SIMCA |
Fundada em 1935, por longos anos a francesa Societé Industrielle de Mécanique et Carrosserie Automobile (abreviadamente SIMCA) fabricou automóveis sob licença Fiat, com ajustes estéticos para adequá-los ao gosto do país. Em 1954 adquiriu a filial francesa da Ford. Em 1970 a Simca passou a ser uma empresa do grupo Chrysler, ponto culminante de um movimento iniciado em 1958, quando vendeu 15% das ações aos norte-americanos, cinco anos depois cedendo o controle (64% do capital) e finalmente tornando-se sua subsidiária integral, com o nome Chrysler France. Em 1978 os norte-americanos venderam a Simca à Peugeot, que no ano seguinte eliminou a marca do mercado.
Também no Brasil a Simca teve vida curta e conturbada. A empresa francesa foi uma das várias do setor automobilístico visitadas por Juscelino Kubitschek no final de 1955, em duas viagens que realizou à Europa e EUA, recém-eleito e ainda não empossado Presidente da República. Era seu objetivo sensibilizar os fabricantes estrangeiros a investir no país, ajudando a viabilizar o sonho – que então parecia remoto, quase inalcançável – de criar uma indústria brasileira de automóveis e caminhões. Para todas as empresas visitadas o Presidente transmitiu o convite, descrevendo seus planos de governo e abrindo as portas do país ao capital internacional.
No caso da Simca, porém, parece ter acontecido algo mais. O encontro fora agendado pelo general presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, sogro de um dos engenheiros da empresa francesa. Nas palavras de Sidney Latini, futuro secretário-executivo do Geia e testemunha ocular dos fatos, Juscelino, “num arroubo de entusiasmo mineiro, sugeriu que instalassem sua futura subsidiária no Brasil em seu estado natal, Minas Gerais“. Os franceses se aproveitaram da isca e em janeiro de 1956, logo após a posse de JK, enviaram-lhe carta de intenções anunciando o interesse de instalar sua fábrica em Minas.
O primeiro Simca nacional e a difícil gestação da fábrica brasileira
O Geia foi constituído em junho de 1956 e, ato contínuo, diversos fabricantes estrangeiros apresentaram planos de produção local, acompanhados, segundo as normas do Grupo Executivo, de projeto descritivo, programa de investimentos, cronograma de implantação e metas de nacionalização. A Simca, porém, alegando ter recebido o “convite” do Presidente da República antes da criação do Geia – por eles oportunisticamente entendido como “compromisso” –, se recusou a subordinar ao órgão qualquer proposta formal segundo os preceitos por ele definidos. Fortalecida pela pressão política permanente exercida pela CSN e pelo governo e bancada de Minas Gerais (que já lhe havia cedido terreno na área industrial de Belo Horizonte), a Simca reagiu enquanto pode.
Finalmente, no segundo semestre de 1957 – quando o Brasil já fabricava automóveis, utilitários e caminhões de várias marcas e modelos com mais de 50% de nacionalização – a empresa resolveu apresentar oficialmente seu projeto. Ainda que considerada insuficiente, a proposta foi aprovada pelo Geia, em dezembro, com 17 restrições. Com isto, e de acordo com as regras definidas para o setor, a Simca passou a ter direito a importar, por tempo limitado e com isenção de taxas, componentes e máquinas para dar início à produção.
Embora se note alguma condescendência do órgão no episódio, aprovando condicionalmente um mau projeto por pressões políticas, deve se registrar que, a partir daí, cumpriu fielmente seu papel de gestor e fiscalizador do programa: dois anos depois, percebendo a inação da firma no cumprimento de seus compromissos, chegou a suspendes por seis meses a liberação de divisas para a importação de peças. Obrigada a suspender a produção, só então a Simca passou a encarar com seriedade sua instalação, como fabricante, no país.
A Simca brasileira só foi constituída em maio de 1958, sob a razão social Sociedade Anônima Industrial de Motores, Caminhões e Automóveis. Com participação minoritária francesa, de apenas 25%, a empresa teve estranhamente igual parcela do capital consolidada pela CSN – uma estatal federal; o restante foi obtido junto ao Banco Francês e Brasileiro e a investidores privados nacionais. Segundo comunicado da empresa, a produção seria iniciada ainda naquele ano, quando seriam fabricados 3.000 automóveis com componentes importados da França. Estes carros – “semi-nacionalizados“, segundo ela – seriam montados em São Bernardo do Campo (SP), em instalações industriais alugadas (e depois adquiridas) à Varam, antiga montadora brasileira de carros Hudson e Nash. Enquanto isto, seriam iniciadas as obras em Belo Horizonte. Previa-se a produção de 7.000 unidades em 1959 e 12 mil, já na fábrica mineira, no ano seguinte. O veículo a ser fabricado seria o Chambord, recém-lançado em Paris.
Oficialmente lançados em janeiro de 1959, somente em março saíram da planta paulista os primeiros Simca “brasileiros”, com o reduzido índice de nacionalização de 25%, em peso: 133 carros foram produzidos no mês, totalizando 1.264 ao final do ano. Somente no início de 1960, quando o modelo Chambord foi retirado de linha na França e o ferramental e a linha de fabricação de motores (ambos usados) foram integralmente transferidos para o Brasil, efetivamente avançando com agregação nacional aos produtos da marca. Ainda assim, em agosto daquele ano a administração da empresa se sentiu obrigada a emitir um comunicado oficial, no qual informava que seus carros teriam acabado de atingir 85,07% de conteúdo nacional em peso e 84,08% em valor, sem deixar de exaltar o “honroso lugar” ocupado pela marca no “quadro geral de nacionalização da indústria” e o “alto esforço de nossa equipe técnica e vultosos investimentos” para a construção da fábrica de motores.
As máquinas importadas, já amortizadas, foram convertidas em capital, transformando a Simca francesa em efetiva controladora da fábrica brasileira, com mais de 75% de participação. Todo o equipamento foi instalado em São Bernardo do Campo, decisão que produziria mais um passivo para a empresa: o não cumprimento de seu compromisso – que, a essa atura, a Simca afirmava não ter sido formal – de construir sua usina em Minas. Em setembro a fábrica de motores foi finalmente inaugurada e teve início a fundição e usinagem de blocos e a produção de eixos de comando de válvulas, virabrequins, bielas e mancais, ainda assim com muito refugo e problemas de qualidade. Só então o índice de nacionalização alcançou 85%.
O Simca Chambord, aqui lançado com toda a pompa como “carro de luxo”, já era um modelo relativamente defasado. Tinha carroceria de quatro portas com para-brisas panorâmicos e rabos-de-peixe de nítida inspiração norte-americana, vindo sua estética “anos 50” do antigo modelo Vedette, projetado pela Ford quando ainda operava na França. Ainda mais antiquado era o motor V8 com três mancais e válvulas laterais, de origem Ford, pesado e de baixo rendimento, concebido na década de 30. A tração era traseira e o câmbio (com alavanca de mudanças na coluna de direção) tinha três marchas, sendo a primeira não sincronizada.
O “espírito americano” foi estendido ao interior: revestimento bicolor, banco dianteiro inteiriço, freio de mão sob o painel, instrumentos com escala horizontal (nenhum deles era circular, nem mesmo o relógio), pedais suspensos. Havia confortos ainda pouco comuns, tais como luzes com comando na coluna de direção, iluminação no porta-luvas, porta-malas e compartimento do motor, lavador de para-brisa, retorno automático do pisca-pisca, espelho no para-sol direito, gradação da iluminação do painel, diversas luzes indicativas e acendedor de cigarros para os passageiros de trás. Pontos altos do carro, além do espaço interno, eram a suspensão dianteira McPherson, a primeira do país, e o volumoso porta-malas. Naturalmente, a direção era mecânica e os freios a tambor.
O PRIMEIRO CHAMBORD: SUA FICHA TÉCNICA: carroceria monobloco, três volumes, quatro portas, seis lugares, bagageiro de 500 litros, 4,75 m de comprimento; motor longitudinal dianteiro refrigerado a água, com oito cilindros em V, 2.351 cm3 e 84 cv; tração traseira com caixa manual de três marchas (2ª e 3ª sincronizadas); direção mecânica; suspensão independente na dianteira (Mc Pherson) e eixo rígido com feixe de molas na traseira; freios hidráulicos a tambor nas quatro rodas.
Em agosto de 1960, em coincidência com a inauguração da linha de usinagem de motores, foi lançado o segundo modelo da marca, o luxuoso Présidence, 17 cm mais longo, com 2.432 cm3, dupla carburação e 94 cv. Além de exibir calotas raiadas e pneu de reserva montado externamente (uma vez mais no mais puro espírito norte-americano), o carro trazia elementos únicos no interior: ar condicionado, estofamento de couro, “rádio transistor com dois alto-falantes“, mini-bar para o banco traseiro, apóia-braço central nos dois bancos, tapete de lã e bolsas para documentos e jornais no encosto dos bancos.
Rallye e Jangada: diversificação e maior atenção à qualidade
Em maio de 1961 o Chambord teve suas primeiras mudanças. Chamado modelo 61 – 2ª Série, recebeu novo comando de válvulas, redesenho dos coletores e ajustes no carburador, permitindo elevar a potência para 90 cv (100 cv no Présidence); a relação do diferencial foi encurtada e a suspensão dianteira reforçada. Externamente o carro se diferenciava pelos frisos laterais mais retos e pelas andorinhas estilizadas, símbolo da marca, montadas nos para-lamas, junto aos faróis. Em dezembro foi fabricado o 10.000º Simca nacional, quantidade surpreendente, em sendo um dos mais caros automóveis brasileiros da época.
Em meados daquele ano, alegando motivos econômicos e logísticos (dos seus 980 fornecedores, apenas cinco se situavam fora de São Paulo e somente um em Minas), a assembléia de acionistas unilateralmente decidiu cancelar a transferência da fábrica para Belo Horizonte. O assunto foi objeto de longos debates no Geia e BNDE (onde a transferência constou como obrigação contratual em antiga operação de aval), só sendo a decisão da empresa formalmente acatada pelas duas entidades em junho de 1964.
No meio de 1962 foi lançada a linha 62 nova série, com algumas novidades: anéis de segmento mais resistentes ao desgaste, embreagem com ventilação forçada e autolimpeza, radiador maior, bomba d’água de maior vazão, molas com novo tratamento térmico; a potência subiu para 92 cv. Para diferenciá-los dos modelos 61, os frisos foram mais uma vez alterados, recebendo uma peça decorativa de plástico, na junção das portas, estampando o desenho de três andorinhas.
Tais pequenas e freqüentes alterações mecânicas não representavam nenhuma política programada de aprimoramento, como poderia parecer: se tratava, sim, da busca emergencial de solução para problemas crônicos que surgiam em todos os sistemas vitais dos veículos, fruto da baixa qualidade dos materiais e componentes empregados e da virtual inexistência de controle de qualidade na fabricação. Problemas mecânicos foram sendo solucionados com o tempo, mas a precariedade dos acabamentos permaneceu por toda a existência da marca no país. Ferina, a voz do povo apelidou o Simca de Belo Antônio, o personagem vivido por Marcelo Mastroiani no filme de Mauro Bolognini: lindo, mas que “não era de nada“. A empresa, contudo, buscava usar as armas da propaganda para reagir a essa quebra de imagem, patrocinando raids, promovendo testes de resistência e inscrevendo carros em corridas (os grandes Ciro Cayres e Jaime Silva foram os principais pilotos da marca).
Foi com o objetivo de explorar a vocação esportiva que julgava possuírem seus carros que a Simca lançou, em agosto, o terceiro modelo, Rallye Especial, animado pelo motor de dupla carburação do Présidence, agora com 105 cv. As maiores mudanças foram na carroceria: externamente, recebeu duas antiestéticas entradas de ar no capô e chapas de alumínio decorativas (algo exageradas) nos para-lamas traseiros. Internamente, ganhou estofamento de couro, descanso para braços no banco de trás e encostos dianteiros individuais e reclináveis. Também do Présidence veio o duplo cano de escape traseiro.
Terminando o ano, no III Salão do Automóvel, a empresa lançou a caminhonete Jangada (que quase se chamou Bandeirante). Espaçosa, com assento traseiro totalmente rebatível e acesso ao amplo compartimento de carga por duas portas de abertura horizontal, ainda dispunha de um bagageiro no teto e dois bancos escamoteáveis adicionais. 20 cm mais longa do que o sedã, permitia alojar até 1,8 m³ de bagagem, com o banco rebatido. A potência subiu para 96 cv e, pela primeira vez na marca, a caixa veio com as três marchas sincronizadas. Por mais de duas décadas esta seria a única caminhonete com cinco portas do país, até que surgisse o Volkswagen Quantum, em 1985.
A partir de abril de 1963 os demais modelos receberam a caixa sincronizada adotada pelo Jangada; a série, que passou a chamar-se 3 Sincros, ganhou ainda frisos de alumínio nas canaletas, tranca de segurança (atuando na alavanca de mudanças), abertura interna do capô do motor (até então apenas com trinco externo) e um pequeno logotipo, indicando a série, nos para-lamas dianteiros. Dois meses depois a Simca lançou o espartano Alvorada, versão extremamente simplificada do Chambord, porém sem alterações mecânicas. O carro perdeu a maior parte dos frisos e emblemas e as guarnições cromadas das lanternas e faróis; as calotas foram substituídas por modelos menores e os faróis de milha por meras lanternas. No interior, ganhou forração plástica e teve vários itens suprimidos: sistema de ventilação, aro cromado da buzina, relógio, odômetro parcial, para-sol do passageiro, lavador de para-brisa e trinco interno do capô. Das 16 cores originais, somente duas foram disponibilizadas para o carro. Também foi preparada uma versão mais simples do Jangada (Standard), com calotas menores e sem bagageiro no teto e diversos outros acessórios.
Tufão e Emi-Sul: investindo na modernização do motor
Em 1964 toda a linha passou por profunda atualização estética e mecânica. As alterações de estilo, definidas pela equipe de projeto da fábrica brasileira, conseguiram dar uma imagem decididamente mais jovem e atual aos veículos. A principal mudança ocorreu no teto, que se tornou mais plano, conseqüentemente alterando o formato das janelas e para-brisas. As colunas “C” aumentaram de largura, reduzindo proporcionalmente o tamanho do para-brisa traseiro, que se tornou mais alto e menos envolvente. Os frisos laterais mudaram mais uma vez, assim como as lanternas traseiras e a grade, que ganhou dois frisos cromados horizontais e um escudo plástico central. Os protetores de borracha dos para-choques, até então lisos, foram trocados por outros estriados. Pela primeira vez no país foi adotada pintura metálica.
As antigas entradas de ar do modelo Rallye foram substituídas por dois discretos rasgos dos dois lados da tampa do motor, sem qualquer função prática; o enfeite foi estendido ao Présidence. Houve algumas mudanças internas, a principal das quais um novo sistema de ventilação com desembaçador. Eram duas as opções de motor, que agora vinha equipado com radiador de óleo: Tufão (que deu nome à linha), com 2.414 cm3 e 100 cv, para Chambord, Jangada e Alvorada; e Tufão Super, com dupla carburação, 2.505 cm3 e 112 cv, para Rallye, Rallye Especial (nova versão mais luxuosa) e Présidence. Nos dois casos se dispunha do artifício de avanço manual da ignição para compensar eventuais variações na qualidade do combustível ou na altitude.
No final do ano, no IV Salão do Automóvel, a Simca anunciou a instalação de ignição transistorizada em seus motores; pela primeira vez utilizada no país, permitia melhor desempenho, menor consumo de combustível e maior vida útil de velas e platinados. Os carros também tiveram mudadas as maçanetas e fechaduras e ganharam chave de partida integrada à trava de direção e alças de apoio para os passageiros. Para o Présidence foi oferecida, como opcional, divisória de vidro separando o motorista do compartimento traseiro.
Junto com a modernização dos produtos e o lançamento da série Tufão, a Simca acentuou suas campanhas esportivas, freqüentemente bem-sucedidas, divulgando amplamente os resultados como prova da resistência de seus automóveis. A principal delas, realizada a partir da zero hora de 1o de outubro de 1964, destinava-se (não declaradamente) a provar a qualidade do carro, popularmente tido como potente, porém frágil e de baixa qualidade. Acompanhada pelo Automóvel Clube do Brasil, a prova consistia em percorrer ininterruptamente o trecho de 224 km da estrada BR-7 (atual BR-040), entre Brasília e Paracatu (MG), com paradas apenas para abastecimento, troca de óleo e pneus, manutenção preventiva e rodízio entre os doze pilotos convocados para o evento. A maratona foi interrompida 44 dias depois, após um acidente provocado por forte temporal. Até aquele momento, sem qualquer problema mecânico, o Simca Tufão Rallye havia percorrido 120.048 km, à média de 113,118 km/h – o equivalente a três voltas em torno do planeta Terra.
À altura em intensa atividade, seu Departamento de Competição iniciou o desenvolvimento de uma série de protótipos, inicialmente sob o comando de Ciro Cayres e logo a seguir, a partir do final de 1964, do veterano Chico Landi. Em agosto de 1964 o primeiro projeto estreou nos Mil Quilômetros de Interlagos, um esbelto GT construído sobre chassi tubular, trazendo carroceria de alumínio, motor Simca “trabalhado”, com potência de cerca de 160 cv, e suspensão dianteira e freios vindos de um Maserati usado do próprio Ciro. Apelidado Tempestade (ou Ventania), das nove corridas que disputou, venceu as Seis Horas de Brasília, no final de novembro, e os 500 Km do Rio de Janeiro, no ano seguinte. Foi o primeiro protótipo brasileiro diretamente construído por um fabricante de automóveis (a Simca já havia disputado algumas provas com GTs Abarth por ela equipados com seus motores, porém os carros foram homologados como importados). O Tempestade foi mostrado no stand da marca no IV Salão. Também de 1964 foi o monoposto com motor traseiro de 150 cv e radiador dianteiro, desenvolvido a partir de um dos chassis de Fórmula Vê de Toni Bianco e Chico Landi, construídos pela Fábrica de Automóveis Brasil.
Com a chegada de Landi ao Departamento de Competição, o Tempestade foi abandonado e substituído por novo protótipo, o Simca Spyder. O objetivo, neste caso, era conceber um veículo que fosse adequado para as pistas e, ao mesmo tempo, pudesse ter uma contraparte esportiva e confortável para o uso diário, para a qual Anísio Campos foi chamado para desenhar a carroceria de plástico reforçado. O primeiro protótipo, um roadster com carroceria aberta de dois lugares, foi mostrado em fevereiro de 1966. Construído sobre plataforma própria, com freios a disco na frente e suspensão e motor rebaixados para reduzir a altura do capô e o centro de gravidade, tinha 2,20 m de entre-eixos e utilizava todos os elementos mecânicos do Simca Tufão, inclusive suspensões.
Em julho a versão “de rua”, com 165 cv e quatro marchas, foi exibida no Autódromo Internacional do Rio de Janeiro. O projeto, porém, seria abortado pela Chrysler, que antes de terminar o ano assumiria o controle e a administração da Simca brasileira e, já em suas primeiras medidas, trataria de encerrar o Departamento de Competições e suspender a industrialização do Spyder. A versão de competição não chegou a participar de nenhuma prova pela equipe da fábrica; o desenvolvimento da berlineta que Anísio Campos preparava para o Salão, à qual deu o nome Xangô, teve que ser interrompido.
Voltando aos carros de série, o modelo Alvorada foi ressuscitado em 1965, com o nome Profissional. Atendendo à demanda do governo militar, que solicitou dos fabricantes versões “populares” de seus veículos, a Simca produziu um carro ainda mais simplificado do que o anterior. Oferecido como taxi, recebeu para-choques, grade e calotas pintadas de cinza ou preto, frisos laterais mais curtos, portas com revestimento em eucatex, porta-luvas sem tampa e porta-malas sem tapetes; foram ainda eliminados radiador de óleo, avanço manual da ignição, lavador de para-brisa, garras dos para-choques, sistema de ventilação e cinzeiros.
Talvez a mais importante novidade trazida pela Simca em sua curta existência brasileira tenha acontecido em maio de 1966 – a radical modernização do seu anacrônico V8 com válvulas laterais, resultando no motor Emi-Sul, com câmaras de combustão hemisféricas (pela primeira vez no Hemisfério Sul) e válvulas na cabeça. A cilindrada não foi alterada (2.414 ou 2.515 cm3), mas a potência saltou para 130 e 140 cv, respectivamente. O motor antigo continuaria a equipar Chambord e Jangada; o novo seria aplicado no Chambord Emi-Sul, no Rallye e Présidence. Para os dois últimos foram oferecidos alternador e caixa de seis marchas, resultante da desmultiplicação elétrica do câmbio original de três; a versão foi chamada 6M.
No final do ano o modelo teria o estilo atualizado. De notável, novos frisos e redesenho dos para-lamas traseiros, que perderam o tradicional rebaixo. No sedã, o para-brisa traseiro aumentou de área, enquanto que a caminhonete Jangada, que teve direito a alterações mais significativas, teve as colunas D alargadas e a tampa traseira recuada, aumentando significativamente o volume útil no compartimento de bagagens. O pneu de reserva, antes localizado sob o piso, foi deslocado para a lateral esquerda, na posição vertical, abrindo espaço para a instalação de um terceiro assento com dois lugares, escamoteável, que podia ser recolhido para debaixo do piso quando fora de uso.
O aumento de potência, no entanto, trouxe maior solicitação para importantes componentes do motor, tais como bielas, virabrequim e eixos de comando de válvulas, que não foram dimensionados para receber tão grande aumento de esforço; no final do ano os eixos de comando, item mais crítico, tiveram que ser substituídos por outros mais resistentes.
Sob administração da Chrysler
Em outubro, pouco antes da Simca completar seu 50.000º automóvel brasileiro, a Chrysler comunicou a compra de 92% das ações da empresa. No evento, foi anunciada como “uma das preocupações imediatas” a instituição de um extensivo programa de qualidade, numa demonstração de reconhecimento das dificuldades históricas da marca com relação ao tema e da conseqüente crise de credibilidade que sempre pesou sobre seus produtos. Com a Chrysler, os carros Simca passaram por um processo de profunda revisão técnica, com melhoria de qualidade e elevação da garantia para um ano ou 20.000 km.
Para marcar os “novos tempos”, foi preparada uma surpresa inesperada para o V Salão, no final do ano: o lançamento de um novo automóvel, o Esplanada, que chegou para ocupar o lugar do Rallye e Présidence. Apesar de procurar passar a impressão de ter sido criado algo inédito, o Esplanada se tratava integralmente de um Simca, já que do modelos anterior foi aproveitada toda a mecânica (de 140 cv) e grande parte dos vidros e peças estampadas da carroceria. Assoalho, teto, portas e para-brisas eram os mesmos; os quatro para-lamas foram retrabalhados, sendo eliminados baixo-relevos e alteradas as extremidades. Novos eram capô, tampa do porta-malas, faróis, lanternas e grade, bem como o revestimento de vinil nas colunas traseiras e na superfície posterior do teto. O interior do novo automóvel quase não foi mexido: apenas toques de jacarandá no revestimento, vidros verdes e estofamento em couro; bancos reclináveis continuavam sendo opcionais. Como novidades técnicas, bomba de gasolina elétrica e embreagem de acionamento hidráulico.
Quanto ao Chambord e Jangada, ainda continuariam em linha por mais meio ano, quando o sedã foi substituído pelo Regente, versão básica do Esplanada, e a caminhonete simplesmente eliminada. Durante este intervalo, obrigados a compartilhar componentes estampados com o Esplanada, Chambord e Jangada passaram a ter para-lamas traseiros lisos, a perda do baixo-relevo sendo dissimulada por novos frisos laterais. A chegada da Chrysler e as dúvidas naturais quanto ao futuro da Simca trouxeram forte impacto negativo sobre as vendas: a produção de 1967 retrocedeu aos níveis de 1960, com apenas 3.731 unidades fabricadas, quase 30% a menos do que em 1966. Somente 116 Esplanada foram vendidos.
Apenas em setembro de 1967, quando a velha geração Simca deixou de ser produzida, os norte-americanos decidiram aplicar seu nome e marca aos carros da nova filial, alterando-lhe a razão social para Chrysler do Brasil S.A.. A partir daí o nome Simca deixou de ser veiculado e os carros passaram a ser identificados, na publicidade da empresa, simplesmente como Esplanada ou Regente “fabricado pela Chrysler do Brasil“. Depois de submeter os dois modelos a um longo programa de testes nos EUA, a Chrysler redesenhou-os, com o auxílio do Centro de Design de Detroit. Embora as mudanças externas tenham quase que se limitado a faróis, grade, frisos e lanternas, chegaram na medida certa e deram muito mais leveza de estilo aos carros. Esplanada e Regente continuavam se diferenciando pelo acabamento, mais simples no segundo; o Esplanada tinha frisos duplos nas laterais e no porta-malas, teto de vinil, garras de para-choque e guarnição cromada nas lanternas traseiras (pintada no Regente). No interior, a principal mudança ocorreu no quadro de instrumentos, que finalmente ganhou indicadores circulares. Os carros foram lançados em abril de 1968, acompanhados de inédita garantia de 36.000 km ou dois anos de uso.
Os dois modelos foram levemente alterados para 1969. Apresentados no VI Salão do Automóvel, trouxeram novo painel, sistema elétrico redimensionado, limpa-brisa de duas velocidades, novos frisos e – típica influência norte-americana da Chrysler – comando de luz alta no assoalho. A distância entre os dois modelos foi reduzida: o Regente ganhou mais requinte no acabamento interno, garras de para-choque, frisos duplos e base da lanterna cromada; o Esplanada recebeu uma faixa de alumínio fosco entre os frisos e na base da carroceria. O Salão também foi local do lançamento do GTX, que seria o derradeiro produto de ascendência Simca no país. De apelo esportivo e por algum tempo o mais veloz automóvel nacional, tinha caixa de quatro marchas sincronizadas, pneus radiais, cores vibrantes e todos os itens de aparência que pudessem passar a mensagem de carro jovem e ousado: faixas pretas nas laterais e traseira, grade e alojamento dos faróis também pretos, faróis de longo alcance, tomadas de ar (falsas) sobre o capô, volante esportivo, conta-giros e, pela primeira vez na sua história, bancos individuais reclináveis, com console central e alavanca de mudanças no piso. Apesar de suas pretensões esportivas, o GTX veio equipado com o motor de carburação simples de 2.414 cm3 e 130 cv, que se tornou padrão para toda a linha. Naquele Salão a Chrysler exibiu, pela primeira vez, a linha de caminhões Dodge que começava a produzir na antiga fábrica da International, em Santo André (SP).
As ações estruturadoras da Chrysler sobre a ex-Simca motivaram excelente resposta do mercado: entre 1967 e 68 as vendas mais do que dobraram, encerrando-se o exercício com produção 129% superior à do ano anterior, em forte contraste com o crescimento médio do setor, de apenas 24%. Em 1969 a Chrysler lançou o Dodge Dart sedã, seguido, em 1970, do cupê e do esportivo Charger. Com a linha de automóveis completa e renovada, a Chrysler pôde por fim retirar do mercado os três Simca remanescentes.
Tendo adquirido instalações industriais prontas – porém de “segunda linha” – para apressar sua instalação no Brasil, e apesar dos investimentos realizados, a Chrysler viria a padecer por quase toda a vida dos “fantasmas” da má qualidade fabril e insuficiência de controles observadas na Simca e International. A empresa norte-americana permaneceria no Brasil por apenas treze anos.