STRIULI |
Fundada em 1958 por Luigi Giovanni Striuli, já no início de sua existência a Striuli & Cia Ltda. conquistou projeção nacional ao fornecer imponentes carrocerias rodoviárias para a Viação Cometa, já então considerada a transportadora de passageiros de maior prestígio do país. O projeto foi desenvolvido por solicitação da operadora, que pretendia modernizar sua grande frota de ônibus usados, do tipo Coach Brasileiro, desde 1951 fornecidos pela GM e cujos chassis (ODC-210) e órgãos mecânicos ainda se apresentavam em boas condições. A pedido da Cometa, porém, a Striuli tomou outro veículo como modelo – o GM Coach, muito mais moderno, o melhor que a operadora dispunha em sua frota e o mais sofisticado então em uso no país, com ar condicionado e janelas de vidros ray-ban, por ela adotado na importante rota entre São Paulo e a então capital federal.
A Striuli fez excelente trabalho, conseguindo reproduzir à perfeição estilo e acabamento do original norte-americano, com as devidas adaptações impostas pelas limitações técnicas da indústria brasileira da época. Nem as alterações estéticas mais evidentes (para-brisas menores, janelas laterais mais baixas, deslizantes e subdivididas em duas) abalaram a majestade do veículo. Algumas centenas de carrocerias foram construídas na fábrica de Vila Carrão, na zona leste de São Paulo. Com o tempo, detalhes foram melhorados, aproximando-as mais ainda do original. A coluna divisória entre os para-brisas dianteiros foi eliminada, as janelas laterais perderam a divisão horizontal e ganharam cantos com curvas mais suaves (porém permaneceram deslizantes, já que os ônibus não dispunham de ar condicionado); as cúpulas do teto foram modernizadas e a caixa de itinerário e vigia traseira ampliadas. Em nome da segurança, receberam faróis duplos. Provavelmente por imposição da GM, o emblema GM Coach aposto na dianteira deixou de ser utilizado, sendo simplesmente substituído pelas letras “G” e “M”, em corpo grande e largo.
A partir de 1961 a Striuli começaria a perder parte da demanda cativa da Cometa, que optara por padronizar a frota com chassis Scania e carrocerias Ciferal. Talvez como estratégia para compensar a perda, contando substituir a Cometa por outro grande cliente – no caso seu principal concorrente na rota Rio-São Paulo, o Expresso Brasileiro -, a empresa preparou um protótipo de carroceria em dois níveis montada sobre o novo chassi Scania B 75. A escolha do conceito certamente não foi gratuita: não só suas linhas se assemelhavam às dos Flxible Vista Liner do Expresso Brasileiro, seu carro-chefe importado em 1956 e que já chegava ao final da vida útil, como também eram próximas às do moderno recém-lançado Diplomata, da Nielson, com quem poderia disputar o mercado. O protótipo trazia alguns poucos elementos do modelo preparado para a Cometa, sendo os mais evidentes as janelas laterais, os para-brisas dianteiros e a barra decorativa na dianteira, exata reprodução daquela utilizada pelos GM Coach importados. O extremo sucesso do Diplomata, porém, frustrou os planos da Striuli, que aparentemente acabou por abandonar o projeto.
O modelo rodoviário anterior, contudo, se prestava excepcionalmente bem à aplicação em chassis de outras marcas, oportunidade aproveitada pela Striuli para preservar seu mercado, ameaçado não só pela Ciferal como pelas sulistas Eliziário, Nielson e, um pouco mais tarde, pela Nicola, que dia a dia se afirmavam como fornecedores de ônibus de qualidade para longos percursos. Especialmente interessantes foram as versões preparadas para a nova plataforma Magirus (lançada no final de 1967, da qual a empresa Pássaro Marrom adquiriu os primeiros exemplares) e, já no final da década, para o chassi pesado V-9, da FNM.
Embora a produção de ônibus urbanos tenha sido iniciada com a criação da empresa, em 1958, teve que ser colocada em segundo plano para permitir atender às grandes encomendas da Cometa. No início da década seguinte a fabricação foi retomada em nova planta, em Guarulhos (SP), com o modelo Prímula. Original e bem desenhado, seu estilo lembrava a elegância discreta dos primeiros rodoviários Diplomata, da Nielson. Acompanhando a moda da época, o veículo tinha colunas inclinadas e faróis duplos. Ao contrário da aparência de solidez dos rodoviários, a empresa daria a todos os seus modelos urbanos traços delicados, caracterizados pelas colunas esbeltas, grande área envidraçada, grade realizada com delgados perfis de alumínio (nos anos seguintes) e revestimento em alumínio fosco e pouco frisado. Tais detalhes, ainda que transmitissem falsa sensação de fragilidade, diferenciavam fortemente seus ônibus do restante da produção nacional, esteticamente pesada e por vezes mesmo grosseira.
(Em paralelo com a produção de urbanos e rodoviários, durante toda a sua existência a Striuli não se furtou a atender encomendas de veículos especiais, como forma de manter ocupada sua fábrica. Assim, no início da década de 60 chegou a fornecer carrocerias para autos de fiscalização de linhas da Rede Ferroviária Federal, da mesma forma que, a partir de 1969, produziria furgões sobre plataforma Magirus para empresas de mudanças e transporte de carga e construiria seu primeiro – e único – micro-ônibus, com acabamento de luxo, para uma empresa de turismo.)
No V Salão do Automóvel, em 1966, a empresa lançou o modelo Cityrama, nas versões urbana e turismo, outra criação sua que ficaria célebre. Preparado para chassis e plataformas com motor traseiro (Mercedes-Benz O-321 e, no ano seguinte, também Magirus), foi a primeira carroceria brasileira com para-brisa panorâmico, transversalmente bi-partido, tomando quase toda a frente do veículo. A versão turismo opcionalmente podia receber uma seqüência de oito vigias fixas com vidros curvos no teto.
Não estando situada entre os grandes fabricantes, a Striuli não procedia a mudanças freqüentes em seus produtos. Na primeira metade da década os urbanos ganharam apenas nova grade em perfilado de alumínio, revestimento “padrão de mercado” (alumínio liso ou com frisos menos espaçados), novas cúpulas de teto, itinerário mais amplo, novo formato das lanternas e, seguindo o modismo, colunas verticais. Conhece-se somente um modelo com estilo mais “radical”, ainda do início da década e aparentemente produzido em pequena quantidade, onde a grade tomava toda a dianteira do carro, detrás da qual se escondiam os faróis quádruplos.
Em 1968 – ano de grande expansão do mercado de ônibus – a Striuli lançou os primeiros ônibus com teto plano do país, estilo que seria copiado nos três anos seguintes por todos os fabricantes nacionais. O modelo foi chamado Granluce. Moderna e luminosa, a nova carroceria, contudo, se mostraria mais frágil do que as tradicionais, com “teto alto” – problema que, aliás, viria a se repetir em alguns fabricantes (tetos planos traziam dificuldades estruturais que pequenas indústrias muitas vezes não estavam tecnicamente capacitadas a solucionar). O Granluce chegou com faróis retangulares e luzes de posição e direção vindas da picape Chevrolet (também houve versões com faróis redondos duplos).
No início de 1969 a Striuli se transforma em sociedade anônima, fazendo planos de construir nova fábrica em Curitiba (PR) e prometendo, para breve, um novo rodoviário e um ônibus urbano de dois andares. No entanto, antes que qualquer destes projetos pudesse ser concretizado, foi atropelada pela maior crise até então vivida pelo setor, encerrando o ano com a dispensa de metade dos empregados.
Em maio de 1970 a empresa foi vendida para o Grupo Thomeu, controlado pelo proprietário de duas operadoras de ônibus em São Paulo (futuramente prefeito de Guarulhos e deputado estadual), que desde 1966 já detinha 50% do capital da Striuli. A partir daí, sob a marca Thomeu, a produção (reduzida a menos de dez unidades mensais) passou a ser canalizada para as operadoras do Grupo. No final de 1970 foi construído o primeiro (e único) micro-ônibus Striuli. Em 1972 algumas poucas carrocerias urbanas com a marca Thomeu foram fornecidas para terceiros. Antes de terminar o ano, porém, a indústria foi definitivamente encerrada.