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ENGERAUTO | galeria

A Engerauto foi criada no final de 1983, como subsidiária da Companhia Santo Amaro de Automóveis, empresa fundada em 1959 e por muitos anos principal revendedora Ford de São Paulo (SP) e uma das maiores do país. Com razão social Engenharia e Comércio de Automóveis Ltda., a nova empresa tinha por objetivo a fabricação de veículos especiais a partir da transformação de carros da marca Ford.

Como era de esperar, seus primeiros produtos foram cabines-duplas construídas a partir da picape F-100. Os carros tinham janelas traseiras que abriam totalmente, ao contrário de quase todos os concorrentes, e podiam receber enorme quantidade de acessórios: bancos esportivos, revestimento de couro ou veludo, vidros verdes, teto solar, console no teto com sistema de som e televisão, geladeira, rodas cromadas, santantônio com quatro faróis auxiliares, galão externo de combustível, estepe montado na tampa traseira, quebra-mato, “pintura artística” e grade de desenho especial com quatro faróis.

Aproveitando-se da condição desfrutada pela Santo Amaro, como concessionária e experiente oficina autorizada Ford, a empresa trabalhava com picapes novas, recebidas de fábrica com as cabines desmontadas. Assim, seus veículos eram montados com um mix de peças originais Ford e componentes (em chapa de aço) Engerauto, o que lhe permitia oferecer um produto sem emendas visíveis, mais resistente e melhor acabado (ainda assim, a empresa não se furtava a transformar picapes usadas fornecidas pelos clientes). Menos de um ano após iniciada operação, a empresa já produzia a média de 50 cabines-duplas por mês.

A Engerauto desde o início se caracterizou pela grande diversificação e extrema agilidade com que lançava novos produtos. Em janeiro de 1984, poucos meses depois de iniciadas suas atividades, a empresa já tinha em linha quatro novidades: Corcel e Del Rey na versão conversível, ambos com nova grade e quatro faróis retangulares; um novo modelo de picape cabine-dupla com janelas “panorâmicas” (atendendo à moda vigente); e cabines-duplas para caminhões. Em setembro, estes foram seguidos do Escort conversível que (como os dois modelos anteriores) também recebia grade diferente. A campanha de lançamentos não parou e, para o XIII Salão do Automóvel, no final do ano, foram preparados nada menos de três modelos: o Escort três-volumes, o luxuoso Escort Gucci, com acabamento especial, e uma F-1000 cabine-dupla com parte do teto traseiro destacável, transformando-a numa espécie de targa.

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A Engerauto iniciou suas operações como transformadora de picapes em cabines-duplas e, apesar da ampla diversificação de produtos, manteve a atividade por muitos anos; o Pampa Duo foi lançado no início da década de 90.

Em 1985 chegaram a station-wagon Califórnia e a picape conversível, ambas construídas a partir da picape F-1000, além de mais um modelo de grade, agora com oito (!) faróis retangulares. No caso da Califórnia, era eliminada a parede traseira da cabine original e mantida a caçamba; sobre ela era montada a cobertura, uma peça única de fibra de vidro, com quatro janelas laterais (duas basculantes e duas fixas) e sistema de exaustão de ar. O acesso ao compartimento de bagagens se dava por duas portas de abertura horizontal (a inferior era original da caçamba). À lista de opcionais disponíveis, que já ia de direção hidráulica a sofá-cama, foram agregados bancos giratórios. A picape conversível, por sua vez, simplesmente tinha o teto e o vidro traseiro substituídos por uma capota de fibra de vidro dotada de alças, para facilitar a remoção, e quatro travas para fixação; dentre os seus opcionais, guincho e suspensão elevada.

Em 1986, a Engerauto se voltou para uma categoria de produto desprezada pelas demais transformadoras – as picapes alongadas, dotadas de maior capacidade de carga e mais úteis como instrumento de trabalho (ainda que, para não ofuscar o charme das picapes superequipadas como modismo da vez, a publicidade da empresa não ressaltasse esta importante qualidade). Foram dois modelos: E-150 e E-200, respectivamente com caçambas de 1,50 e 2,00 m de comprimento (ou 1,1 e 1,5 m3 de capacidade volumétrica). Em conjunto com elas, foi lançado o kit Thunder, adaptável a qualquer picape Ford, trazendo-lhes um visual a um tempo moderno e discreto. O conjunto era composto de capô, grade e para-choques com novo desenho, tudo moldado em fibra-de-vidro; a grade alojava dois faróis retangulares, aos quais se sobrepunham lanternas do mesmo formato, na cor âmbar. O para-choque dianteiro incluía spoiler e (opcionalmente) quatro faróis de milha. No segundo semestre a cabine-dupla “panorâmica” foi modernizada, ganhando o nome Magnum: sua metade traseira foi alargada, as janelas faceadas com a superfície lateral (e não mais “embutidas” na carroceria) e a vigia traseira sensivelmente ampliada. O carro chegou em em três versões: Farm, Luxo e Super Luxo; o kit Thunder era um dos mais de 70 opcionais disponíveis.

Finalmente, em novembro, no XIV Salão do Automóvel, a seqüência de lançamentos do ano foi concluída com sua maior novidade, a caminhonete Escorpion. Projetada por Anísio Campos para a picape F-1000, comportava confortavelmente até nove passageiros, cujo acesso era facilitado pela terceira porta, inserida na lateral direita do carro. O teto era desnivelado e as janelas cresciam em altura, da frente para trás, de modo a aumentar o vão útil da cabine, em nada favorecendo, porém, o exíguo espaço para bagagens. O Escorpion trazia um inédito painel eletrônico digital, especialmente desenvolvido para a Engerauto. Externamente, à exceção dos para-lamas e portas, em nada lembrava as picapes Ford das quais derivava; no entanto, apesar de ter desenho decididamente mais moderno do que elas, o estilo resultou pesado e desarmônico.

Naquela altura, a Engerauto era a mais bem sucedida transformadora brasileira, fabricando cerca de 120 veículos por mês. Havia pouco mudara para nova fábrica, no bairro do Tatuapé, ainda em São Paulo, dotada de equipamentos adequados para conferir aos seus produtos um padrão de construção pouco comum no segmento em que atuava, tais como peças de aço estampadas, solda eletrônica por pontos e tratamento anti-ferrugem. Foi nesse contexto que se deu a participação da empresa na V Brasil Transpo, no final de 1987, onde mostrou duas novidades: a nova cabine-dupla Magnum GTO, com painel anatômico, mostrador digital, dianteira da Escorpion e (a partir do ano seguinte) tração 4×4 Engesa; e, lançamento mais ousado de sua história, o veículo multi-uso Topazzio – mais uma criação de Anísio Campos. Partindo da mecânica e estrutura da picape leve Ford Pampa, foi projetada uma carroceria de fibra de vidro que, pelo simples deslocamento de componentes, podia ser transformada em automóvel “esportivo”, cabine-dupla, picape targa ou três volumes. Era intenção de Anísio manter uma pequena caçamba externa aparente, não escamoteando a origem do veículo nem sua vocação utilitária; este não foi, porém, o pensamento da Engerauto, o que acabou resultando num carro de aspecto estranho: pesado e desproporcional na configuração “automóvel”, moderno e ousado na “picape”.

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Demonstração da versatilidade do modelo Topazzio.

Além deste “caráter camaleônico”, o Topazzio trazia diversas idéias originais: vidros faceados com a carroceria (exceto nas portas); estepe sob o piso da caçamba, montado por trás do para-choque traseiro; ferramentas e macaco alojados por dentro do para-lama esquerdo, com acesso pelo cofre do motor; bancos traseiros destacáveis, fixados com velcro; painel (moldado em fibra) com instrumentos digitais. O carro também apresentava suas idiossincrasias. Tinha janelas traseiras tipo asa-de-gaivota, cuja única utilidade era melhorar o acesso de eventuais bagagens nos bancos traseiros; por outro lado, as janelas podiam ser retiradas, transformando-o num semi-conversível. Apesar de seu porte, era um 2+2, a parte posterior da cabine só comportando dois pequenos assentos de canto, insuficientes para acomodar adultos.

A caçamba podia ser coberta por dois acessórios diferentes, produzindo dois diversos estilos de automóvel: uma espécie de tampão marítimo destacável, lançado em 1988 e chamado Topazzio II, com resultado estético especialmente desagradável, dava o visual sedã; e o grande para-brisa traseiro, resultava no estilo hatch. Sob o grande vidro traseiro, que dava ao carro o pretenso aspecto “esportivo”, se escondia a caçamba, e não um porta-malas verdadeiro. Apesar da ajuda de um turbo opcional e do apelo “esportivo” veiculado na sua publicidade, o desempenho do Topazzio era limitado e o comportamento dinâmico prejudicado pela suspensão traseira, típica de uma picape. A despeito de sua originalidade, o carro custava quase o triplo do Ford Pampa e encontrou poucos compradores, sendo produzido por apenas dois anos.

Entre 1988 e 1991 as novidades foram mais discretas, embora variadas: além do GTO, foram apresentadas as versões ambulância e Plus (mais luxuosa) da Escorpion; a Escorpion, por sua vez, foi renomeada Centurion. A seguir foi lançada a Magnum III, com uma terceira porta instalada do lado direito, e (para ocupar o espaço da Topazzio) a cabine-dupla Pampa Duo, ambas com tampão traseiro. Também foi preparada uma limousine Del Rey, com entre-eixos alongado em 30 cm e equipada com direção hidráulica, ar condicionado, mesa, bar e demais itens de conforto. No final de 1990 saíram a Pampa Tropic (a mesma Duo, com teto destacável sobre os bancos da frente), a Pampa conversível e a nova cabine-dupla Pioneer, sobre F-1000, seguindo o estilo lateral da Magnum, porém com dianteira mais discreta e console central integrado ao painel.

A Engerauto não passou incólume pela abertura das importações iniciada na década de 90. Com as vendas reduzidas a menos de 50 unidades mensais e dispondo de nova fábrica ociosa em Tatuí (SP), a empresa buscou ajustar sua produção, quer explorando melhor as possibilidades da picape leve Pampa, mais barata e com menos concorrentes entre os importados, quer se voltando para o extremo oposto e tentando penetrar num mercado insuspeitado – o das carrocerias de ônibus. Foi assim que, em 1992, a empresa apresentou na Expobus seu primeiro ônibus urbano, chamado Transport, para chassis Mercedes-Benz, Ford e Volkswagen com motor dianteiro. Composta de estrutura tubular de aço galvanizado e revestida de alumínio, tinha projeto original, diferindo fortemente da concorrência em muitos aspectos: frente e traseira, alojando faróis e lanternas do VW Gol, eram compostas de uma peça única de fibra de vidro; os para-brisas eram quase planos; a grade, extremamente simples, também era moldada em fibra e pintada nas cores da carroceria; o acesso aos órgãos mecânicos se dava por larga tampa, abrangendo toda a dianteira inferior do carro, inclusive a grade.

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Mercedes-Benz OF com carroceria urbana Engerauto Transport II em operação no Chile (fonte: site chilebuses).

A carroceria foi submetida à crítica de diversos operadores de transporte, que sugeriram alterações. Depois de instalar linha de montagem independente na fábrica de Tatuí (parte do corpo técnico era egresso da Thamco), o modelo passou por uma revisão estrutural completa e foi relançado em abril de 1993, como Transport TR-2 (em 1995, Transport II), em versões de duas e três portas. O modelo apresentava algumas diferenças com relação ao do ano anterior, especialmente no acabamento interno e na dianteira, que assumiu estilo mais convencional (grade maior, tampa de acesso ao motor mais estreita). Meses depois as janelas laterais aumentaram de altura e o brake-light foi elevado em cerca de meio metro, passando a situar-se abaixo do para-brisa traseiro.

Embora mais timidamente, a empresa continuava a investir na transformação de automóveis, no mesmo ano apresentando o modelo Spartakus. Divulgado como multi-utilitário, tomava como base a picape Pampa 4×4, à qual eram agregados para-choques reforçados, largas saias laterais e arcos de rodas em preto, faróis adicionais sobre o teto e ampla capota de plástico reforçado com fibra de vidro com teto elevado e janelas laterais de correr. A caçamba traseira recebia um assento escamoteável para três passageiros e tinha comunicação com a cabine.

Os planos da Engerauto eram ambiciosos e, embora a produção inicial fosse de dez unidades mensais, a empresa pretendia vender mil carrocerias em 1994, 1/3 delas para o mercado externo. Metas que, evidentemente, ficaram longe de serem atingidas, iniciante que era num mercado instável e onde mesmo concorrentes longamente estabelecidos em breve enfrentariam graves problemas (como a Caio, em 1999, e a Busscar, em 2002). Ainda assim, sustentada pelo forte Grupo Santo Amaro, a empresa persistiu por vários anos. Na Expobus ’94 mostrou um ônibus escolar para caminhão Ford B-12000, ao estilo dos similares norte-americanos, com motor externo e, de forma pouco usual, aproveitando o para-brisa e parte da cabina do caminhão. Avançando na diversificação, em 1995 entrou no segmento de implementos rodoviários, para isto inaugurando nova fábrica em Boituva (SP); seus primeiros produtos foram “cegonhas” e semi-reboques de três eixos para carga seca. Em 1996 lançou seu último ônibus – Thor –, um modelo urbano e intermunicipal totalmente novo, sem personalidade própria, porém de estilo correto, absolutamente alinhado com os líderes de venda da época.

Em paralelo com a construção de carrocerias de ônibus e caminhões, a Engerauto manteve seus tradicionais serviços de transformação, embora já não tão dedicados a veículos de lazer, mas principalmente a utilitários para serviços públicos (ambulâncias, patrulhamento, concessionárias de eletricidade e telefonia). A produção se manteve até a passagem do século, quando foi interrompida. Durante seus quase 20 anos de vida, a empresa fabricou mais de 13.000 veículos. Embora não tenha voltado a operar, a marca Engerauto permanece de propriedade da Cia. Santo Amaro.





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