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GRASSI | galeria

Luigi Grassi era pintor de carruagens na sua Itália natal quando foi convidado, em 1889, a embarcar para o Brasil com seu irmão Fortunato, contratado para trabalhar como pintor dos palacetes que a burguesia do café então construía na capital de São Paulo. Em 1904 os irmãos decidem abrir seu próprio negócio e fundam, no centro da cidade, a firma Luiz Grassi & Irmão, com o objetivo de reparar e construir carruagens de tração animal. Dispondo de uma área de apenas 200 m² e de ferramentas simples como forja, bigorna e máquinas de furar, em 1907 Luigi e Fortunato montam em sua oficina o primeiro automóvel Fiat chegado ao país, inadvertidamente tornando-se os pioneiros da indústria automobilística brasileira.

Em 1909 a Grassi constrói furgões de entrega e passa a representar no Brasil os automóveis italianos Itala, deixando em breve de importá-los completos para fabricar no país as suas carrocerias, utilizando madeiras locais para a estrutura e oleado, couro e até vime para os revestimentos. Também fornece carrocerias para outras marcas de automóveis, preferentemente originários da Itália, mas também, com freqüência cada vez maior, para carros Ford T, que a partir de 1919 passam a ser montados no país e logo se tornam figuras onipresentes na paisagem brasileira. Demonstrando seu dinamismo, a firma esteve presente na primeira exposição de automóveis realizada no Brasil, em 1923, no Palácio das Indústrias, em São Paulo, mostrando um luxuoso Lancia com carroceria de sua construção.

Foi em 1911 que a Grassi construiu seu primeiro ônibus, montado sobre chassi francês De Dion-Bouton por encomenda da Hospedaria dos Imigrantes. Esta atividade, que no futuro seria a razão da existência da companhia, só viria a ser enfatizada a partir de 1923, com a fabricação das primeiras jardineiras – as mamãe-me-leva, como ficaram conhecidas as carrocerias abertas de madeira com três bancos transversais, semelhantes às dos bondes da época, que a empresa passou a fornecer em grande quantidade para o nascente transporte público das principais cidades brasileiras.

Abandonada a fabricação de veículos de tração animal em 1920 e no ano seguinte mudando-se para instalações mais amplas, ainda no centro da cidade, com o tempo a Grassi passa a fabricar modelos maiores, com quatro ou cinco fileiras de bancos. Antes de terminar a década lança seus primeiros ônibus urbanos fechados, substituindo as jardineiras fabricadas até então, e constrói os primeiros ônibus rodoviários brasileiros para a ainda incipiente rede viária do país, sempre com carrocerias de madeira e teto coberto de linóleo. Em 1929 se torna fornecedora regular da linha de montagem da Chevrolet (inaugurada em 1925), produzindo em série cabines e carrocerias de caminhão, ao ritmo médio de 80 conjuntos por dia. Esta parece ter sido a primeira experiência de integração horizontal da indústria automotiva brasileira.

A década de 30 foi determinante para o crescimento da empresa. Assumindo como atividade principal o fornecimento de carrocerias de ônibus, a Grassi manteve-se atenta à evolução da indústria automobilística mundial, respondendo com competência e criatividade às demandas apresentadas pelo crescente mercado dos transportes coletivos de passageiros. Em 1932 foi dela a primeira exportação brasileira de ônibus. Se até aí a maior parte de seu trabalho era efetuado sobre caminhões Ford e Chevrolet, nos anos 30 passou a ser cada vez mais comum o encarroçamento de chassis pesados europeus, especialmente projetados para o transporte de passageiros.

Assim, entre 1933 e 1950 a Grassi equipou toda ordem de equipamentos importados, para uso urbano e rodoviário, sendo, na prática, o único fabricante nacional tecnicamente capacitado a fazê-lo. Foram muitas – e famosas – suas criações no período. A empresa, como era comum na época, não nomeava seus modelos; contudo os mesmos quase sempre recebiam apelidos populares espirituosos, explorando as características mais marcantes do veículo. Algumas realizações relevantes de então: a carroceria rodoviária de dois níveis, de 1934, construída sobre o gigantesco chassi inglês Thornycroft (logo chamada King-Kong, por suas grandes dimensões), utilizada nas ligações São Paulo-Santos e Rio-Petrópolis; seu primeiro modelo com cabine avançada, o urbano sobre chassi Volvo, do mesmo ano, apelidado Sinfonia Inacabada (referência à alongada dianteira da carroceria); e os populares Camões, de 1947, sobre chassis ingleses AEC (aqui vendidos sob a marca ACLO), com meia cabine sobre o motor, seguindo o estilo britânico, – os mais conhecidos ônibus urbanos do Rio de Janeiro, então capital federal, até o advento da indústria automobilística nacional dez anos mais tarde.

Os anos 50 se iniciam com a Grassi firmemente estabelecida como mais importante fabricante brasileiro de carrocerias. Depois de mais uma vez transferir e ampliar suas instalações industriais, mudando-se para fora do centro, em área espaçosa e bem equipada, abandona definitivamente o uso da madeira, substituindo-a por estruturas inteiramente metálicas, e dá início à aplicação de chapas de alumínio no revestimento externo.

Estilo e soluções construtivas eram continuamente aprimorados em busca da funcionalidade e sem concessões aos modismos. Assim, se as janelas de guilhotina foram definitivamente abandonadas, substituídas por vidros de correr, os para-brisas panorâmicos, as colunas inclinadas e o estilo “futurista” do meio da década não permaneceriam por muito tempo em linha, em nome da facilidade de construção e da redução dos custos de manutenção.

Apresentava produção diversificada e de qualidade, inclusive atendendo a encomendas especiais, tais como papa-filas e até carros fúnebres, fornecidos para a Prefeitura de São Paulo. Em 1955 chegou a lançar uma inesperada carroceria para os recém-nacionalizados jipes Willys, transformando-os em pequenas caminhonetes. Com chassi alongado em 75 cm, estrutura de madeira cabreúva e revestimento de chapas de aço, tinha seis lugares, pneu de reserva sob o piso e assento traseiro rebatível, conformando amplo compartimento para carga.

Em 1958 a Grassi apresentava uma gama de produtos de reconhecida solidez e qualidade, com linhas compactas, funcionalmente modernas e equilibradas. Ainda reencarroçava chassis usados importados (dentre eles, os famosos GM Coach), porém já trabalhava majoritariamente com veículos nacionais, como os Mercedes-Benz L-312 e LP-321, populares como lotações, e os chassis de caminhão Ford e Chevrolet a gasolina, para os quais preparou o rústico Sertanejo, com capô e semi-cabine, “para o transporte urbano e intermunicipal”.

Também em 1958 a Grassi concluiu o protótipo do primeiro trólebus de fabricação nacional, projeto desenvolvido desde 1956 em conjunto com a Villares e apresentado no dia 6 de maio ao Presidente da República, no Rio de Janeiro. Fabricado sob licença da norte-americana Marmon-Herrington, contava com 85% de componentes nacionais (apenas eixos, sistema de direção e freios pneumáticos eram importados dos EUA). A carroceria integral foi construída pela Grassi, enquanto que comandos e motor de tração foram produzidos pela Villares e sua subsidiária Atlas. Com 14,0 m de comprimento, três portas (duas delas largas) e capacidade total de 114 passageiros, várias unidades fora fornecidas para os municípios de Araraquara e São Paulo, onde ainda se encontravam em operação quase trinta anos depois.

Em 1962 o estilo das carrocerias foi totalmente alterado: receberam linhas mais suaves, para-brisas dianteiros levemente curvos (os traseiros permaneciam planos), janelas laterais duplas (introduzidas pouco antes já no modelo antigo), quatro faróis e linha da cintura revestida de painéis polidos e frisados. Dois anos depois, em comemoração ao seu 60º aniversário, quando fabricava 80 unidades por mês e ainda era considerada a maior fábrica de carrocerias da América do Sul, lança o rodoviário Argonauta – simplesmente a versão de estrada do modelo urbano, com colunas inclinadas. No final do ano, no IV Salão do Automóvel, mostra um rodoviário sobre chassi FNM, com capacidade para 40 passageiros, poltronas reclináveis e bagageiros sob o piso; na ocasião, também apresentou a linha de ônibus urbanos com colunas inclinadas e alguns retoques estéticos.

Naquele mesmo 1964, ano do golpe militar, a empresa forneceu para a Polícia Militar do Estado de São Paulo quatro carros blindados para controle de tumultos urbanos (tecnicamente denominados VDT – Veículo de Dispersão de Tumultos), montados sobre chassi International e equipados com canhão d’água, ar condicionado e pneus à prova de bala; chamada Tatu, a viatura também foi exibida no Salão.

A partir daí, a Grassi aparentemente perdeu o rumo. Apesar de seu passado e da tradição de qualidade, a empresa descuidou da modernização administrativa e da renovação dos produtos, passando a sentir o peso da concorrência. Prestes a entrar em crise, em 1965 transferiu o controle acionário para o Grupo Walter Godoy (Crisval). Daí em diante foi um desfilar de planos ambiciosos e novos projetos, todos de vida curta e qualidade e viabilidade discutíveis. Ainda em 1965 preparou o rodoviário Presidente, projetado a partir do Argonauta. O V Salão do Automóvel, no ano seguinte, mostrou o novo urbano Governador, além de mais um rodoviário, desta vez sobre chassi Scania, com as cores do Expresso Brasileiro e luxuoso acabamento. No VI Salão, em 1968, foram lançados o rodoviário Presidencial, preparado para plataformas com motor traseiro, e o urbano Panorâmico, com para-brisas intercambiáveis, duas janelas de emergência, linhas retas e teto plano, acompanhando a moda da época, modelo que não teve produção seriada.

No ano seguinte o controle da encarroçadora mais uma vez mudou de mãos, sendo assumido pela Itatiaia, mais antiga concessionária Mercedes-Benz de São Paulo. Esta dupla troca de comando em tão pouco tempo não foi suficiente para preservar a Grassi da crise que dominou o setor no final da década, o que exigiria da empresa estruturas de gestão mais sólidas e instalações industriais muito mais modernas (ou, ao menos, em processo de modernização), o que efetivamente não ocorria. E, embora sua posição no mercado não estivesse tão deteriorada e estivesse mesmo melhorando (foi o 6º maior fabricante nacional em 1967, o 5o em 1968 e o 3º em 1969 – ainda que isto significasse apenas 10% do total), os novos controladores decidiram interromper a produção e, no final de 1970, colocaram à venda as instalações da empresa, dando fim à carreira da mais antiga indústria de veículos do país.





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