WILLYS |
Fundada em abril de 1952 por um grupo de investidores brasileiros, até 1961 a Willys-Overland do Brasil foi a maior indústria automobilística da América Latina, quando foi ultrapassada pela Volkswagen. A partir daí permaneceu no segundo posto até 1968, um ano depois de ter o controle transferido para a Ford.
O nome Willys está indissociavelmente ligado ao Jeep, veículo militar criado nos EUA no limiar da II Guerra Mundial. A história da marca, entretanto, é muito mais antiga – e cheia de altos e baixos. A Willys-Overland norte-americana foi criada em 1907, como resultado da compra da Overland (criada em 1902) pelo comerciante de automóveis John North Willys. A empresa, que não chegou a se destacar como fabricante ao longo das primeiras décadas do século XX, teve sua grande oportunidade em 1940, quando participou de uma concorrência para projetar e fabricar veículos militares leves de apoio tático com tração 4×4 para o exército dos EUA. Bantam e Ford também participaram da licitação e do fornecimento, mas foi a Willys quem recebeu a maior parte da encomenda (mais de 360 mil unidades seriam fabricadas até o final do conflito). O veículo, que no jargão militar recebeu a classificação GP (de General Purpose, ou uso geral), acabou sendo conhecido pela transcrição fonética djee-pee – daí derivando o nome Jeep.
Com o final da guerra, a Willys buscou encontrar novos usos para o seu carro: em 1946 aumentou a distância entre eixos do chassi do jipe e sobre ele criou uma station-wagon, que daria origem à nossa Rural, e em 1952, com a mesma mecânica, lançou o automóvel Aero Ace (o futuro Aero Willys). Em 1953 a empresa foi vendida para a Kaiser-Frazer, indústria de automóveis criada em 1945 pelo armador e grande industrial de cimento, alumínio e construções Henry Kaiser e pelo ex-presidente da Willys, Joseph Frazer. Carros Kaiser, Frazer, Aero e o compacto Henry J deixaram de ser produzidos em 1955, mas os utilitários permaneceram em linha. Em 1970 a Willys foi adquirida pela American Motors e mudou a razão social para Jeep Corporation. Em 1987, após passar oito anos sob controle da Renault, a American Motors foi absorvida pela Chrysler que, por sua vez, desde 2009 se associou à Fiat.
Jeep – o carro ideal para um país rural
A primeira tentativa de fabricação dos utilitários Jeep no Brasil ocorreu no imediato pós-Guerra, quando a FNM estudou a viabilidade de montá-los, como forma de dar uso às suas amplas e ociosas instalações. Em 1947 a concessionária Gastal passou a importá-los em regime SKD, montando-os em suas oficinas na Tijuca, Rio de Janeiro (RJ). Em 1950, com mais de 200 unidades fabricadas, a linha de montagem foi transferida para novas instalações em Nova Iguaçu (RJ), onde operou até 1954, quando a Willys inaugurou sua primeira fábrica brasileira, em São Bernardo do Campo (SP), ela própria em fevereiro assumindo a montagem dos Jeeps, a partir de componentes importados dos EUA. Concluída desde o segundo semestre de 1953, a nova planta da Willys só pode ser ativada no ano seguinte, por dificuldades burocráticas para a importação dos componentes em sistema CKD. Logo que iniciada, contudo, a produção rapidamente avançou, entre fevereiro e dezembro quase 6.000 unidades tendo sido montadas, já trazendo 30% de conteúdo nacional.
A implantação da fábrica paulista foi custeada com recursos internos, do grupo de empresários brasileiros que fundara a empresa e por subscrição popular; os norte-americanos participaram com apenas 30% do capital, integralizado através de matrizes e máquinas usadas, trazidas dos EUA. A Willys foi a segunda empresa estrangeira, depois da GM, a atender ao convite formulado pelo Ceima – órgão precursor do Geia – aos grandes produtores mundiais para que fabricassem seus veículos no Brasil. (Depois de tentar trazer sua fábrica de automóveis para o Brasil, em 1955 a Kaiser instalou-se na Argentina, onde, como IKA – Industria Kaiser Argentina, produziu por vários anos carros Kaiser, sob o nome Carabela.)
Em setembro de 1955 entrou em linha uma versão atualizada do Jeep (a partir daí nomeado Universal), com carroceria mais moderna, para-brisa maior, bancos mais confortáveis, chassi reforçado, nova suspensão e motor de quatro cilindros e 75 cv, versão que, com poucas mudanças, permaneceria em produção por quase 30 anos. Acentuando seu caráter eminentemente utilitário, o Jeep vinha equipado com tomada de força, própria para acoplamento a implementos agrícolas e de construção. Na altura o índice de nacionalização chegava a 40% (quase 50%, em peso). Explorando o mercado virgem de um país predominantemente rural, onde eram raras as estradas pavimentadas, a fabricação não cessaria de crescer: 9.139, em 1957, 13.177 em 1958 e 15.721 em 1959 – um único modelo correspondendo a 15% da produção total nacional, incluindo automóveis, caminhões e ônibus.
Seguindo os planos de nacionalização aprovados pelo Geia em agosto de 1956, a fábrica de São Bernardo foi ampliada, recebendo uma linha de usinagem e montagem de motores, inaugurada em março de 1958. Também foi adquirida uma fundição em Taubaté (SP), viabilizando a fabricação do primeiro motor Willys brasileiro – e também o primeiro a gasolina fabricado no país – com seis cilindros em linha, válvulas de admissão no cabeçote e de exaustão laterais, 2,6 litros e 90 cv. A seguir foram implantados o parque de prensas e uma unidade específica para eixos e transmissões, que viriam a assegurar, ao final da década, praticamente a nacionalização integral dos veículos.
O PRIMEIRO JEEP: SUA FICHA TÉCNICA: chassi tipo escada, carroceria aberta, duas portas, quatro lugares, sem bagageiro, 3,34 m de comprimento; motor longitudinal dianteiro refrigerado a água, com seis cilindros em linha, 2.638 cm3, 90 cv; um carburador; tração nas quatro rodas, caixa manual de três marchas (1ª não sincronizada) e reduzida; direção mecânica; suspensão por feixe de molas; freios hidráulicos a tambor.
Enquanto dava andamento aos planos acordados com o Geia, a Willys lançava as bases para o futuro: era seu objetivo dispor da mais completa linha de produtos do país, sendo o Jeep apenas o primeiro de uma série. Em 1957 anunciou entendimentos com a Chrysler no sentido de fabricar 6.000 unidades/ano do Plymouth Savoy 1956, sob licença (aqui seria chamado Tupi), com nacionalização inicial de 65%. Autorizado pelo Geia em dezembro do mesmo ano, o empreendimento utilizaria equipamentos usados importados de uma das filiais canadenses da Chrysler.
Inviabilizado o projeto por desinteresse da corporação norte-americana, a Willys decidiu aqui produzir o antigo Aero Ace. Em paralelo, a empresa negociava com a francesa Renault a fabricação local de automóveis pequenos e tratores leves (para estes, o programa de investimentos apresentado ao Geia previa, nos dois primeiros anos, a produção de 3.000 unidades de 1,6 t com motor MWM de 32 cv); apesar de aprovado pelo órgão em 1960, o projeto dos tratores também não vingou. Vários outros, no entanto, tiveram resultado: o primeiro deles foi a nacionalização da Rural Willys, lançada em setembro de 1958.
A Rural trazia a mesma mecânica do Jeep, porém com tração 4×2 ou 4×4 e carroceria de aço fechada de duas portas e seis lugares. Tinha estilo semelhante à primeira station da marca, apresentada nos EUA em 1946. O acesso ao compartimento traseiro era feito por portas duplas de abertura horizontal; o banco traseiro podia ser retirado, obtendo-se um volume útil de 2,75 m³, com ½ t de capacidade de carga. (A Rural Willys foi o objeto do primeiro teste de automóvel efetuado por um órgão de imprensa brasileiro: a reportagem, realizada por Mauro Salles, foi publicada em dezembro de 1959 pelo jornal carioca O Globo.)
A PRIMEIRA RURAL: SUA FICHA TÉCNICA: chassi tipo escada, carroceria de duas portas, seis lugares, bagageiro de 1,4 m³, 4,59 m de comprimento; motor longitudinal dianteiro refrigerado a água, com seis cilindros em linha, 2.638 cm3, 90 cv; um carburador; tração 4×4 ou nas rodas traseiras, caixa manual de três marchas (1ª não sincronizada); direção mecânica; suspensão por feixe de molas; freios hidráulicos a tambor.
Em apenas quatro anos, um turbilhão de lançamentos: Rural, Dauphine, Aero-Willys, Jeep 101, pick-up Jeep…
1959 foi um ano cheio de boas notícias: foi inaugurada a linha de fabricação de eixos e transmissões; foram efetuadas as primeiras exportações de peso (2.500 Jeeps para o Chile, 5.000 para a Indonésia e um lote de motores para os EUA); a matriz definiu o Brasil como fonte de suprimento para a América Latina, África, Ásia e Europa Oriental. Em novembro a Rural saiu com frente totalmente nova, inédita no mundo, proposta pelo estilista Brooks Stevens, um dos criadores do station Jeep do pós-guerra. Para-lamas, capô, grade, tampa do bagageiro e lanternas traseiras eram novos; tinha teto mais baixo, para-brisas de uma só peça (curvo na frente) e banco traseiro dobrável. A empresa ressaltava – o que era real – que pela primeira vez era “lançado no Brasil um veículo automotor especialmente desenhado para o nosso país e produzido somente no Brasil“. Finalmente, antes de se completar 1959 – e decorrido apenas um ano de sua provação pelo Geia -, foi lançado o Renault Dauphine, pequeno sedã de motor traseiro e quatro portas apresentado três anos antes na França.
Resultado de um grande investimento da Renault na Willys brasileira, da qual se tornou acionista, o carrinho trazia concepção e soluções mecânicas absolutamente diversas daquelas apresentadas pelos ultrapassados modelos Willys vindos dos EUA. Estrutura monobloco, suspensão totalmente independente e um pequeno e econômico motor de quatro cilindros com válvulas na cabeça, cabeçote de alumínio, camisas removíveis, 845 cm3 e 31 cv eram complementados por pequenos detalhes práticos, inéditos em carros do seu porte, que a propaganda da empresa procurava destacar. Era objetivo da Willys confrontar o novo carrinho com o que a concorrência – leia-se Fusca – (não) apresentava, a começar pelas quatro portas, com abertura de todas as janelas (embora as traseiras fossem deslizantes). O Dauphine possuía porta-malas surpreendentemente amplo, graças à posição do estepe, colocado sob o bagageiro e com acesso externo e frontal; o capô, que abria para frente, alojava os faróis; estes, por sua vez, tinham corpo traseiro transparente, iluminando à noite o interior do porta-malas.
Entre os itens práticos que o carro oferecia – todos eles hoje banais, mas pouco comuns na produção nacional da época – estavam: chave única para ignição, portas e tampa do motor; trinco de segurança “à prova de crianças” nas portas traseiras; dois porta-luvas (sem tampa); limpadores de para-brisa elétricos com retorno automático; comandos dos faróis e pisca-pisca na coluna de direção, neste caso com desligamento automático após completada a manobra; buzina com opção de dois tons (cidade e estrada); molas para manter as portas na posição aberta. O Renault Dauphine chegou tendo o Fusca como principal concorrente; sua constituição frágil, porém, jamais chegou a ameaçar a carreira avassaladora do filho dileto da Volkswagen.
O PRIMEIRO DAUPHINE: SUA FICHA TÉCNICA: carroceria monobloco de quatro portas, quatro lugares, bagageiro de 200 litros, 3,95 m de comprimento; motor longitudinal traseiro refrigerado a água, com quatro cilindros em linha, 845 cm3, 31 cv; um carburador; tração traseira, caixa manual de três marchas (1ª não sincronizada); direção mecânica; suspensão independente com molas helicoidais nas quatro rodas, trapézios oscilantes e barra de torção na dianteira e semi-eixos oscilantes sem amarração longitudinal e coxins de borracha pneumáticos na traseira; freios hidráulicos a tambor.
Em março de 1960 a linha foi enriquecida com um automóvel médio – o Aero-Willys – lançado com o elevado índice de nacionalização de 85%. De concepção mais atualizada do que a Rural, possuía carroceria monobloco e suspensão dianteira independente, com molas helicoidais. De resto, se aproveitava de toda a mecânica 4×2 Jeep, inclusive o câmbio de três marchas com 1ª não sincronizada (no caso do Aero, com alavanca na coluna de direção). Considerado compacto nos EUA (daí seu insucesso), foi o maior e mais pesado automóvel fabricado no país na época (Simca e FNM JK ainda não haviam sido lançados). Tinha quatro portas, dois bancos inteiriços com seis lugares e um grande porta-malas, “com 24 pés cúbicos” (679 litros). A tradução da capacidade da mala em pés³, aliás, é uma expressão das idiossincrasias norte-americanas do carro (em confronto com a praticidade do europeu Dauphine), como banco dianteiro inteiriço, farol alto com comando no pé e limpador de para-brisa a vácuo, de precário funcionamento.
O PRIMEIRO AERO-WILLYS: SUA FICHA TÉCNICA: carroceria monobloco de quatro portas, seis lugares, bagageiro de 679 l, 4,70 m de comprimento; motor longitudinal dianteiro refrigerado a água, com seis cilindros em linha, 2.638 cm3, 90 cv; um carburador; tração traseira, caixa manual de três marchas (1ª não sincronizada); direção mecânica; suspensão dianteira independente por molas helicoidais, eixo rígido traseiro com feixe de molas; freios hidráulicos a tambor.
Em novembro de 1960 foi realizado no Parque Ibirapuera, em São Paulo, o I Salão do Automóvel. A Willys mostrou quatro novidades na feira. A primeira, a Pick-Up Jeep, derivada da Rural 4×4, com cabine para três pessoas, capacidade para 800 kg e opção de caçamba de aço ou carroceria de madeira (anunciado como Comercial Jeep). O sistema de freios foi reforçado, com maior área de frenagem e dois cilindros hidráulicos por tambor; o carro tinha acabamento simplificado, não havendo opção de pintura bicolor; os para-choques eram pintados de preto. Este seria, junto com o Jeep, o produto Willys de mais longa duração no país, comercializado por mais de 20 anos, no final já sob a marca Ford. O segundo lançamento do Salão foi o Jeep modelo 101 (referência à sua distância entre eixos, em polegadas), 51 cm mais longo do que o jipe tradicional, na versão de quatro portas e seis lugares (em setembro do ano seguinte seria colocado à venda o modelo de duas portas, para oito passageiros). A terceira novidade foi a versão taxi do Aero-Willys.
A empresa aproveitou o Salão para apresentar seu primeiro veículo conceitual, o conversível Saci, releitura de Brooks Stevens para o Jeepster, também por ele criado em 1948. O projeto foi adaptado pela equipe de projetistas da Engenharia Experimental da fábrica brasileira, que em breve – e por vários anos – daria mostras de grande iniciativa e capacidade criativa. O Saci utilizou o chassi e o estilo dianteiro da Rural, mas teve a carroceria rebaixada e o pneu de reserva montado externamente, na traseira fortemente inclinada. Apresentado nas cores amarela e preta, ganhou capota de lona de acionamento manual e acabamento bem cuidado, com para-choques, calotas e grade cromados. A Willys chegou a realizar pesquisa de opinião com os visitantes do Salão visando o lançamento futuro do modelo, mas logo desistiu do projeto.
Também chegou a pensar, ainda em 1960, em uma “Rural Willys Sedan”, para oito passageiros, com uma terceira porta (instalada à direita), terceiro banco e pneu de reserva deslocado para o exterior da porta traseira. Prevista para 1961, também esta não viu a luz.
E mais: Interlagos, Gordini, 1093 e Aero-Willys 2600
Em 1961 – ano em que a Willys construiu o 10.000º Dauphine e seu 100.000º veículo – a empresa elevou a garantia de toda a linha para seis meses ou 12 mil km – a maior da indústria nacional de automóveis. Também inaugurou, em Taubaté, a Divisão de Produtos Especiais; três produtos foram logo colocados no mercado: guincho elétrico, reboque com capacidade para 750 kg e extensão traseira de carroceria para o Jeep. Ao mesmo tempo, a picape e o Jeep 101 foram disponibilizados na versão 4×2 e a Rural e a picape 4×2 passaram a ser equipadas com alavanca de mudanças na direção. O Dauphine teve a carroceria, suspensão, berço do motor e isolamento acústico reforçados. No final do ano a Willys criou seu Departamento de Competições, entregando o comando para Christian Heins, o Bino, brilhante piloto que dois anos depois faleceria disputando as 24 Horas de LeMans.
Com a inauguração de um setor específico para competições a empresa preparava terreno para seu grande lançamento do ano, mostrado no II Salão: o esportivo Interlagos, que viria a se constituir em um marco não só para o esporte, mas para a própria história da indústria automobilística brasileira. Primeiro carro construído em plástico reforçado com fibra de vidro por uma grande indústria no Brasil, foi apresentado simultaneamente em três modelos: conversível, cupê (do qual pouquíssimas unidades foram fabricadas) e a mítica berlinette, que nos anos seguintes, com seus 500 kg de peso (contra 900 do DKW e 1.200 kg do Simca) se tornaria quase imbatível nas pistas.
O Interlagos era a tradução nacional do Alpine A 108, esportivo da Renault francesa desenhado pelo carrozziere italiano Michelotti, com chassi tubular de aço e mecânica Dauphine preparada. Com 3,78 m de comprimento e altura entre 1,16 e 1,22 m, dependendo do modelo, o carro foi lançado com câmbio de quatro marchas e três opções de motor (845, 904 e 998 cm3, com 40, 50 e 56 cv); sistemas de freios, direção e suspensão permaneciam inalterados. Além deles havia uma versão especial para competição, fornecida por encomenda, com 998 cm3, dois carburadores, 70 cv, freios a disco na frente e suspensão traseira com quatro amortecedores, podendo ultrapassar 160 km/h. O Interlagos não foi fabricado em São Bernardo do Campo, mas em instalações próprias no bairro de Santo Amaro, em São Paulo (SP), sob a direção de Christian Heins. Nomes históricos como Luís Pereira Bueno, José Carlos Pace, Wilson e Emerson Fittipaldi, todos da equipe Willys, levaram inúmeras vezes o nome Interlagos ao pódio. 714 unidades seriam produzidas até 1965, quando o carrinho foi retirado de linha.
O Aero-Willys apareceu com diversas novidades técnicas e estéticas no Salão: frisos laterais retos, simplificação do desenho das lentes da luz de ré e da maçaneta do porta-malas, painel estofado e com nova disposição dos elementos, bancos com desenho e forração novos, chave única para portas, bagageiro e ignição, embreagem e freios reforçados (os últimos com assistência), nova relação do diferencial, novas rodas perfuradas; como opcional, ganhou lavador de para-brisa. Naquele ano o carro perdeu a opção de pintura bicolor e o friso decorativo do capô. No Dauphine, entre diversas outras pequenas melhorias, sistema de fixação da alavanca de mudanças alterado para eliminar o jogo excessivo, novo pedal do acelerador (o anterior, muito incômodo, consistia de apenas um pequeno rolete) e painel pintado de preto.
Um veículo que pouco chamou atenção no Salão, mas teve vida longa, foi a versão militarizada da picape Jeep, oficialmente denominada Camioneta Militar 3/4 ton. Derivada do modelo civil, que foi substancialmente alterado, trazia chassi e para-choques reforçados, rodas mais largas com pneus lameiros, cabine aberta com para-brisa basculante, meias-portas e capota de lona, grade de proteção para os faróis, engate para reboque, bancos dianteiros com estrutura tubular, bancos longitudinais de madeira na traseira e diversos acessórios exigidos pelo uso militar, tais como sistema de iluminação especial, refletores, ganchos nos para-choques, tomada de força elétrica, guincho, pá e machado com ponta de picareta. Inicialmente equipado com motor de seis cilindros de 2,6 ou 3,0 litros e câmbio manual de três marchas não sincronizadas, a partir de 1975 (já sob administração Ford e denominado F-85), recebeu um quatro-cilindros acoplado a caixa de quatro marchas sincronizadas.
Grande quantidade foi adquirida pelo Exército Brasileiro ao longo das décadas de 60 e 70, vindo a ser utilizada como estação de rádio, ambulância, porta-metralhadora, reboque de canhão e disparador de foguetes. Cerca de 150 foram exportados para Portugal, em 1962, e utilizados nas guerras coloniais africanas.
Em julho de 1962 foi lançado o Renault Gordini, versão do Dauphine com dotes esportivos. Sem mudanças externas aparentes, a menos de um friso cromado, de logotipos indicativos nas laterais e das rodas perfuradas, o Gordini era de fato um novo carro, com 40 cv, caixa de quatro marchas (1ª ainda não sincronizada), freios reforçados e melhor acabamento interno, que incluía interior e porta-malas acarpetados, novos bancos, bolsas laterais nas portas e arremates de alumínio na soleira. O aumento de potência foi obtido graças à maior taxa de compressão, aos coletores e válvulas maiores e ao novo carburador; a cilindrada (845 cm3) não foi alterada.
Em outubro, pela primeira vez na sua já longa história, o Salão Internacional do Automóvel de Paris exibiu um carro totalmente concebido no Brasil: foi a avant-première do Aero-Willys 2600. Reestilizado no Brasil sob a coordenação do arquiteto mineiro Roberto Araújo e primeira importante criação do Departamento de Estilo da Willys (sempre porém com a consultoria de Brooks Stevens), teve todo o detalhamento técnico e o conjunto de 420 matrizes aqui realizados. Sob o ponto de vista mecânico, as mudanças praticamente se restringiram ao diferencial menos desmultiplicado e ao motor com dois carburadores e 110 cv.
A carroceria (de quatro portas, onde se destacavam o pequeno “rabo-de-peixe” e a grade em “V”, introduzida com a Rural e que seria a nova identidade visual da marca) aproveitou a estrutura monobloco do modelo antigo, porém reduzindo-a 9 cm na altura; de para-choque a para-choque o 2600 e o modelo anterior ficaram praticamente com o mesmo comprimento, diferindo em milímetros. Surpreendentemente, capô e tampa da mala não foram alterados, o que não impediu que o novo carro aparentasse visual totalmente diferente. Para além da forma, trazia diversas melhorias com relação ao predecessor: painel de instrumentos mais completo, folheado em jacarandá, volante em cálice, limpador elétrico de para-brisa, com duas velocidades e esguicho, acendedor de cigarros localizado no interior do cinzeiro, iluminação no compartimento do motor, no porta-luvas e porta-malas, ventilador para circulação de ar na cabine e grandes lanternas dianteiras, cumprindo o papel de luz baixa e pisca-pisca. O gosto norte-americano permaneceu no banco dianteiro inteiriço, no comando do farol alto pelo pé, no freio de mão sob o painel e na alavanca de mudanças na direção.
Depois de uma seqüência tão intensa de lançamentos, 1963 foi um ano quase sem novidades: o Aero-Willys foi reapresentado na versão táxi, com suspensão reforçada, menos cromados e estofamento plástico; a picape 4×2 ganhou uma versão luxo, com duas cores, nova grade e para-choques cromados; e, no último mês do ano, foi lançada mais uma variante do Dauphine, o 1093, versão já utilizada pela Equipe Willys em competições, ainda com 845 cm3, mas com taxa de compressão elevada para 9,2:1 (vs 8:1 no Gordini), novo comando de válvulas, carburador de duplo estágio e coletores de novo desenho (não fundidos, mas de tubos soldados), permitindo gerar 53 cv de potência. O carro tinha a quarta marcha mais curta, tambores de freios aletados na frente, contagiros e sistema elétrico de 12 V (contra 6 V dos outros veículos da marca). Foi o segundo sedã esportivo brasileiro (o primeiro foi o Simca Rallye). Apresentado apenas nas cores dourada e (em 1965) vermelha, somente 721 seriam fabricados.
Um Departamento de Estilo fértil e criativo
Em 1964 o sistema de 12 V foi levado a todo o restante da linha Willys. A versão luxo, ensaiada no ano anterior na picape, foi estendida à Rural, que ganhou estofamento mais aprimorado, grade e frisos cromados e suspensão mais macia; o modelo standard, que manteve a grade antiga e a pintura monocromática, ficou restrito à versão 4×4. A partir de fevereiro – e por pouco tempo – a picape foi disponibilizada também com motor diesel Perkins de quatro cilindros.
Buscando neutralizar a impressão popular de fragilidade dos modelos Renault que fabricava, em 1964 a Willys se propôs a submeter um de seus carros à conquista do recorde mundial de resistência de 50.000 quilômetros, então nas mãos do Ford Cortina inglês conduzido, entre outros, pelo campeão mundial de Fórmula I Jim Clark. Envolvendo dez pilotos e um Gordini comum, retirado aleatoriamente da linha de montagem, a prova respeitou os regulamentos da FIA e foi por ela supervisionada. Por 22 dias, entre 26 de outubro e 17 de novembro, o carro correu ininterruptamente no autódromo paulistano de Interlagos, parando exclusivamente para abastecimento e troca de pilotos e pneus. Apesar de ter sofrido uma capotagem no quinto dia da prova, o carro atingiu 51.233 km, à velocidade média de 97km/h, concluindo com grande sucesso o teste e conquistando 133 recordes de distância e tempo, 25 deles internacionais.
A maratona coincidiu com o IV Salão do Automóvel (que a partir daquele ano passava a ser bienal), para o qual a Willys levou muitas novidades. Toda a linha recebeu melhorias mecânicas e retoques na carroceria: no Jeep (Universal e 101), picape e Rural 4×4, câmbio de três marchas totalmente sincronizado, lâmpada no painel indicativa de tração 4×4 ligada e alavanca única para tração 4×4 e reduzida; no Jeep, para-brisa basculante; na Rural e picape 4×2, caixa de quatro marchas sincronizadas e nova suspensão dianteira independente com molas helicoidais e triângulos sobrepostos. Na berlineta Interlagos o bocal do tanque de combustível foi retirado da coluna traseira. O Aero-Willys foi objeto de especial atenção: além de nova suspensão e câmbio sincronizado de quatro marchas, ganhou tambores de freio aletados, nova traseira, muito mais elegante, frisos laterais de novo desenho e o maior porta-malas da categoria, com 820 litros; também por fim foi eliminada a aba sobre os faróis, tão criticada pela imprensa especializada.
A grande atração do Salão, porém, foi o protótipo Capeta, esportivo projetado por Rigoberto Soler, que poucos anos depois seria o grande dinamizador da FEI. Cupê de dois lugares pintado na cor prata montado sobre um chassi tubular com mecânica Willys 2600 preparada, recebeu cuidadoso acabamento interno, com bancos de couro e completo painel de instrumentos revestido de madeira de lei. A total ausência de disposição do antiquado motor Willys para desempenhos esportivos obrigou ao cancelamento do projeto, que não passou da fase de estudo conceitual. (O belo automóvel foi doado ao Museu de Antiguidades Mecânicas de Roberto Lee e lá ficou abandonado por décadas. Resgatado e restaurado no século corrente, foi transferido para o Museu do Automóvel de Brasília.)
O Capeta foi um dos muitos projetos desenvolvidos pela Willys a partir de 1963, fase de grande atividade para os departamentos de Estilo e Engenharia Experimental, dando origem a interessantes automóveis. Antecessor do Capeta, também com mecânica 2600, o cupê “dois volumes e meio” Boulevard foi desenhado pela Willys e teve a carroceria de aço moldada pela Brasinca; o protótipo foi concluído, mas não chegou a ser oficialmente apresentado; seu destino é desconhecido.
Uma das iniciativas mais ousadas de então foi o projeto de um carro popular, “pequeno, simples, econômico, ao alcance do poder aquisitivo do consumidor médio da época“, segundo palavras do próprio Roberto Araújo, trinta anos depois. Conhecido como projeto E (de econômico), o carrinho teria motor traseiro entre 750 e 850 cm3 e 40 cv, possivelmente derivado da linha Renault, quatro marchas (ou câmbio automático DAF Variomatic), suspensão independente por braços articulados e barras de torção e freios a tambor. Com 3,4 m de comprimento, seria meio metro mais curto do que o pequeno Dauphine. Seis protótipos chegaram a ser construídos e testados, porém a Willys não teve recursos financeiros para desenvolvê-lo industrialmente, tendo que abandoná-lo. Também abandonado foi o projeto de carroceria totalmente nova para o Aero-Willys, cujos estudos de estilo já se encontravam em estágio adiantado. Na verdade, a empresa acabou optando por investir em um terceiro veículo – o Projeto M (de médio) – que logo começaria a ser projetado e que, este sim, teria bom fim. Esta história de ousadia e sucesso será vista mais adiante.
Também na área esportiva foram muitas as incursões da engenharia da Willys, desde os monopostos Gordini Júnior (1962), Willys Gávea (1965), até os vencedores Bino Mk I e Mk II, de 1967 e 68, passando pelo A-110, de 1964, ao ritmo de quase um carro novo por ano. Além de forte instrumento de propaganda, a manutenção de equipe esportiva própria foi de grande importância para a Willys (e depois para a Ford) na fase de desenvolvimento do futuro Corcel, pois foi um poderoso laboratório de teste de motores, operando em “tempo real”, em paralelo com a própria concepção da nova família de carros.
Retornando ao dia-a-dia da Willys, veremos em 1965 o lançamento do Teimoso, um Dauphine espartano concebido para compor o programa de financiamento de carros populares da Caixa Econômica Federal. Externamente muito foi mudado: além dos para-choques pintados e sem barras protetoras, foram eliminados frisos, calotas, retrovisores, o limpador de para-brisa direito e as lanternas de direção e posição (na traseira sua função foi parcialmente assumida pela luz de placa, que passou a ser de plástico vermelho). No interior as alterações foram ainda mais drásticas: foram eliminados todos os revestimentos, tampa do porta luvas, iluminação e todos os medidores, a menos do velocímetro; as portas foram cobertas com eucatex e os bancos extremamente simplificados (apenas a estrutura tubular e uma manta do tipo maca, à guisa de estofamento); ironicamente, porém, ganharam em espaço e conforto. Na mecânica, o carburador foi trocado por um modelo mais simples, sem afogador automático. Apenas duas cores eram oferecidas.
Projeto M: preparando-se para um futuro que acabou não chegando
1966 iniciou com uma premiação: a picape Jeep foi o primeiro Carro do Ano da revista Autoesporte, avaliação anual que o órgão acabava de criar. Um dos predicados mais elogiados no carro foi sua grande versatilidade, expressa pelas versões militares, produzidas havia anos para as Forças Armadas, e pelas oito especiais para uso civil que podiam ser fornecidas pela fábrica (todas com duas portas e preparadas por terceiros): cabine dupla, furgão, ambulância, carro-forte, carro para transporte de presos com ou sem cabine-dupla, carro funerário e transporte de pessoal (picape com teto de lona e bancos longitudinais).
Para 1966 todos os modelos de origem Willys ganharam termostato, alternadores em lugar de dínamos e nova calibragem do carburador, reduzindo o consumo em até 20%. Interlagos, Dauphine e 1093 saíram de linha; o Gordini (agora Gordini II), que substituiu os dois últimos, recebeu alguns melhoramentos: alavanca de mudanças mais precisa, novos bancos, frisos cromados nos arcos das rodas e rodapé, bocal do tanque de combustível externo (ficava no compartimento do motor) e tirantes na suspensão traseira.
A grande novidade foi o Itamaraty, versão luxuosa do Aero-Willys, com lanternas traseiras horizontais, grade de barras delgadas sem a divisão central em “V” e novos frisos laterais; o carro tinha pneus sem câmara e capô do motor isolado térmica e acusticamente. No interior, estofamento em couro, revestimento das portas em veludo com detalhes de jacarandá, piso acarpetado, acendedor de cigarros para os passageiros de trás, rádio, ventilador elétrico, luzes de leitura com foco dirigível, luzes vermelhas de segurança nas portas, apoia-braço central no banco traseiro e tranca de direção acoplada à chave de ignição.
Julho foi um mês cheio de acontecimentos marcantes: a Willys inaugurou sua unidade fabril de Jaboatão (PE), destinada à montagem da linha Jeep para as regiões Norte e Nordeste, com componentes levados de São Paulo; atingiu o 400.000º veículo fabricado, praticamente 1/3 de toda a produção nacional desde 1956; e, no dia 28, comunicou oficialmente o lançamento, em junho de 1968, de uma completa família de automóveis desenvolvida em conjunto com a Renault, o então chamado Projeto M, compreendendo sedã de quatro portas, caminhonetes de duas e quatro portas, cupê de duas portas, conversível e furgão. Esta seria a família Corcel (o nome ainda não fora escolhido), embora com menor número de membros. Primeiro carro brasileiro de concepção moderna, incluiria (segundo o comunicado oficial) “um motor da mais moderna concepção [e] os mais avançados requisitos da técnica, como freios a disco, sistema de refrigeração a água com radiador selado, além de uma veloz e eficiente transmissão de 4 marchas totalmente sincronizada (…), carroçaria monobloco especialmente reforçada (…) com assoalho plano“. Este seria um projeto ousado e de extremo sucesso do qual a Willys não colheria os louros – nem os lucros.
A linha 1967 foi lançada em novembro, no V Salão do Automóvel. Afora muitos detalhes técnicos e estéticos nos vários modelos, houve apenas uma grande novidade: o Itamaraty Executivo, primeira limusine brasileira (e até hoje única produzida por um grande fabricante) e primeiro automóvel nacional equipado com ar condicionado (ainda que apenas no compartimento traseiro). Com 5,52 m de comprimento (71 cm mais longo do que o modelo normal, serviço executado pela Karmann-Ghia), só 27 unidades seriam produzidas. Dispunha de divisória para o motorista com vidro elétrico, console no centro da poltrona traseira com apoia-braço, rádio, gravador, toca-fitas e até barbeador elétrico, dois bancos laterais escamoteáveis e teto de vinil com vigia traseira de menor tamanho; o banco do motorista, embora revestido com couro, não era regulável, imobilizado que ficou pela parede divisória. As duas versões do Itamaraty receberam motor de 3.014 cm3 e 132 cv; em ambas eram novos grade, lanternas, frisos laterais, maçanetas das portas, volante, estofamento e instrumentos do painel.
No Aero-Willys mudaram as lanternas traseiras (dividida em três, com cores e funções diferentes), o para-choque traseiro, painel (com mais instrumentos) e sistema de direção; rádio e tranca de direção passaram a ser itens de série; estofamento de couro foi oferecido como opcional. O Gordini (agora III) ganhou opção de freios a disco na frente, iluminação da placa embutida no para-choque e novas lanternas traseiras; sem maiores explicações, o bocal do tanque voltou para dentro do cofre do motor. Na Rural, a bitola traseira foi alargada e a grade mudou para um modelo de alumínio quadriculado e ondulado, enquanto que a picape recebeu suspensão dianteira independente; ambas tiveram o painel redesenhado e ganharam nova caixa de direção. Até o Jeep teve direito a melhorias: duas lanternas traseiras (até então só dispunha da luz vermelha da placa de licença), novos bancos, capa para o estepe e capota conversível. Para ele foi desenvolvida a versão Praia, 4×2 com teto e portas de lona listrada e pneus largos com banda branca, que não chegou a ser colocado em produção.
O Salão também expôs o Willys Spyder 1300, protótipo de competição preparado por Toni Bianco para o Departamento Esportivo da Willys. Tinha chassi tubular, carroceria de alumínio com duas portas, dois lugares e somente 90 cm de altura. Suas características mecânicas: tração traseira, freios a disco nas quatro rodas, suspensão independente com molas helicoidais e trapézios sobrepostos e motor Renault com dois carburadores, 1.298 cm3 e 107 cv montado entre eixos – não por acaso um engenho quase igual ao que seria utilizado no Corcel. Coincidentemente, alegando ter que concentrar esforços no desenvolvimento do Projeto M, no mês anterior a Willys se desfez de todos os carros da equipe esportiva, só mantendo os protótipos 1300 – Mk I e Spyder – exatamente os únicos que portavam o motor do novo automóvel. Rebatizado Bino Mk II, em homenagem a Christian Heins, o Spyder teria brilhante desempenho nas temporadas seguintes. Ainda no Salão, foi mostrado o monoposto de Fórmula 3 sucessor do Willys Gávea. Construído por seu Departamento de Competições sobre chassi tubular de aço sem costura, foi equipado com motor Gordini de um litro, caixa francesa Renault de quatro marchas, freios a disco nas quatro rodas, suspensão independente semelhante à do Spyder e rodas de magnésio com pneus importados.
Sob administração da Ford
Em outubro de 1967 foi anunciada a compra, pela Ford, da totalidade das ações da Willys de propriedade da Kaiser e da Renault. Embora a empresa contasse com dezenas de milhares de acionistas brasileiros, estes eram minoritários ou não tinham direito a voto. Assim, a Ford assumiu o controle efetivo da Willys, herdando um enorme patrimônio em unidades industriais e produtos: fábricas de motores e transmissões, parques de prensas, fundições e linhas de montagem com unidades em São Bernardo do Campo, São Paulo, Taubaté e Jaboatão, todas elas altamente verticalizadas; um moderníssimo e bem equipado Centro de Pesquisas e Desenvolvimento junto à planta de São Bernardo; rede de 314 revendas (contra 182 da Ford); a mais variada gama de veículos 4×4 do país; e, principalmente, o projeto de um moderno automóvel médio em fase final de desenvolvimento, que seria por muitos anos o carro-chefe da companhia – o Corcel.
O novo estilo de administração logo se fez sentir. Para começar, a Willys perdeu a quase absoluta autonomia e liberdade de decisões com relação à matriz das quais sempre gozara. A empresa sempre apresentou incomum continuidade administrativa, tendo tido apenas dois diretores-gerais em seus quase 15 anos de viva – Hickman Price e William Max Pearce – ambos imbuídos de visão desenvolvimentista e praticando relações trabalhistas “civilizadas”, coerentes com o lema de Henry Kaiser “capitalismo com seguridade“. (Significativo dos novos tempos foi o destino dado à Comissão de Relações do Trabalho – CRT, pioneira instância de negociação entre trabalhadores e empresa, espécie de ouvidoria instituída pela Willys, em 1963, que a Ford apressou-se em extinguir.)
Sob a gestão Ford a linha de produtos Willys praticamente não sofreu alterações para 1968; de notável, apenas a opção do motor de 3 litros e 132 cv para a Rural e picape; a garantia do Aero-Willys e Itamaraty foi ampliada para um ano ou vinte mil quilômetros. O Gordini, embora não tivesse passado por qualquer alteração, além de cores e estofamento, e viesse a ser retirado de linha em março, passou a chamar-se Gordini IV. A Ford manteria a equipe de competições em atuação por mais alguns meses, com o Mk I e Bino Mk II, com ela conquistando vitórias significativas, entre as quais em abril a do Bino, já então equipado com o motor Corcel de série, nos Mil Quilômetros de Brasília. A equipe foi desfeita em outubro, já que, conforme justificou o novo presidente da empresa, “uma das principais tarefas da equipe Willys completou-se com a conclusão dos testes de componentes do Ford Corcel“.
Em novembro, pela primeira vez a marca Willys esteve ausente do Salão do Automóvel. Uma das maiores vedetes da feira, no entanto, foi obra sua: o Ford Corcel, oficialmente lançado na ocasião. [Para acompanhar a evolução do Corcel, procure em Ford.] A partir do Salão, os modelos Willys remanescentes passaram a ostentar o logotipo Ford. Para 1969, todos receberam pequenos acertos técnicos na suspensão, freios, embreagem e transmissão, resultado da revisão efetuada pelos novos proprietários; o uso de alguns elementos foi padronizado para as duas marcas, tais como tambores e lonas de freio, calços de motor, limpadores de para-brisa e sistema de vedação das janelas. Aero-Willys e utilitários ganharam opção de diferencial autoblocante; no Itamaraty, teto de vinil passou a ser item de série. Aero 2600 e Itamaraty 3000 tiveram a potência aumentada, respectivamente para 130 e 140 cv; Jeep, picape e Rural permaneceram com 90 cv.
Em agosto a assembléia de acionistas da Willys aprovou sua fusão com a Ford. A partir daí seria questão de tempo serem extintos os últimos traços de seus antigos produtos. Em 1970 a Rural ganhou opção de terceiro banco. Para o VII Salão do Automóvel, no final daquele ano, a Ford encomendou à Brasinca a preparação de um furgão sobre o chassi da picape Willys, com capacidade para 820kg. Diversas alterações foram necessárias para adequar o chassi à nova carroceria com posto de direção avançado, dentre elas aumento da bitola, novo eixo dianteiro, reforço da suspensão traseira e reposicionamento da coluna de direção, alavanca de mudanças e pedais. O carro foi dotado de portas corrediças para o condutor e seu ajudante e portas de abertura total na traseira. Não chegou a entrar em produção.
Em março de 1971 a fabricação dos utilitários foi transferida para a planta Ford do Ipiranga, para abrir espaço para o Corcel em São Bernardo do Campo. Em outubro, apesar de ter-se cogitado em sua modernização, e até mesmo ter sido anunciado um Itamaraty Brasília, em 1969, os dois automóveis de passeio Willys chegaram ao fim da carreira; quase 100.000 Aero-Willys e pouco mais de 17.000 Itamaraty foram produzidos ao todo.
A picape, sempre bem vendida (seriam mais de 22.500 unidades em 1975, 13,1% do segmento), recebeu naquele ano nova nomenclatura, seguindo o padrão Ford: F-75. O Jeep ganhou duas variantes, nenhuma delas com sucesso: para explorar o mercado de lazer, foi lançado o CJ-5, apenas com tração 4×2, suspensão dianteira independente, pneus de asfalto, roda de reserva montada na traseira e opção de bancos individuais e console central; e, tomando por base o Jeep modelo 101 de duas portas, foi concebida a picape F-50, com meia capota de lona, banco para três passageiros e tampa traseira escamoteável.
Em 1975, em plena Crise do Petróleo, os utilitários ganharam opção de um motor Ford de quatro cilindros (2.300 cm3, 99 cv), muito mais moderno e econômico, já utilizado no Maverick. Em abril de 1977 foi fabricada a última Rural. Em 1980 a Ford conduziu um projeto de modernização do Jeep, que acabou por não ser implantado. O programa previa, entre outros, a inclusão de mais três instrumentos no painel, coluna de direção e volante do Corcel, pedaleira suspensa, novo banco regulável para o motorista, duplo circuito de freio, para-choques maiores, estribo tubular, pneus mais largos, pneu de reserva montado na traseira, piscas sobre os para-lamas e lanternas traseiras da Belina. Em1982, o motor de quatro cilindros foi oferecido na versão a álcool. Em 1983, por fim, também o Jeep e a picape F-75 deixavam de existir.
Pioneira, a Willys-Overland do Brasil teve vida curta mas deixou fortes marcas na história recente do país, nos âmbitos da indústria e do trabalho. Altamente identificada com a consciência desenvolvimentista do Brasil de meados do século que passou, foi artífice da industrialização acelerada, antecipando metas, nacionalizando o máximo e ousando projetar localmente veículos completos, quando o país ainda engatinhava no setor. Maior empresa automobilística da América Latina na fase heróica da implantação da nossa indústria, a Willys vivenciou – e foi partícipe – do que se convencionou chamar “operação mão-de-obra”: a arregimentação de grandes contingentes de trabalhadores ainda afetos a atividades rurais e sem contato com os fatos básicos da tecnologia, providenciando-lhes instrução básica e formação técnica mínima, de modo a rapidamente integrá-los a operações complexas, por eles nunca vistas.
Havia, ademais, que atentar para a substituição da mão-de-obra imigrante, a única então especializada, que pouco a pouco se aposentava (mais de 30 idiomas diferentes eram falados dentro da Willys, nos primeiros anos). Foram as empresas pioneiras da indústria automobilística – e a Willys com destaque, pelo seu porte na época – as responsáveis diretas pelo milagre da transformação de trabalhadores rurais, do interior de estados agrários do Nordeste e Sudeste, sem instrução formal, sem qualquer experiência fabril anterior, em peões, artífices, mecânicos, torneiros, ferramenteiros, encarregados. Muitas vezes semi-analfabetos, “aprenderam a fazer automóveis“, assumiram identidade como trabalhadores e cidadãos e foram o motor do explosivo desenvolvimento do ABC.