americana, porém, permaneceu em Belém. Operado pela Viação Triunfo, foi várias vezes fotografado em 1957, pela revista Life, dando origem às melhores imagens até hoje registradas deste veículo inédito e original. Apesar disso, teve fim inglório: seu último proprietário “desmontou e queimou pra fazer fogueira de São João“.





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