> VIEIRA

VIEIRA | galeria

Uma das mais antigas encarroçadoras cariocas de ônibus, a Carrocerias Vieira Comércio e Indústria S.A. foi constituída em 1945, em sucessão à pioneira Fábrica de Carrocerias Brasileira Ltda., fundada pelo cidadão português Manoel Vieira, no Rio de Janeiro (RJ), no remoto ano de 1918. Construindo veículos com estrutura de madeira, foi a primeira empresa a fabricar ambulâncias no país, ainda na década de 20, ao ser escolhida pela prefeitura do Distrito Federal para equipar o serviço de assistência da então capital federal.

Por muito tempo a Vieira se concentrou na produção de lotações – coletivos de menor porte para passageiros sentados, com motor externo ao cabine – montados sobre chassis importados. Somente a partir do final da década de 50, com o advento da indústria automobilística nacional, passou a projetar veículos maiores e carrocerias metálicas com motor integrado, às quais chamou Tubocar. A partir daí, como aconteceu com quase todos os fornecedores de carrocerias do país, praticamente só viria a utilizar como base mecânica chassis Mercedes-Benz brasileiros. Para eles preparou uma interessante carroceria com painéis dianteiros e traseiros acentuadamente curvos, laterais de alumínio frisado, janelas de baixar (única solução disponível na época), acima delas uma bandeira contínua em toda a periferia do carro, feita de acrílico colorido, e conjunto de grade e faróis emulando o padrão elíptico da frente dos caminhões e ônibus monobloco da Mercedes.

No último ano da década foram introduzidas janelas duplas de correr, eliminando-se a faixa periférica de acrílico. No modelo seguinte, todas as curvas foram suavizadas e a frente foi radicalmente alterada, ganhando grade retangular de chapa de aço perfurada, uma faixa de igual material sob os para-brisas e caixa de itinerário maior, projetada para adiante. No início dos anos 60, dobrando-se ao modismo das colunas inclinadas e dos faróis duplos, mais uma vez a Vieira alterou o desenho dos ônibus; além desses itens, também a grade foi mudada por um modelo bem menos discreto. Este “desvio” do funcionalismo e praticidade que vinha caracterizando a marca durou pouco tempo e, já em meados da década, projetou um novo ônibus para o chassi Mercedes-Benz LPO, trazendo de volta as janelas duplas de colunas verticais, os faróis singelos e a grade retangular de chapa perfurada. Apesar desta volta ao passado em termos estilísticos, a carroceria avançou em espaço interno e área envidraçada.

No VI Salão do Automóvel, em 1968, a empresa apresentou seu primeiro rodoviário, de linhas surpreendentemente ousadas para a pouca expressão estilística de seus produtos. Montado sobre plataforma Magirus, tinha teto plano, revestimento lateral com chapa de alumínio inteiriça, dianteira e traseira moldadas em plástico reforçado com fibra de vidro, janelas com 90 cm de altura e vidros fumê montados externamente às colunas. Internamente, possuía ventilação através de vigias basculantes transparentes no teto, poltronas reclináveis com movimento conjugado do assento e encosto, iluminação indireta no salão e individual para os passageiros, banco do motorista com amortecedor. Chamada Alfacinha (folclórica denominação, referência aos portugueses naturais de Lisboa) a carroceria era montada sobre calços de borracha, reduzindo as vibrações transmitidas pelo chassi. A versão urbana tinha as mesmas linhas do rodoviário, porém com vidros incolores e colunas aparentes, porém mantendo a ventilação no teto e a ampla área envidraçada – única no país.

A despeito de sua longa história, porém, a Vieira não se modernizara tecnológica, industrial e administrativamente, não conseguindo dar conta da complexidade construtiva apresentada pelo Alfacinha. A insuficiência técnica e o caráter semi-artesanal da empresa logo ficaram patentes na fragilidade estrutural apresentada pela carroceria urbana – uma cópia de modelos portugueses de então, que em seu país circulavam sobre pisos de muito melhor qualidade do que os nossos.

Dois outros fatores contribuiriam agravar a situação. Em primeiro lugar, a necessidade urgente da transferência de suas instalações industriais: localizada na área central do Rio de Janeiro, em uma das principais vias de ligação da cidade, a empresa teve o imóvel desapropriado para a implantação do metrô. A nova fábrica, no subúrbio de Realengo, mal teria tempo de ser inaugurada, em 1969. Em segundo lugar, e muito mais grave, a grande crise de mercado que engolfaria o setor no final da década e seria fatal para a empresa.

A Vieira então fabricava uma carroceria por dia, com penetração razoável nos mercados do Rio de Janeiro e, em especial, Belo Horizonte (MG), onde era a mais vendida, com quase 20% da frota. Com a crise, a produção caiu para a metade. Como forma de reduzir a ociosidade de 50%, procurou diversificar a linha, apresentando um mini-ônibus para o chassi da picape Dodge D-100 (com capacidade de 13 passageiros), preparando micros para chassis Ford F-350 e Dodge D-400 (com 20 lugares) e construindo para a CTC, operadora pública fluminense, carrocerias sobre chassi Mercedes-Benz LPO encurtado para operação nas linhas acidentadas do bairro de Santa Tereza.

Também apresentou, ainda em 1969, seu projeto de ônibus de piso baixo para operar em pistas de aeroportos – o primeiro concebido no Brasil. Encomendado pela administração do Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro (RJ), tinha largas portas de acesso, quatro rodas tracionadas e direcionais e postos de direção nas duas extremidades, permitindo que o veículo operasse nos dois sentidos. Com 12,5 m de comprimento, 3,0 m de largura e capacidade para 80 passageiros, possuía motor Mercedes-Benz montado em posição num chassi especial de piso baixo construído (também com elementos mecânicos Mercedes) pela Companhia São Bernardo de Automóveis. Seguia, em linhas gerais, o estilo do Alfacinha. (Anos depois, após o fechamento da Vieira, o projeto seria retomado pela Ciplasa.)

Tais ações não foram suficientes, todavia, para manter a empresa em funcionamento. Técnica e administrativamente incipiente, a Vieira seria um dos muitos fabricantes a sucumbir no período. Em 1971 a empresa paralisou as atividades e, no final do ano, suas instalações, equipamentos e projetos foram arrematados em leilão pela Metropolitana. A fábrica da Vieira foi definitivamente fechada e a produção do Alfacinha (urbano e microônibus) transferida para a Metropolitana, onde o modelo foi fabricado até sua falência, em 1975, com nova diagramação das janelas e sob o nome Novo Rio.





GmailFacebookTwitter