ESTES PODERIAM TER SIDO NOSSOS
GEIA: projetos aprovados e não implantados
novembro 2015
A implantação da indústria automobilística brasileira se deu entre 1956 e 1960, em período recorde de quatro anos. Tal feito, hoje quase impensável, foi resultado do extenso programa de modernização proposto pelo Presidente Juscelino Kubitschek no início de sua gestão, sob o lema “50 Anos em 5“. Os objetivos governamentais foram expressos num Plano de Metas, documento que indicava o patamar que o país deveria alcançar em diversos setores da economia ao final do mandato presidencial.
Exclusivamente dedicada à indústria automobilística, a Meta 27 determinava a “Implantação da indústria para produzir 170.000 veículos nacionalizados em 1960“. Ainda mais ousadas eram as propostas de conteúdo nacional para o fim do período: 90% para picapes e caminhões e 95% para jipes e automóveis.
O papel do GEIA
O órgão criado para o planejamento, condução e acompanhamento das ações emanadas do Plano foi o GEIA – Grupo Executivo da Indústria Automobilística, constituído em 16 de maio de 1956 pela Presidência da República (Dec. no 39.412). A coordenação e rígido controle dos trabalhos permitiu que, no prazo determinado, um país agrário e com reduzida experiência industrial atingisse a produção de centenas de milhares de veículos com nacionalização quase integral.
Foram exatamente 321.150 automóveis, chassis de ônibus, automóveis e utilitários produzidos por 11 diferentes fabricantes, em menos de quatro anos, em grande parte ultrapassando as metas de conteúdo nacional previamente definidas. Todos tiveram seus planos analisados e aprovados pelo Geia.
Conhecemos estes pioneiros: Willys, Vemag (com as marcas DKW e Scania-Vabis), Volkswagen, Mercedes-Benz, GM, Ford, International, Simca, Karmann-Ghia, Toyota, FNM e Romi-Isetta – os dois últimos antecedendo a criação do Geia.
Numa segunda etapa, quando a indústria de automóveis e caminhões já caminhava, o Geia se voltou para a criação da indústria nacional de tratores, traçando metas para 1962. Dos 20 projetos apresentados ao órgão, dez foram aprovados – nove de tratores de rodas e um de esteiras. Destes, oito foram implantados: Ford, Valmet, Massey Ferguson (pela Vemag), Deutz, Fendt, Case (substituído pela CBT), Kubota-Tekko e Fiat.
Todas estas marcas de automóveis, veículos comerciais, máquinas agrícolas e de construção estarão presentes, hoje ou em futuro breve, em LEXICAR.
Projetos aprovados e não implantados
E os projetos aprovados e não concretizados, o que nos teriam trazido?
Oito empresas tiveram suas propostas aprovadas pelo Geia e posteriormente desistiram de implantá-las ou tiveram a autorização revogada por vencimento de prazo ou não cumprimento de obrigações: as alemãs Borgward, NSU, Krupp e Hanomag, a britânica Rover e a brasileira Central Motor. A também alemã Mercedes-Benz, que desde o início da década de 50 montava seus caminhões no Brasil, teve quatro projetos autorizados – dois caminhões, um ônibus e um automóvel, abandonando o último. A Willys, por fim, que já lançara seu Jeep nacional e teve diversas propostas aprovadas pelo Geia, desistiu de duas delas.
A Borgward propunha a construção de uma fábrica no Rio de Janeiro para a produção de dois modelos: o elegante sedã Isabella TS e o minicarro Lloyd Alexander. Muito bem acabado, com duas portas e grande aceitação no mercado brasileiro, o Isabella importado vinha equipado com motor de quatro cilindros, 1.493 cm3 e 45 cv e câmbio de quatro marchas; a tração era nas rodas traseiras. Já o Lloyd – que com 3,35 m de comprimento poderia ter sido o primeiro carro urbano brasileiro – tinha vocação oposta. Tipicamente utilitário, anunciado na Alemanha como o primeiro automóvel da família, tinha tração dianteira, suspensão independente, motor traseiro de quatro tempos com dois cilindros, 596 cm3 e 19 cv e câmbio sincronizado de quatro marchas – características nem sempre encontradas em carros da categoria. Pouco após ter seu pedido aprovado, contudo, a empresa alemã se deparou com profunda crise, que a levou à falência já no início da década seguinte.
Borgward Isabella TS e Lloyd Alexander em folhetos de publicidade da época.
O projeto da NSU – empresa mais sólida, que mais tarde industrializaria o primeiro carro com motor Wankel e uma década depois seria absorvida pela Volkswagen – também envolvia um minicarro, ainda menor que o Lloyd: o pequeno Prinz, com 3,15 m de comprimento. Com duas portas e quatro lugares, tinha motor traseiro (dois cilindros, quatro tempos, 583 cm3 e 23 cv) e caixa de quatro marchas sincronizadas. Já em 1959, porém, a NSU desistiria do Brasil, optando por se instalar na Argentina, onde permaneceria por longos anos.
NSU Prinz.
Ligada a um grande conglomerado industrial alemão, a Krupp chegou a Brasil com planos ambiciosos. Em 1956 fundou em Campo Limpo (SP) a Indústria Nacional de Locomotivas, planejando a curto prazo ali fabricar caminhões pesados, ônibus, tratores Lanz e máquinas de construção, além de locomotivas. Meses depois, no entanto, ao ser criado o Geia, a empresa submeteu ao órgão apenas um projeto: a produção de 1.200 unidades anuais do caminhão médio-pesado Krupp Mustang, de 9 t e 145 cv. Em 1958 a Krupp alterou radicalmente o rumo de seus negócios no Brasil, optando por investir na produção de forjados e componentes de motor, dos quais passaria a ser um dos mais importantes fornecedores nacionais.
Krupp Mustang.
A quarta firma alemã de nossa lista é a Hanomag, também ela associada a um grande conglomerado – o grupo siderúrgico Rheinstahl – e dez anos depois adquirida pela Daimler-Benz. Apesar da intenção inicial de nacionalizar sua linha de caminhões leves, a empresa submeteu ao Geia apenas o projeto de fabricação de dois modelos de trator agrícola, um médio de 2,1 t e um pesado de 3,7 t, ambos equipados com motores diesel Mercedes-Benz (respectivamente de 44 e 65 cv). Previa-se a fabricação de 2.000 unidades, até 1962, em planta a ser construída no estado de São Paulo. Antes disto, no entanto, a empresa abandonaria o projeto e desistiria de atuar no país.
A trajetória da Rover foi um pouco diferente. Os planos submetidos ao Geia previam a produção de 4.800 unidades/ano de seu já famoso jipe Land Rover em fábrica a ser também instalada em São Paulo. Após aprovado, o projeto foi então transferido para Recife e logo depois adiado, sendo posteriormente cancelado por decurso de prazo. Ao contrário de todas as demais propostas aqui descritas, no entanto, quase 40 anos depois os jipes Land Rover acabariam por aportar no país – ainda que com baixíssima nacionalização, devemos ressaltar.
Hanomag Garant e Land Rover 1959.
Com relação à empresa brasileira Central Motor S.A., era seu objetivo nacionalizar o automóvel polonês Warszawa, que seria produzido à razão de 2.400 unidades/ano. Já na sua época o Warszawa era um veículo ultrapassado – a versão polonesa do GAZ M-20 Pobieda, automóvel projetado na União Soviética em 1947, com base em modelos norte-americanos anteriores à II Guerra. Dois-volumes de quatro portas, tinha motor dianteiro de quatro cilindros em linha com válvulas laterais (2.120 cm3 e 75 cv), tração traseira, câmbio de três marchas (1ª não sincronizada) e suspensão por molas helicoidais na dianteira e feixe de molas na traseira. Sem recursos suficientes para implantar a linha de fabricação e atender os limites mínimos de nacionalização o projeto foi abandonado.
Warszawa M-20.
A Mercedes-Benz teve quatro projetos aprovados em 1958: um caminhão médio, um pesado, um ônibus monobloco (o primeiro do país) e um automóvel. Empresa pioneira, responsável pela fundição dos primeiros blocos de motor da América Latina, virtualmente introdutora da motorização diesel no país, ainda em 1958 a Mercedes lançou os três primeiros modelos, com eles iniciando a célere campanha de crescimento que rapidamente a alçaria à inconteste liderança nacional nos segmentos de carga e transporte coletivo de passageiros. A necessidade de priorizar sua atuação, focando-a nos produtos de maior demanda, provavelmente levou a empresa a abandonar o projeto de seu primeiro automóvel nacional.
O modelo autorizado pelo Geia foi o sedã 180, carro de moderna concepção, com carroceria monobloco de quatro portas e suspensão independente nas quatro rodas. Duas versões estavam previstas: com motor a gasolina de seis cilindros, 1.897 cm3 e 84 cv, e o diesel 180 D, com 1.767 cm3 e 55 cv (teria sido o primeiro automóvel diesel nacional). O programa aprovado previa a produção de seis mil unidades em 1959.
Mercedes-Benz 180 D e 180.
A Willys teve dois pedidos aprovados em 1958 e não realizados, destinados à produção local do automóvel Plymouth norte-americano e de um modelo de trator agrícola Renault. O Plymouth escolhido foi o modelo Savoy edição 1956, defasado dois anos, portanto. Nos EUA o modelo era apresentado em quatro versões: sedã de duas e quatro portas, cupê (hardtop de duas portas) e station Suburban. Eram diversas as opções de motor, com seis cilindros em linha (3.772 cm3 e 125 cv) e V8 (entre 4.405 e 4.965 cm3 e de 180 a 240 cv); o câmbio era manual de três marchas. O desinteresse da Chrysler levou ao cancelamento do projeto, imediatamente substituído pela nacionalização do Aero Ace – o futuro Aero-Willys. Desconhecemos a versão Plymouth selecionada pela Willys para fabricação no país: a julgar pelo automóvel que o substituiu podemos supor ter sido o sedã de quatro com motor de seis cilindros.
Plymouth Savoy Sedan de duas e quatro portas.
Com relação ao trator francês Renault, foi aprovado pelo Geia um modelo de 1,6 t, equipado com motor MWM de 32 cv. Apesar da previsão de produção de 3.000 unidades até 1962, o equipamento jamais entrou em linha de fabricação.
Renault D 35.
CRÉDITOS: NSU (dir.), <favcars>; Krupp, <fotocommunity.de>; Hanomag, <baumaschinenbilder.de>; Land Rover, <carandclassic.co.uk>; Warszawa (dir.), <moto-prl.crazylife.pl>; Mercedes-Benz (dir.), <myautoworld>; Plymouth (esq.), <forbbodiesonly>; Plymouth (dir.), <forum.studebakerdriversclub>; Renault, <forum-auto>.