CARROS NACIONAIS EM 1915?
Descobrindo novos pioneiros de nossa indústria
setembro 2019
Os primeiros automóveis chegaram ao Brasil já entrado o século XX. De seis carros em 1903 e doze dois anos depois, o Rio de Janeiro, então Capital Federal e maior cidade do país, possuiria 615 em 1910. A frota foi crescendo lenta mas constantemente, ultrapassando 2.700 em 1914, aí incluídas três dezenas de ônibus e pouco mais de 260 veículos de carga. Automóveis eram então, no Brasil, elementos estritamente urbanos, já que estradas de rodagem eram inexistentes no país.
Foi no ano seguinte que surgiu Auto-Propulsão – Revista Mensal de Motorismo, publicada regularmente até 1921. Muito moderna e bem documentada para a época, estruturava-se em quatro seções – Automobilismo, Motociclismo, Aviação e Motorismo Náutico -, cada uma delas trazendo textos técnicos, informações sobre novidades e relatos sobre competições excursões e raids.
Além de reportar o lançamento de novos modelos europeus e norte-americanos, acompanhava o avanço do automóvel e do automobilismo em matérias que hoje soariam bizarras, como “As buzinas dos automóveis e a lógica do seu emprego“, “Um novo engine-starter (aparelho de arranque para automóveis)“, “Como dois auto caminhões fizeram o serviço de 72 cavalos“, “A importância dos sinais no tráfego das ruas“, “Excursão à praia do Leblon“…
Desde seus primeiros números, Auto-Propulsão investiu em campanhas pela construção de estradas, acompanhando movimentos que nesse sentido surgiam em todos os Estados do país. A única estrada brasileira de então, a União-Indústria, entre Petrópolis e Juiz de Fora, não era trafegável durante o ano todo, e a campanha por sua pavimentação foi a primeira bandeira da revista; seus últimos números traziam, no rodapé, a legenda “Construa-se a estrada Rio-Petrópolis“.
Foi nas páginas de Auto-Propulsão (cuja coleção está disponível na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional), que LEXICAR encontrou algumas preciosidades, que incluímos este mês em nosso portal: sete garages e oficinas cariocas que, em paralelo às suas atividades usuais, projetavam e construíam carrocerias para automóveis.
No início do século XX o termo “garage” (em francês, ainda não aportuguesado) não se referia a postos de combustível, mas a locais protegidos onde se guardavam automóveis, geralmente frotas de táxis (ou “carros de aluguel”, como continuaram a ser chamados até os anos 50). Com frequência o estabelecimento também vendia componentes de grande consumo (pneus e baterias, por exemplo), eventualmente fornecendo combustível – muitas vezes em latas, mais raramente por meio de bombas de abastecimento.
Dada a reduzidíssima quantidade de automóveis particulares existente no país até o final da década de 20, também se tornou costume a utilização de carros de aluguel para cerimônias – muitas vezes veículos especial e luxuosamente preparados -, que também utilizavam as garages como estacionamento.
A partir de 1914, com o início da I Guerra Mundial e as enormes restrições dos países em conflito à exportação de veículos e peças de reposição, muitos desses estabelecimentos passaram a fabricar carrocerias, de projeto próprio e construídas com materiais nacionais, para suprir chassis novos ou usados.
Concentradas na área central e na zona sul do Rio de Janeiro, mantiveram-se ativas como fabricantes durante os quatro anos de guerra. A partir de 1919, contudo, com a regularização das importações, a demanda por carrocerias avulsas minguou e a atividade das garages, como fabricantes, foi drasticamente reduzida, até praticamente desaparecer na década seguinte. (Outra consequência do conflito foi a mudança do perfil da frota brasileira: se, em 1913, quase metade das importações de veículos tinha origem da França e Alemanha, em 1917 94% deles chegaram dos EUA, virtual monopólio que se manteria por mais de três décadas.)
Foram as seguintes as oito oficinas e garages identificadas na pesquisa da coleção de Auto-Propulsão: Bianco & Costa, Fábrica Internacional, Garage Baptista, Garage Fiat, Garage Moreira, Garage Lancia, Oficina Aragão e Rodrigues & Silva. Todas elas ganharam página própria em LEXICAR, que você pode consultar clicando no nome de cada uma.
A elas deve se agregar a Garage Avenida, há tempos presente em nosso portal e também foco de Auto-Propulsão em duas edições de 1915. Mas não esqueçamos que, ao fabricarem em 1907 suas primeiras carrocerias para automóveis em São Paulo, é aos irmãos italianos Grassi que cabe o posto de patronos dos pioneiros da indústria automobilística brasileira.
[LEXICAR agradece a Jason Vogel – editor do caderno Carro etc, do jornal O Globo, e apoiador de primeira hora de LEXICAR – pela indicação desta preciosa fonte de informações sobre os primórdios da indústria automobilística brasileira.]