PUMA (i) |
Famosa marca brasileira de automóveis de pequena série, a Puma foi sucessora da Lumimari, criada por Milton Masteguim, Mário César de Camargo Filho, Rino Malzoni e Luís Roberto Alves da Costa com o fim específico de construir o GT Malzoni, um dos poucos carros brasileiros que conquistou a categoria de mito.
Desenvolvido a pedido da Vemag, que necessitava de um veículo competitivo para fazer frente aos recém lançados Willys Interlagos, o GT tinha carroceria de fibra de vidro de dois lugares montada sobre o chassi do sedã DKW, encurtado em 23 cm, com tração dianteira, motor de três cilindros, 981 cm3 e três carburadores. Pesando cerca de 720 kg e com quase 100 cv, as três unidades agregadas à escuderia Vemag venceram as principais corridas da temporada de 1965. O sucesso foi tão grande que motivou a criação da Lumimari. Já em 1966, por sugestão de Jorge Lettry, chefe do departamento de competições da Vemag, o nome da empresa foi mudado para Puma Veículos e Motores Ltda., permanecendo sua sede em São Paulo (SP).
A triunfal entrada do GT no mercado “não esportivo” se deu no V Salão do Automóvel, em novembro de 1966, onde foi apresentado com novo nome: Puma GT (embora, para a imprensa, ainda fosse a “versão 67 do GT Malzoni“). Com a colaboração de Anísio Campos o carro foi preparado para produção seriada, trazendo quase 50 modificações técnicas e estéticas com relação ao modelo precedente. Eram novos a grade, os para-choques, as lanternas dianteiras e traseiras, o painel de instrumentos com acabamento em madeira e console central e os bancos anatômicos de curvin e couro perfurado. A área dos para-brisas e da carenagem dos faróis foi aumentada, assim como a largura das portas, que passaram a avançar além da coluna dianteira. Tampa da mala e para-lamas traseiros foram redesenhados; a traseira foi alongada, permitindo melhor aproveitar o espaço interno e ampliar o porta-malas.
Na sua versão esportiva, o carro continuou sua carreira vencedora em 1967, ano em que também ganhou o Troféu Quatro Rodas, atribuído ao melhor projeto brasileiro de carroceria. Oito veículos concorreram ao prêmio, entre eles o Gurgel 1200 e o Uirapuru. Compunham o júri de sete membros o carrozziere Nuccio Bertone, os artistas plásticos Aldemir Martins e Maria Bononi e o arquiteto Sérgio Bernardes. 125 Pumas seriam fabricados naquele ano.
Do motor de dois tempos DKW para a mecânica Volkswagen refrigerada a ar
Em 1965, a Auto Union, fabricante alemã do DKW, foi comprada pela Volkswagen. Em novembro de 1966 foi a vez da Vemag transferir 20% do seu capital – que somado aos 20% de participação que a Auto Union já detinha, dava à VW 40% de propriedade da empresa. O inevitável aconteceu: a empresa alemã rapidamente assumiu o restante do controle do negócio e no final de 1987 retirava de linha os produtos DKW. Com a venda da Vemag, Jorge Lettry tornou-se sócio da Puma (onde permaneceria até 1973). Veio dele a solução para o iminente corte de fornecimento de órgãos mecânicos para a Puma. Solução óbvia, aliás: a utilização das onipresentes plataformas Volkswagen como base para um novo automóvel.
Desenvolvido em poucos meses na fazenda de Malzoni no interior de São Paulo, em colaboração com Anísio, o novo carro foi apresentado ao público no início de 1968; ganhou a denominação Puma GT 1500, mas seria popularmente conhecido como Puma Volkswagen (assim como o GT anterior nunca deixou de ser DKW Malzoni). Construído em fibra de vidro, sua carroceria de dois lugares de linhas puríssimas e apenas 1,14 m de altura lembrava, do eixo dianteiro para trás, uma miniatura do magnífico Lamborghini Miura, obra magistral de Nuccio Bertone. Utilizava a plataforma do Karmann-Ghia com motor de 1.493 cm3 e distância entre eixos 25 cm menor. Além da suspensão recalibrada e da instalação de dois carburadores, elevando a potência para 60 cv, nada mais foi alterado na mecânica original. Sob encomenda, a fábrica podia fornecer a versão espartana, preparada para competições, 100 kg mais leve, com motor 1600, novos eixos de comando de válvulas, novas relações de marchas, bocal do tanque de combustível externo e de maior diâmetro e bancos mais leves. No final do ano o Puma GT 1500 foi exposto na Bienal Internacional de Desenho Industrial, no MAM/RJ.
O Puma VW conquistou sucesso imediato, logo se transformando em sonho de consumo da juventude e dos “coroas avançados”. A produção cresceria continuamente, saltando de 151 unidades, em 1968, para 769 em 1973. Pensando no futuro, a nova empresa imediatamente mirou o potencial do mercado externo e, ainda em 1969, enviou um carro para um giro de demonstração na Europa e, visando exportá-lo para o milionário mercado norte-americano, iniciou a adaptação do modelo às rígidas normas de segurança dos EUA. Entre os mais de 50 itens inseridos para atender às legislações locais estavam cintos de segurança, desembaçador, limpador com duas velocidades, lâmpada indicadora de falha nos freios, luz de ré e alarme contra roubo.
Outros carros também foram projetados e construídos nas instalações da Puma, para si ou para terceiros. O primeiro deles foi o protótipo de competição AC, sonho de Anísio Campos, mostrado no stand da empresa no V Salão. Em 1969 a Puma preparou um projeto de buggy (um “jipe para cidade e praia“), construído nas oficinas MM, que não chegou a ser comercializado. No mesmo ano, por encomenda da Editora Abril, construiu quatro exemplares do cupê 2+2 GT 4R, especialmente desenvolvido por Malzoni, Anísio e Lettry para ser sorteado entre os leitores da revista 4 Rodas; o carro foi montado sobre plataforma Karmann-Ghia com motor 1600, dupla carburação e novo comando de válvulas, recebendo bem cuidado acabamento interno, com bancos de couro e cintos de segurança de três pontos. Na época a empresa também começava a pensar em um “modelo popular“.
Em 1970 mais carros foram mandados para o exterior em demonstração, sendo fechado o primeiro contrato firme com a Suíça. Alguns dos itens agregados aos automóveis exportados foram incluídos no modelo nacional, dando origem ao GTE 1600, sua primeira atualização no país. Além do motor maior e mais potente (1.584 cm3, 70 cv), o carro ganhou diferencial mais longo, novos eixos dianteiros (do VW sedã), freios a disco na frente, coluna de direção absorvedora de energia e novo sistema de circulação interna de ar. Externamente, além da nova entrada e saída de ar para a cabine (respectivamente junto aos para-brisas dianteiro e traseiro), foram instalados quatro pisca-piscas nas extremidades dos para-lamas; também mudaram as lanternas traseiras (do VW sedã, substituindo as antigas, vindas da picape Chevrolet). Naquele ano o GTE foi exposto no Salão do Automóvel de Nova Iorque.
Apesar dos dez cavalos ganhos com o novo motor, entretanto, a potência do Puma ainda era discreta para um pretenso GT. A solução foi oferecer diversas opções de “envenenamento” para os interessados em melhor desempenho. Para isto foi preparada uma série de kits que, por meio da combinação de virabrequins, pistões e cilindros de tamanhos diversos, permitia obter seis diferentes cilindradas, entre 1.699 e 2.085 cm3. Comercialmente chamado Pumakit, também incluía carburadores, bronzinas, comandos, válvulas e afins. Havia ainda dois kits para a linha VW: para transformar motores 1200 e 1500 em 1600 e para instalar carburação dupla no 1600 (chamado 1600-S).
Mais três novidades surgiram antes do final do ano, pelos menos duas delas inesperadas: o lançamento de trailers turísticos (também exportados para os EUA) e a construção de cabines avançadas moldadas em plástico reforçado com fibra de vidro para a frota de caminhões Chevrolet da distribuidora de gás Heliogás. A terceira foi o modelo GTS, seu primeiro conversível. Lançado no VI Salão, trouxe vistoso aerofólio fixo na traseira (logo abandonado), tampa do motor com entradas de ar para arrefecimento, dianteira mais lisa, sem as nervuras ainda exibidas pelo GTE, e duas opções de capota – rígida e de náilon. Outras modificações foram compartilhadas entre os dois modelos: novo formato de para-brisa, com cantos inferiores arredondados, lanternas retangulares nos para-lamas dianteiros (eram pequenas e circulares), duplo circuito de freios, luzes de emergência, console central com porta-objetos e bancos com encosto para cabeça.
Apesar de tanta atividade, a Puma não estava satisfeita, queria mais. Tinha planos ousados: tornar a empresa importante fornecedora de moldados de fibra de vidro; mudar-se a curto prazo para novas instalações em São José dos Campos (SP), mais amplas e modernas; estruturar a planta em três linhas de produção: carros esportivos, peças de fibra e kits de preparação de motores, inclusive a GLP; laminação mecânica das carrocerias; e semi-automação da linha de montagem.
Diversificando: cabines para caminhões, GT Chevrolet e carro urbano
Na área de veículos, projetava motores e novos automóveis. Os motores tomariam como base o bloco dos boxer da VW, sendo então reequipados com a coleção de componentes disponíveis nos Pumakits. Assim, divido em dois, o motor VW atenderia ao seu carro popular, em início de desenvolvimento; ao mesmo tempo, a união de dois blocos comporia um grande engenho de oito cilindros contrapostos, com 2.600 cm3 e cerca de 150 cv (podendo chegar a 4.400 cm3). Quanto aos automóveis, o primeiro deles apareceria antes do final de 1971, sob a forma de protótipo: um esportivo com mecânica Chevrolet, ainda com a denominação provisória P8. Outros eventos dignos de nota, em 1971: vitória no I Rallye da Integração Nacional, que percorreu o país de norte a sul, de Fortaleza ao Chuí; presença nos Salões de Genebra e Montreal; e fabricação do milésimo carro, em setembro.
O esportivo Chevrolet foi oficialmente lançado no final de 1972, no VIII Salão do Automóvel (no mesmo ano em que a Puma concedeu sua primeira licença de fabricação no exterior – à África do Sul). Com o nome GTO (GTB, a partir do ano seguinte) e estilo bastante diferente do protótipo de 1971, foi oferecido com motorização de 2,5 e 4,1 litros. Toda a mecânica vinha do Opala: tração traseira, caixa de quatro marchas, freios a disco na frente, suspensão independente na dianteira e eixo rígido atrás (porém com molas semi-elípticas). Da carroceria monobloco original foram preservadas apenas as estruturas de fixação dos órgãos mecânicos, unidas por meio de longarinas perimetrais de aço, conjunto posteriormente fixado à nova carroceria de fibra de vidro. O carro ficou com 1,26 m de altura e entre-eixos 24 cm menor do que no Chevrolet. O Salão também mostrou pequenas modificações nos “Pumas VW”: o GTE recebeu o capô “liso” do GTS e ambos ganharam novo painel, lanternas dianteiras de novo desenho, reposicionadas acima do para-choque, e novas maçanetas embutidas, acessadas através de um rebaixo nas laterais, na face posterior das portas.
O grande ausente do Salão, porém, foi o Mini-Puma (internamente nomeado projeto W), que a empresa pretendia lançar em 1975. Planejado para quatro passageiros, com apenas 3,59 m de comprimento, teria tração dianteira, motor de dois cilindros refrigerado a ar (650 cm3 e 30 cv), caixa de quatro velocidades, suspensão ajustável em altura (entre 15 e 25 cm) e freios a disco na frente. A intenção era inicialmente construí-lo em fibra de vidro, passando a receber carroceria estampada em chapas de aço ao alcançar cem unidades mensais; também o motor seria de produção própria, com bloco fundido pelo fabricante de rodas Scorro. Para industrializar o novo carro, no entanto, a Puma necessitava de nova fábrica, para construí-la contando com o aval do governo federal, em garantia a financiamento externo obtido em 1971. Dois anos passados, porém, o Ministério da Fazenda ainda não se pronunciara sobre o aval (coincidentemente, 1971-73 foi o período de negociações entre a Fiat e a União, visando se instalar no Brasil também para fabricar carros de pequena cilindrada e baixo preço).
A operação de aval não seria jamais concluída. Na altura, a Puma chegou a receber oferta do governo de Portugal para lá produzir o mini-carro, mas também esta ideia não frutificou. Ainda assim, apesar das frustrações, iniciou a terraplenagem do terreno da nova planta, não mais em São José dos Campos, mas numa área menor em Franco da Rocha (SP), com inauguração prevista para meados de 1975.
Graças à Crise do Petróleo o projeto do Mini-Puma foi retomado e o protótipo do carro por fim mostrado no IX Salão do Automóvel, em 1974. O carrinho causou sensação. Seu estilo de linhas compactas e modernas, seguindo a melhor escola funcionalista de design, era totalmente diverso das antecipações artísticas até então apresentadas pela empresa. Também mudou em conceito, sendo agora um monovolume urbano de dois lugares com duas portas e para-brisa traseiro basculante para acesso ao porta-malas. O protótipo tinha chassi tubular, tração dianteira e motor de 760 cm3 (bloco em liga de alumínio, válvulas no cabeçote), mas a empresa informou que tais características poderiam ser alteradas na versão definitiva. Os freios seriam a tambor, com opção de disco na frente. No seu stand a Puma também expôs uma cabine de fibra para o caminhão Mercedes-Benz 608. O restante da linha pouco mudou: dois frisos cromados na grade do GTB e eliminação da carenagem plástica dos faróis no GTE e GTS.
Apesar dos obstáculos para a industrialização do seu carro pequeno a Puma continuava a desenvolvê-lo, providenciando agora uma convencional versão “dois volumes” para quatro passageiros, mais de acordo com “o comprador potencial médio” (o projeto foi concluído em 1977, com estilo definido e órgãos mecânicos totalmente detalhados). Enquanto isto, a marca permanecia avançando no segmento de esportivos: fabricou 1.139 veículos em 1974 e 15% a mais no ano seguinte, a despeito da estagnação do setor. Em compensação, os trabalhos de preparação do terreno de Franco da Rocha foram interrompidos e não mais retomados. Em 1976, enquanto preparava a renovação de sua linha de modelos, a empresa sofreu uma série de inundações, que obrigaram à interrupção da produção por mais de um mês. Ainda assim foram fabricados 1.912 carros naquele ano, 21% a mais do que em 75.
A atualização dos modelos GTE e GTS, processada em 1976, foi ocasionada pelo abandono do antigo Karmann-Ghia pela Volkswagen, que então disponibilizou o Brasília como base para a construção do Puma. Mais larga do que a anterior, a nova plataforma permitiria a moldagem de carrocerias com maior espaço interno, oportunidade bem aproveitada pela Puma, que além de oferecer mais 10 cm na largura dos veículos, introduziu sensíveis retoques no traçado das suas carrocerias: o GTE ganhou janelas laterais em lugar da entrada de ar para o motor, ligeiro recuo do vidro traseiro com relação às colunas e mais 7 cm na altura interna; os dois modelos receberam portas maiores (as maçanetas foram mais uma vez modificadas), novo painel com porta-luvas, bancos mais espaçosos, entrada de ar mais ampla para a cabine, nova grade para arrefecimento do motor, novas lanternas traseiras e arcos dos para-lamas redesenhados para o uso de pneus mais baixos e largos. O mercado respondeu positivamente às pequenas – e felizes – mudanças introduzidas no carro, contribuindo para elevar a produção de 1977 em mais de 52%, ultrapassando em quase mil unidades o ano anterior.
Também em 1977, já tendo vendido mais de mil cabines de fibra de vidro para caminhões (600 delas para a frota dos distribuidores Coca-Cola), a Puma procedeu à sua modernização, melhorando o estilo e instalando máquinas de elevação para as janelas laterais (até então de acionamento manual, por meio de alça fixada na parte superior do vidro). A nova cabine, preparada para caminhões Chevrolet e Dodge, vinha sendo desenvolvida desde 1974. Além do visual mais “limpo”, melhorou em visibilidade, ventilação interna, conforto, acessibilidade e vedação. Junto com ela, foi projetada uma cabine-dupla (também para caminhões) com oito lugares (seis no banco traseiro), que não chegou a ser lançada. A atualização da cabine precedeu o anúncio da entrada da empresa no segmento de veículos comerciais, programando para breve o lançamento de uma linha de caminhões leves.
Antes deles, porém, seria lançado o GTB S2 (de série 2), em 1978, no XI Salão. Muito mais elegante do que o GTB, que jamais alcançou vendas significativas (706 unidades em seis anos), o S2 tinha como principal característica o capô mais baixo, possível graças ao novo radiador de fluxo cruzado. Todo o projeto foi revisto e melhorado. Esteticamente se destacavam a larga grade de cor preta com faróis duplos, os para-brisas mais inclinados, as lanternas traseiras oriundas da Brasília VW e os limpadores que se recolhiam sob a extremidade do capô. O interior era refinado, com grosso carpete no piso, tecido no teto e o restante totalmente revestido de couro, inclusive o painel. Tinha direção hidráulica, ar condicionado de série, desembaçador, antena e vidros elétricos e cintos de três pontos auto-enroláveis. Só estava disponível com motor Chevrolet de 4,1 litros e 171 cv.
Tentando o mercado e caminhões leves e micro-ônibus
O primeiro caminhão Puma foi lançado no início de 1979, o modelo 4.T, para 4 t, com cabine avançada fixa e arquitetura convencional: chassi de longarinas retas (fornecidas pela FNV), caixa de quatro marchas, eixos rígidos com feixes de molas e freios hidráulicos a tambor. Fornecido em três distâncias entre eixos (de 2,90 a 3,90 m), oferecia três opções de motores diesel: dois de quatro cilindros (Perkins de 3.860 cm3 e 77 cv e MWM de 3.922 cm3 e 83 cv) e um de três cilindros (Detroit), a este podendo ser acoplada transmissão automática Allison. A seguir saiu a versão 6.T, para 6,3 t, com os mesmos motores Perkins e MWM e iguais características técnicas, porém com cinco marchas, entre-eixos entre 3,40 e 4,40 m e opção de motor Chevrolet a álcool de 4,8 litros e 150 cv. Os dois modelos tinham a mesma cabine (naturalmente de fibra de vidro) de estilo algo canhestro, onde o pequeno para-brisa contrastava com a enorme grade copiada dos caminhões Scania.
1979 foi o melhor ano da história da empresa, com 3.609 veículos fabricados, dos quais 179 caminhões. 1980, no entanto, seria problemático: além de se debater com histórica falta de capital de giro (fruto de carências administrativas nunca seriamente enfrentadas), a Puma teve que enfrentar novas e graves inundações (em uma delas foi perdido o protótipo do Aruanda, que se encontrava em restauração e só reapareceria mais de 20 anos depois). A estas se somaram a recessão econômica do país, a política cambial desfavorável aos seus negócios externos e a interrupção, por mais de 50 dias, do fornecimento de órgãos mecânicos para seus carros devido a longas greves na Volkswagen e Chevrolet. O impacto desta cadeia de eventos na produção foi sensível: queda de 25% na quantidade de automóveis e 13,7% no total produzido, resultado negativo minorado pelo sucesso (momentâneo) na venda de caminhões – 550 unidades. Daí para adiante, porém, a situação só pioraria.
Naquela altura, Malzoni, Marinho e Lettry, a trinca de personalidades que dinamizou a companhia nos seus primeiros anos, já dela havia se afastado. Enquanto isso, se defrontando com tantas dificuldades, porém sem tanto brilhantismo técnico e descuidando da gestão financeira, a Puma desenvolvia novos projetos. Ainda em 1980 compôs consórcio técnico coordenado pela Copel – Companhia Paranaense de Energia, destinado a conceber e construir um utilitário elétrico para uso urbano, com capacidade para uma tonelada de carga, ao qual foi dado o nome Eletron; à Puma competia o fornecimento do chassi, cabine e elementos mecânicos do protótipo. Também daquele ano foi o projeto do chassi de micro-ônibus, baseado no caminhão 6.T com motor MWM, apto para carrocerias de até 28 passageiros; o veículo seria oficialmente lançado no ano seguinte, também na versão a álcool, com motor Chevrolet de seis cilindros, da qual 20 unidades com carroceria Marcopolo foram vendidas à CMTC. Em outubro, na II Brasil Transpo, foi apresentada uma variante do caminhão 6.T, com 3º eixo Iderol e motor Perkins de seis cilindros e injeção direta, com capacidade para 10 t. Construído com vistas ao mercado dos EUA, poderia ser fabricado sob encomenda para o mercado interno.
Na frente externa, foram exportados cem carros para o Japão e assinado contrato para venda de 1.200 para o Canadá. A empresa, porém, permanecia descuidando da sua capitalização – mas não deixava de sonhar. Na apresentação do protótipo do chassi de ônibus, em setembro, informou que já pensava na construção de uma versão com motor traseiro, anunciando que “ainda este ano” a produção de caminhões e ônibus seria transferida para nova fábrica, agora em Capivari (SP). Também tinha planos de lançar um caminhão 4×4 com tração Engesa e cabine de um lugar, para aumentar a área disponível para carga.
A linha de automóveis também sofreu mudanças. Os modelos de origem VW receberam para-choques envolventes de fibra de vidro na cor preta, spoiler dianteiro, lanternas sinalizadoras dos para-lamas com maior tamanho, novas maçanetas e lanternas traseiras da Brasília; o logotipo com a cabeça de puma deixou de ser cromado enquanto que na traseira, entre as lanternas, foi aposta a marca PUMA em letras negras garrafais. A empresa aproveitou a oportunidade para alterar a nomenclatura dos modelos, que passou a GTI, no cupê, e GTC no spider.
Para 1981 o GTB S2 ganhou uma versão com acabamento simplificado e preço 30% mais baixo; também foi lançado um caminhão leve, para 2 t, com rodado simples na traseira, o 2.T. Nem estas opções mais baratas, nem a renovação do restante da linha impediram a violenta queda de vendas naquele ano: 696 automóveis e 127 caminhões – 73% menos do que em 1980; do novo 2.T, somente 24 seriam fabricados. A Puma procurou revigorar as vendas com o lançamento de um novo modelo no final do ano, no XII Salão: o P-018. O carro mostrava estilo mais fluido, herdado do GTB S2, e trazia para-choques retráteis, nova suspensão independente na traseira (eixos articulados e braço arrastado, da Variant II) e tanque de combustível deslocado para a parte posterior da cabine, liberando espaço no porta-malas. O cupê foi acompanhado de um conversível com faróis retangulares, do qual somente sete unidades seriam fabricadas. Em ambos modelos permaneceu, contudo, o limitado motor 1600 refrigerado a ar.
Aquela foi uma solução de emergência, já que o que a empresa pretendia era apresentar um modelo totalmente reformulado, equipado com a nova geração de motores VW AP refrigerados a água; porém, pressionada pela queda de vendas, lançou o P-018, mais caro e sem apelo. Poucos seriam fabricados. A produção continuou minguando em 1982: 447 carros, 53 caminhões e dois ônibus. Novas cheias, nos primeiros meses do ano e um incêndio em setembro levariam à perda de mais de uma centena de veículos. A Puma necessitava, com urgência, salvação.
A pequena demanda brasileira por carros esportivos, insuficientemente complementada pelos caminhões que fabricava, fazia a Puma insistir em possuir em catálogo um modelo mais barato e obrigatoriamente de grande produção. Em 1981 fez ligeiros contatos com a francesa PSA, mas logo redirecionou seus esforços para o Japão, tradicional produtor de mini-carros urbanos, onde escolheu o Daihatsu Cuore como veículo a construir no Brasil – um carrinho de 3,2 m de comprimento e quatro lugares, tração dianteira, motor transversal refrigerado a água de dois cilindros, 547 cm3 e 31 cv, suspensão independente nas quatro rodas e freios a tambor. Em segredo importou dois ou três exemplares e levou um deles a Brasília, para apresentá-lo ao General-Presidente.
Para efeito de demonstração, em 1982 reencarroçou o segundo em fibra de vidro e converteu seu motor para álcool, mantendo o estilo e toda a mecânica do original japonês, agregando alguns poucos componentes nacionais. Também este foi levado a Brasília, ocasião em que a empresa informou estar aberta a associar-se a outras empresas, mesmo que tendo que abrir mão do controle do capital. Segundo ela, já haveriam dois grupos brasileiros interessados em participar do negócio, um deles “ligado ao setor alcooleiro“. Conforme sua estratégia de nacionalização, o Cuore seria inicialmente construído em fibra, passando à chapa de aço estampada quando a produção alcançasse 50 unidades diárias; nesse momento a Daihatsu (controlada pela Toyota) entraria no capital da Puma. De acordo com a empresa, a fabricação em série seria iniciada entre 1983 e 84: 500 carros por mês, com o nome Mini-Puma, montagem em Capivari e moldagem da carroceria em uma terceira planta, nunca antes citada, em São Vicente (SP). Não havia previsão para o início da segunda fase.
Quase sem fôlego para maiores novidades, para 1983 a Puma se restringiu a renovar o painel de instrumentos de seus automóveis; também voltou a oferecer o GTB com motor Chevrolet de quatro cilindros. De forma a ocupar parte da grande capacidade ociosa, voltou a aceitar encomendas de terceiros, construindo moldes e 11 carrocerias para o Dacon 828. A produção caiu para 241 unidades (dos quais 42 caminhões), inferior à de 1969. Em 1984, mirando a relevância que a venda de caminhões assumira sobre o total produzido, procurou adaptar o pouco vendido 2.T para novos usos, transformando-o em picape, furgão e cabine-dupla para operações em centros urbanos. O projeto se encontrava em fase de definição da motorização, em função da qual se escolheria o formato da cabine, se avançada ou não; falou-se também numa versão 4×4. Os planos não chegaram a sair do papel. Em todo o ano de 1984 foram fabricados nada mais do que 119 veículos. Em novembro o salário dos empregados deixou de ser pago (o FGTS já não era recolhido havia quatro anos); grandes dívidas se acumulavam junto aos fornecedores, inclusive GM e Volkswagen.
Falência e 13 anos de sobrevida no Paraná
A Puma chegava ao fundo do poço. Em 1985 teve a falência decretada, embora poucas semanas antes seu presidente ainda tivesse ousado afirmar possuir “um contrato para a montagem, no Brasil, de um jipe da Romênia” – o ARO, com mecânica Peugeot. Como se não bastasse, um de seus diretores pensava em adotar motores experimentais Elko nos veículos comerciais da empresa. 20.727 automóveis e 969 caminhões e ônibus foram produzidos nos 22 anos de existência da Puma, mais de mil deles destinados ao mercado externo.
No mesmo ano, pouco após a falência, moldes, equipamentos e direitos de fabricação dos automóveis e caminhões foram adquiridos pela Araucária S.A. Indústria de Veículos, que planejava voltar a fabricá-los em Curitiba (PR). A produção foi retomada em 1986, a partir da grande quantidade de carrocerias prontas herdada da planta de São Paulo. Naquele ano foram completados 22 GTB (rebatizados ASA), com motor Chevrolet de 4,1 litros e 126 cv, sem qualquer alteração estética ou mecânica, a menos das novas maçanetas das portas trazidas do Opala. Também foram vendidas, como kits, 32 carrocerias do cupê GTC para montagem sobre plataformas Brasília.
Em 1987 a empresa pretendia entregar mais 68 ASA, 182 kits GTC e mil cupês VW completos, “com acabamento de alto padrão“, além de 600 caminhões 2.T (com motor MWM de três cilindros, 2.942 cm3 e 64 cv e nova caixa), com relançamento programado para o meio do ano. Falava-se ainda na exportação de 500 carros por ano para países árabes, através de uma empresa de propriedade do pugilista Muhammad Ali. Também seria retomada a produção do 4.T, com nova cabine e especificações técnicas revistas, ainda não totalmente definidas. Para médio e longo prazos os planos eram megalômanos: criação de 5.400 empregos, lançamento de novo cupê GTC com mecânica Chevrolet Monza, projeto do Pumavan (monovolume médio com chassi próprio), construção de um carro urbano com mecânica Citroën argentina… Nada disso se concretizou. Sem conseguir administrar o negócio, em 1988 a Araucária transferiu a licença para a também curitibana Alfa Metais, empresa do ramo de autopeças.
(O saudoso Roberto Nasser conta um caso mirabolante envolvendo a Araucária, pouco antes da assunção dos negócios pela Alfa. Iniciativa do representante da Puma nos EUA, envolvendo o pugilista Cassius Clay como investidor, visava a produção de um modelo derivado do conversível 018, com carroceria ligeiramente modificada e sofisticados acabamentos para exportação para países do Oriente Médio – daí o envolvimento de Cassius, já então convertido ao islamismo e trazendo o nome muçulmano Muhammad Ali. Por meio de uma dispendiosa e desnecessária triangulação, o carro passaria pelos Estados Unidos, onde receberia motor, transmissão e freios do Porsche 911, para então partir para os países árabes. A meta era comercializar até 1.440 carros na operação, e para tal foi criada a joint venture The Ali Vehicle Industry, unindo Araucária, Cassius e o importador. Rapidamente foram produzidas duas unidades no Paraná, enviadas para a Arábia Saudita com os motores boxer de 1,7 l e 75 cv originais; o modelo recebeu o nome Al Fassi. Em poucos meses Cassius desistiu do projeto, gorando o negócio e não restando à Araucária outra solução que não a transferência da firma. Uma terceira carroceria chegou a ser moldada, mas não concluída à época.)
Criada a subsidiária Alfa Metais Veículos, o projeto dos automóveis foi revisto e a produção imediatamente retomada. O antigo GTB S2 passou a se chamar AMV: recebeu nova grade, para-choque dianteiro com spoiler, aerofólio traseiro e novas lanternas na frente e atrás; o painel foi redesenhado, as saídas do ar condicionado (de série) foram redistribuídas e os bancos trocados por modelos Recaro esportivos estofados em couro. O carro, sempre equipado com motor 4.1 da Chevrolet, ganhou barras estabilizadoras e equalizador de frenagem.
O P-018 foi relançado como AM1 e acompanhado da versão conversível AM2. Logo a seguir, aproveitando um antigo projeto da Puma, o modelo foi totalmente reformulado. Apresentado em 1989 como AM3 (um só nome para as duas configurações), finalmente abandonou o histórico motor VW boxer refrigerado a ar, em seu lugar entrando o moderno AP 1600, de quatro cilindros em linha refrigerado a água. Com a troca da motorização foi dispensada a plataforma VW, substituída por um chassi tubular integrado à carroceria monobloco de fibra de vidro, 10 cm mais longa do que a anterior. Mais tarde foi oferecido como opção o motor mais potente do Santana, o AP 1800 (1.781 cm3 e 90 cv), dando origem ao modelo AM4.
Esteticamente, o AM1 diferia do P-018 apenas pelas maçanetas das portas. Já o AM3 recebeu entradas de ar adicionais para arrefecimento do motor, posicionadas depois das portas. O AM4, além de ser equipado com aerofólio, teve as tomadas de ar ampliadas e cobertas com uma grade negra. Em 1991 a grade dianteira do AMV e as laterais do AM4 passaram a ser apresentadas na cor da carroceria. A Alfa Metais produziu automóveis até 1993, alguns poucos para exportação; 203 unidades foram fabricadas, das quais quase ¾ do modelo AMV. Houve planos de nacionalizar o utilitário leve argentino Gringo, baseado no Citroën 2CV, e produzi-lo em Curitiba; um acordo de joint venture chegou a ser firmado com os argentinos, mas sem resultados.
A empresa foi mais feliz com os caminhões e chassis de ônibus. Com a invasão de carros importados do início da década de 90, a Alfa Metais optou por priorizar sua linha de veículos comerciais; fabricados por dez anos, ultrapassaram 1.250 unidades. A produção de caminhões recomeçou em 1989, com 30 veículos/mês dos modelos 2.T e 4.T. Equipados com motores MWM de três e quatro cilindros, apresentavam a mesma ficha técnica de antes. Além de alguns poucos retoques no interior da cabine para oferecer mais espaço e maior conforto ao motorista, nada mais foi mudado. Havia opções de 3º eixo, ambulância, guincho e carro de bombeiros.
Os chassis de ônibus foram relançados dois anos depois, na VII Brasil Transpo, final de 1991. Equipados com motor MWM de 3,9 l e 91 cv, caixa de cinco marchas e direção hidráulica, eram apresentados com 4,10 m de entre-eixos, permitindo transportar até 34 passageiros. Para encarroçá-los, a Alfa Metais assinou contrato de exclusividade com a paulista Caio. Também na Transpo 91 foi mostrado o caminhão 914, para 4 t, atualização do antigo 4.T. A cabine foi reestilizada: grade menor em altura, faróis retangulares, para-choque com spoiler e degraus de acesso após o eixo dianteiro foram as principais mudanças visíveis. O interior da cabine foi revisado ergonomicamente, recebendo várias alterações: assento de três lugares conversível em leito, painel redesenhado, nova posição da coluna de direção, piso de borracha, reforço no isolamento acústico e rádio como item de série. Também a parte mecânica trouxe algumas novidades: novo eixo dianteiro proporcionando o menor raio de giro da categoria, freios servo-assistidos com duplo circuito e discos na frente, novos freios de estacionamento, opção de direção hidráulica. O trem de força permaneceu o diesel MWM de 91 cv com caixa de cinco marchas.
Novo caminhão foi lançado em 1994, desta vez um produto totalmente novo, o 9000 Turbo Power, para 5,6 t – o de maior capacidade na categoria dos leves e primeiro da marca com cabine basculante. Tinha o mesmo MWM de 3,9 l dos outros modelos, porém agora turboalimentado, com 119 cv de potência. De resto, era um projeto convencional, mas bem cuidado: chassi escada, cinco marchas, suspensão por feixes de molas, eixos rígidos, freios hidráulicos a tambor com assistência pneumática e duplo circuito, freios de estacionamento com molas acumuladoras e direção hidráulica. Sua cabine de fibra era a de melhor design e resolução interna entre todas até então fabricadas pela marca.
O último lançamento da Alfa Metais ocorreu em 1996, o 7900 CB, com cabine basculante, substituindo o 914. O pequeno caminhão recebeu o novo motor MWM Série 10 aspirado (3,2 l e 95 cv), freios de ação progressiva e a cabine do irmão maior 9000, com algumas mudanças estéticas: grade retocada, logotipo reposicionado e de maior tamanho, novos conjuntos óticos e faróis auxiliares quádruplos. Em 1999 a Alfa Metais desativou a linha de fabricação de caminhões.
Em 2007, na sua versão original GT 1500 sobre plataforma Volkswagen, o Puma voltou a ser fabricado na África do Sul, país onde por duas vezes – 1972 e 1989 – o modelo já fora produzido em pequena série.