FABRICAÇÃO PRÓPRIA
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Desde seu surgimento, no final do século XIX, o automóvel tornou-se objeto de desejo quase universal. Inúmeras foram as marcas que surgiram e desapareceram ao longo das décadas; também incontáveis foram os apaixonados por carros que decidiram, com maior ou menor sucesso, construir seus próprios veículos. Tanto no exterior como no Brasil a criatividade, habilidade e bom-gosto individuais (ou a ausência deles…) foram materializados em um número sem conta de carros concebidos artesanalmente, quer por amadores com parcos conhecimentos específicos, quer por equipes com formação técnica adequada – empírica ou formalmente adquirida, não importa.
São veículos construídos para uso próprio, para desfrute, trabalho e lazer, ou para simples ostentação, exibição, demonstração de status, freqüentemente transformações de carros de série, com alterações mecânicas significativas, ou simples criações estéticas, boas ou más, carrocerias novas ou adaptadas, metálicas ou de fibra-de-vidro, montadas sobre chassis (geralmente usados) sem modificações. Muitas vezes o interesse despertado pelo veículo conduz a planos mais ambiciosos – normalmente a tentativa de produção seriada; e esta fase traz novas dificuldades, pois se o fabricante individual tem competência como criador, pode não ter (e em regra não tem) suficiente capacidade como empresário ou gestor industrial.
Desde a experiência emblemática do italiano Claudio Bonadei, em 1902, muitos veículos artesanais em exemplar único foram montados no Brasil. A produção própria deu sinais de crescimento a partir dos anos 50, no limiar da implantação da indústria automotiva nacional; acelerou-se na década de 70, com a vulgarização da fibra-de-vidro, como matéria prima de fácil manipulação para a construção de carrocerias, desembocando na explosão dos buggies e das transformações, nos anos 80.
O registro de veículos de fabricação artesanal no Brasil foi regulamentado pela Resolução 63/98, do Contran, para tal definindo-os como “todo e qualquer veículo concebido e fabricado sob responsabilidade de pessoa física ou jurídica, atendendo a todos os preceitos de construção veicular“. O documento determina que “para proceder o registro e licenciamento dos veículos (…), o órgão de trânsito local deverá exigir do(s) proprietário(s) a apresentação do Certificado de Segurança Veicular – CSV expedido por entidade credenciada pelo INMETRO“. Diversos componentes utilizados na montagem de veículos de passageiros de fabricação própria devem obrigatoriamente ser novos (pontas de eixo, cubos de rodas, rolamentos, braço, ponteira e caixa de direção, amortecedores, molas, rodas, pneus, sistema de freio completo e sistema elétrico e de iluminação); “os demais componentes, não especificados, poderão ser recondicionados ou em bom estado de conservação, verificados pela entidade credenciada pelo INMETRO“. Cada fabricante tem o direito de registrar, no máximo, três veículos por ano, estando proibida a fabricação artesanal de ônibus, microônibus e caminhões.
LEXICARBRASIL classifica a produção artesanal nacional da seguinte forma: veículos montados até 1960, ano da consolidação da indústria automobilística nacional, estão listados em Pioneiros. Na categoria Fabricação Própria encontram-se exemplares construídos a partir de 1961; procurou-se representar a maioria deles, até 1980, e os de maior interesse sob o ponto de vista técnico, estilístico ou conceitual – e eventualmente artesanal -, a partir de então. Os carros que, em qualquer período, tenham sido objeto de tentativa de produção seriada estão individualmente descritos em rubricas próprias, sob o nome do modelo ou do seu construtor; da mesma forma, protótipos e estudos de estilo.
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- Cosmos 63 foi o nome dado a esta picape conversível com capota rígida desmontável montada sobre chassi Ford V8 importado, construída em 1963, em São Gabriel (RS), pelos irmãos Rodrigues (fonte: site carroantigo).
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- Obra do médico Flávio Bellegarde Nunes, de Taubaté (SP), este jipe utilizou o chassi e a mecânica de um automóvel Chevrolet cupê 1934; foi concluído em 1965, depois de seis anos de trabalho (4fonte: 4 Rodas).
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- Conversível construído por "Maneca", de Feira de Santana (BA), entre 1965 e 66, sobre plataforma Volkswagen 1960; apesar do acabamento sofrível, o carro mostrava estilo surpreendentemente moderno e harmonioso (fonte: 4 Rodas).
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- Cupê de dois lugares projetado em 1965 pelo estudante de desenho industrial Cristiano Piquet Carneiro, para ser moldado em fibra de vidro e montado sobre chassi encurtado DKW; com sua morte precoce em um acidente, o carro foi concluído por seu pai no ano seguinte (fonte: Jornal do Brasil).
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- Scardua-Mut - conversível com mecânica Renault Gordini construído em meados da década de 60 pelo lanterneiro Santos Scardua (foto: 4 Rodas).
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- Capixaba é o nome deste cupê sobre plataforma VW, especialmente construído em chapas de aço pelo mesmo Scardua, entre 1966 e 67, para participar do Troféu Quatro Rodas de desenho de carrocerias (foto: 4 Rodas).
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- Protótipo construído em Caxias do Sul (RS), no final dos anos 60, por Luigi Giovani Longa; com chassi tubular e carroceria metálica, o carro trazia um motor Renault Gordini montado na dianteira (fonte: Henry Paulo Dias).
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- Sedã Opala transformado em picape, em 1974, por Eduardo Melo Jr., da então poderosa Equipe Holliwood; tido como primeiro "pace car" brasileiro, se destinava a prestar socorro aos pilotos da equipe nas fases de treino (foto: O Globo).
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- "Automóvel" construído no final dos anos 70 pelo mecânico Paulo Maria Ribeiro, de Guarulhos (SP); com mecânica de motocicleta Honda CB125, tinha dois lugares, chassi tubular, motor lateral, suspensão independente por molas helicoidais e barras longitudinais articuladas no centro do chassi; os comandos eram semelhantes aos de automóveis. Próximo do final do século, Paulo Maria prepararia para uso próprio um VW Fusca 1966 com motor Ford Maverick V8, montado na dianteira, e suspensão Chevrolet Opala (fonte: Autoesporte).
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- Veículo fora-de-estrada, ao estilo de blindado militar, chamado Tatoo, construído no início da década de 80 por Jean Hughes van Eyll, sobre plataforma VW Kombi; a carroceria, feita com chapas de aço dobradas, trazia pás nas laterais, pneu de reserva e duas vigias no teto e guincho manual (foto: Autoesporte).
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- Protótipo de carro anfíbio movido por hélice construído em 1985 pelo engenheiro agrônomo gaúcho Telmo Flores de Siqueira; um segundo modelo de menor porte, com motor de 100 cv e cabine de fibra de vidro estaria sendo preparado, porém dele não se teve mais notícia (foto: Jurandir Silveira / Jornal do Brasil).
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- Caminhonete tipo "woodie" construída em 1989, em Florianópolis (SC), pelo técnico em rádio Lourival Bruno; montada sobre plataforma VW Fusca, em sua carroceria foi utilizado angelim e compensado naval (foto: Eurico Salis / Ícaro).
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- Réplica livre de um Renault 1910 construído por Manuel Ribeiro Alves em Santos (SP), ao longo da década de 80, sobre plataforma de Fusca 1963 (foto: Fusca&Cia).
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- Toda imaginação é permitida na hora de criar seu próprio veículo de lazer ou trabalho. Esta van articulada para 30 passageiros foi construída em Alagoas, na década de 90, por Josué Vieira de Lima: a terceira roda foi montada sobre uma Kombi picape e o reboque composto pela união de duas Kombis normais (fonte: 4x4 & Cia).
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- Chevrolet Opala Comodoro 1989 "transformado" em Rolls-Royce, em 1992, pelo engenheiro Hércules Peixoto, de Belo Horizonte (MG) (foto: O Globo).
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- Carro anfíbio concebido pelo empresário Erineu Cicarelli, de São Paulo (SP); proprietário de um VW Schwimmwagen, em 1996 resolveu construir seu próprio modelo, que apelidou Batráquio; possui chassi tubular, motor traseiro de Kombi, tração nas quatro rodas e hélice acionada por um cardã ligado ao virabrequim; as rodas dianteiras servem de leme (4fonte: 4 Rodas).
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- Carro de madeira construído em 1997, em Belo Horizonte (MG), pelo mecânico Fernando Fernandes; com 2,10 m de comprimento, 0,60 m de largura e somente um lugar, é acionado por motor de motocicleta de 125 cm3; rodas e o câmbio de cinco marchas à frente também vem de moto. O veículo não possui sistema de suspensão, só há freios na traseira e a marcha a ré é conseguida por impulsão... dos pés do motorista, através de uma abertura no piso do carro (imagem: Autoesporte/Vrum).
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- Gaiola com cabine fechada construída em Esteio (RS), no final da década de 90; o veículo partiu de uma plataforma Fusca 1600, encurtada 45 cm, da qual foi aproveitada toda a mecânica; sobre ela foi montada a estrutura tubular e a cabine de chapas de aço rebitadas; rodas e tanque de combustível foram feitos "em casa" (fonte: José Geraldo Fonseca / planetabuggy).
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- Triciclo articulado para uso fora de estrada projetado em 1998 pelo gaúcho (radicado na Bahia) Antônio Carlos Baptista Sanjuan; dotado de motor de 180 cm3, teria como diferencial a inclinação lateral das rodas e chassi em até 30 graus, facilitando o tráfego em encostas; o inventor planejava utilizar a mesma tecnologia também em um quadriciclo (fonte: portal redetec).
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- Picape 4x4 construída pelos irmãos José Luiz e Manuel da Silva Coelho no início do século corrente; utiliza chassi Jeep CJ-5, motor Chevrolet de quatro cilindros e carroceria da picape leve VW Saveiro (fonte: 4x4 & Cia).
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- Gaiola 4x4 montada em Salvador (BA) pelo engenheiro Maurício Correa e pelo mecânico Luiz Cavalcanti, entre 2002 e 2004; tem chassi tubular, suspensão independente nas quatro rodas, motor traseiro VW AP 1.6 e câmbio e caixa de transferência Suzuki; o carro foi equipado com guincho e bagageiro térmico para o transporte de alimentos e bebidas (fonte: 4x4 & Cia).
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- Recriação do Mini britânico, construída em Minas Gerais, em 2003, por Vinícius Leite Pimentel; tem chassi tubular, carroceria de fibra e motor, câmbio e suspensão do Fiat Uno 1.0; o painel de instrumentos também veio do Uno. Externamente, as diferenças mais visíveis com relação ao modelo original são os para-choques integrados à fibra, as lanternas traseiras e a bitola mais larga (fonte: 4 Rodas).
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- Uma das áreas atualmente mais exploradas pela autoconstrução é a de veículos para ação fora de estrada. Esta gaiola foi concluída em 2006 por Marcel Fernandes, de Minas Gerais. Denominada Kalango, foi equipada com conjunto motor-câmbio VW AP 1.8 e caixa de transferência e eixos rígidos da Rural Willys; a suspensão foi copiada de veículos rock crawling norte-americanos, com molas helicoidais na dianteira e um quarto de elipse na traseira (fonte: site 4x4brasil).
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- Automóvel sobre plataforma Volkswagen, criado em Itajaí (SC) pelo marceneiro Hermínio Suppi; concluído em 2007, sua bem acabada carroceria foi construída em madeira de araucária (foto: José Geraldo Fonseca).
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- Em 2008, Oraldo Zanon, de São Gabriel do Oeste (MS), alongou em 90 cm sua Rural Ford 1975, nela instalando terceiro eixo motriz e transformando-a num utilitário 6x6 com nove lugares e quatro portas (fonte: 4 Rodas).
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- Mais uma transformação de utilitário em 6x4, desta vez realizada por Orlando Carlos Zanganelli, de Brasília (DF); o Jeep 1968 foi alongado e ganhou mais um eixo tracionado na traseira; praticante de pesca, Orlando instalou um barco de alumínio de fundo chato no teto do jipe, como cobertura da cabine (fonte: Classic Show).
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- Um dos cinco veículos construídos a partir de 2005 pelo agricultor e mecânico autoditata Edson Bezerra em Pureza (RN); cada um deles é composto por um conjunto diferente de componentes usados, obtidos segundo a disponibilidade do mercado; as carrocerias são feitas em chapa de aço pelo próprio Edson. Ao fundo, na cor verde, um de seus primeiros carros, especialmente criado para o transporte de leite (fonte: Paulo André Hegedus).
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- João Alfredo Dresch, de Lajeado (RS) e seu pequeno automóvel elétrico de dois lugares construído entre 2009 e 2010; a carroceria plástica, montada sobre estrutura tubular, tem apenas 1,95 m de comprimento. É acionado por motor elétrico de 5 cv alimentado por 14 baterias de gel, originárias de jet ski (cada duas horas de recarga permite autonomia de duas horas); tem freios a disco nas quatro rodas, porém não possui câmbio (foto: site zerohora).
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- Em 2011, Cicarelli concluiu esta réplica fiel do W30, um dos protótipos Volkswagen da década de 30; a carroceria de aço e plástico reforçado com fibra de vidro foi montada sobre uma plataforma Fusca de 1959 (foto: O Globo).
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- Areudo Rodrigues, agricultor e mecânico de Quixeramobim (CE) e o automóvel que construiu em casa, entre 2009 e 2011; o carro tem chassi metálico, carroceria de madeira e motor e rodas de motocicleta (fonte: Paulo André Hegedus / site asiladodenatal).
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- Fuzzio - automóvel construído para uso próprio pelo argentino Hugo Oscar Brizzio; concluído em 2010, partiu de um Fusca, do qual poucos elementos aproveitou; o motor é VW AP 1.6 com dois carburadores de Opala (fonte: Paulo André Hegedus / estadao).
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- Réplica livre do jipe militar alemão Volkswagen Kübelwagen realizada em 2011 pelo engenheiro Franklin Lenneberg, de Petrópolis (RJ); montado sobre plataforma Fusca de 1967, tem carroceria totalmente metálica, com estrutura tubular e revestimento de chapas de aço (fonte: Paulo André Hegedus / maxicar).
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- Concebido no final da década de 80, como projeto de graduação, somente em 2013 o engenheiro Fábio Birolini conseguiu concluir seu GT G2; responsável pelo desenvolvimento do automóvel Lobini, Fábio dotou seu carro de estrutura tubular periférica, motor V8 Corvette de 345 cv, tração integral e suspensão totalmente independente (foto: 4 Rodas).
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- Réplica de Lotus Seven projetada por Airton Mergulhão e Mayr Planet, de São Paulo (SP), e por eles construída entre 2007 e 2013; extremamente bem cuidado nos detalhes construtivos e de acabamento, o carro tem estrutura tubular espacial, carroceria de alumínio, mecânica Chevrolet (câmbio, diferencial e motor 1.8 turbo de 185 cv atrás do eixo dianteiro), tração traseira, suspensão independente por triângulos superpostos na dianteira e eixo rígido com barras longitudinais na traseira, freios a disco nas quatro rodas e direção mecânica (foto: Airton Mergulhão).
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- Partindo de um Uno 1.0 2002 o pedreiro Edimar Goulart, de Rondonópolis (MT), moldou em fibra de vidro esta carroceria, livremente inspirada no Lamborghini Aventador; batizado LamborgUno, o carro foi concluído em 2017 (fonte: Ricardo de Oliveira / noticiasautomotivas).
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- Triciclo equipado com motor Scania 113, de 13 litros e 360 cv, construído em Paracambi (RJ) ao longo da década de 2010; a imagem mostra o veículo, batizado Mega Max, em fase final de acabamento, em 2018 (fonte: Maurício Lyra / youtube).
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- Fusca 1974 alongado 1,25 m e transformado em limusine com quatro portas e sete lugares pelo lanterneiro José Lúcio Fazollo, de Castelo (ES); o trabalho foi desenvolvido em três anos, entre 2015 e 2018 (fonte: Maurício Lyra / agazeta).
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- Alegadamente inspirado num Opel 1906, este carro foi construído em Mogi das Cruzes (SP), entre 2006 e 2021, por Luiz Casarejos; possui motor 1.6 do Ford Corcel e transmissão de Ford 1929 (fonte: Paulo Roberto Steindoff / carro.mercadolivre).
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- Batizado "Flecha de Prata", este automóvel foi construído pelo mecânico gaúcho Ivo Germano Zandomeneghi, em Caxias do Sul, utilizando antigo motor Ford A e um mix de componentes modernos e de época; iniciado em 2014 (aos 84 anos de idade), levou oito anos para concluir o trabalho (foto: Classic Show).
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- Magnífica réplica do monoposto Alfa Romeo 159, campeão de Fórmula 1 de 1950 e 1951; iniciativa do piloto e colecionador Paulo Loco, possui chassi tubular, carenagem em plástico reforçado com fibra de vidro, dois motores Alfa de quatro cilindros acoplados em linha com oito carburadores, alcançando cerca de 300 cv, e freios a disco nas quatro rodas (foto: Renato Belotte / autoentusiastas).
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- Buggy construído em Balneário Camoboriú (SC), em 2021, por Tiago Rodrigues; denominado Buggy-up, foi montado a partir de plataforma de um VW up! TSI, do qual foram aproveitados parte frontal, painel de instrumentos, volante, assentos dianteiros e para-choque traseiro, complementada por uma peça moldada em plástico reforçado com fibra de vidro com santoantônio integrado; as lanternas traseiras vieram do Renault Kwid (fonte: portal carrofeito).