FORD E GM

O ano de 2018 começou para o setor automotivo brasileiro com duas notícias de impacto: a ameaça de “corte de empregos e até fechamento de fábricas“, pela General Motors, e o encerramento da planta histórica de São Bernardo do Campo, pela Ford, conjuntamente com o abandono definitivo da produção de caminhões no Brasil.

Significativamente, as duas notícias partiram de conglomerados norte-americanos, ambos, em anos recentes vítimas de crises contínuas, resultantes de longo histórico de erros de avaliação (mormente do mercado internacional), de equívocos administrativos e de políticas erráticas de produto.

Dois dos maiores grupos empresarias do planeta e, até há poucos anos (assim como os Estados Unidos), maiores fabricantes mundiais de veículos, Ford e GM passivamente se viram ultrapassados, engolfados pela moderna, variada e ambientalmente mais adequada produção europeia e, logo a seguir, atropelados pela avalanche oriental.

A consequência: perda de mercado interno, fechamento de inúmeras plantas na América do Norte e no restante do mundo e abandono de diversas marcas históricas – uma pela Ford (Mercury, em 2011) e cinco pela GM (Oldsmobile, em 2004; Pontiac, em 2010; e as europeias Opel e Vauxhall e a australiana Holden, em 2017).

Tal decadência culminou, em 2009, com a concordata da GM, salva – para horror do pensamento econômico liberal – pelo governo dos EUA, através da injeção de enorme volume de capital estatal. A GM reduziu o número de versões e racionalizou a produção (embora Chevrolet, Buick e Cadillac ainda teimem em fabricar modelos que não interessam a nenhum outro país do mundo). A Ford, por sua vez, acaba de limitar sua atuação às picapes pesadas, utilitários esportivos e carros de maior preço, abandonando todos os seus (inspirados e elegantes) automóveis pequenos e médios de concepção europeia.

O que dizer do Brasil?

Ford e General Motors tiveram trajetórias históricas paralelas, porém políticas e práticas gerenciais bastante distintas no país: certamente refletindo a estrutura empresarial da cada uma – empresa familiar, no primeiro caso, e sociedade anônima com milhões de acionistas, no segundo -, negociações na Ford frequentemente enfrentavam intransigência (e não raro truculência) da matriz. Na GM, a relação com Detroit tendia a ser via de mão dupla e, embora duras as discussões, mais facilmente se chegava ao acordo e à conciliação. Assim, a realidade brasileira podia chegar de forma diferente – ou simplesmente não chegar – à matriz.

Um fator, no entanto, sempre as uniu: o “lucro a qualquer custo“, demanda explícita e cada vez mais forte de suas diretorias mundiais, em Detroit e Dearborn, em nome desta entidade sem cara – “os acionistas” -, impondo exigências e pesados esforços, à revelia dos interesses locais – do país, da sociedade, dos empregados da empresa.

Abaixo, como pano de fundo e tentativa de compreensão dos fatos atuais envolvendo as filiais brasileiras das Ford e GM, relacionamos alguns eventos relevantes que marcaram o caminho percorrido por cada uma delas ao longo dos anos, para, logo a seguir, relatar o dia-a-dia dos eventos recentes. (Para conhecer em detalhe a história de ambas, consulte as páginas da Ford e Chevrolet em LEXICAR.)

 

FORD, TRAJETÓRIA

A Ford iniciou a montagem de veículos no Brasil em 1921. Em 1953 – poucos anos antes da constituição do GEIA, marco oficial da criação da indústria automobilística brasileira, respondia por 26,25% do mercado brasileiro de veículos, a GM suprindo outro tanto (26,9%). Mais da metade dos automóveis, caminhões e ônibus existentes no Brasil, portanto, eram oriundos das duas megacorporações.

FORD, HOJE

Tendo o Ka como o terceiro carro mais vendido do país, a Ford encerrou o ano de 2018 em quarto lugar em vendas de automóveis, com 9,2% de participação, posição praticamente idêntica à do ano anterior. No segmento de caminhões, dado o crescimento muito abaixo da média do setor (19,3 vs 47,6%), perdeu o terceiro lugar para a Volvo. Ainda assim, são posições invejáveis em duas categorias de mercado tão disputadas.

Mas a história se repete, como veremos a seguir.

 

GM, TRAJETÓRIA

A montagem de automóveis e veículos comerciais pela General Motors do Brasil foi iniciada em 1925.

GM, HOJE

A política coerente de produto da GM brasileira ao longo dos anos, focada em automóveis pequenos e médios de projeto europeu, muito mais adequados à realidade do país, protegeram a empresa em momentos de crise. Deixada em segundo plano, a linha de produção de caminhões foi abandonada nos anos 90. A nova fábrica gaúcha, o Celta e os lançamentos seguintes consolidaram a posição da marca e por fim levaram-na à liderança, ultrapassando a Volkswagen em 2011 e a Fiat em 2016. Desde então se mantém em primeiro lugar no setor – em total produzido e modelo mais vendido. A produção anual do Onix, seu carro de maior sucesso, é maior do que o total fabricado pela Hyundai, Toyota ou Honda. O sedã Prisma vende mais do que, juntas, Peugeot, Citroën e Mitsubishi.

Ainda assim, “os acionistas” querem mais. Eis o relato dos últimos dias:

Como que por ironia, no dia seguinte ao aparente fim desta novela, nova notícia chega de Detroit: tamanho é o sucesso do Onix na América Latina que (apesar da multinacional necessitar de tantos incentivos para produzi-lo), a administração central da empresa decidiu universalizar o nome do modelo.

 

EM CONCLUSÃO

A visão “estratégica” do Board of Directors da Ford e General Motors parece longe de entender a realidade brasileira.

Toda a indústria automobilística vem investindo pesadamente no país nos últimos anos: não apenas as pioneiras Volkswagen, Mercedes-Benz e Scania, em suas fábricas “sessentonas”, e as da segunda geração Fiat e Volvo, recém-chegadas aos “quarenta”; também as newcomers (assim como as veteranas com fábricas novas) têm continuamente aplicado recursos em modernização e aumento de capacidade. Assim, não há como correr em defesa de Ford e GM alegando serem donas de plantas excessivamente antigas e tecnologicamente defasadas: o que se dirá daquelas da Volkswagen e Mercedes-Benz, esta já operando sob o conceito Indústria 4.0?

Mais tosco ainda é argumentar, em apoio à Ford pela decisão de fechamento de sua planta, que a empresa possui fábricas “em locais ‘inconvenientes’, controladas por sindicatos que extrapolam em exigências“: onde estão sediadas Scania e as mesmas Mercedes-Benz e Volkswagen, que se encontram em pleno ciclo de investimentos, totalizando, até 2022, R$ 9,3 bilhões?

Mas a fome dos acionistas é insaciável…

 

 

 

 

 





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