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ELIZIÁRIO | galeria

Fundada na década de 40 pelo empreendedor, filantropo e sportsman Eliziário Goulart da Silva na então pouco adensada zona norte de Porto Alegre (RS), a Eliziário foi a mais importante indústria de carrocerias de ônibus do sul do país, até ser suplantada pela Nicola na segunda metade da década seguinte. Assim como quase todas as congêneres brasileiras, também a Eliziário iniciou as atividades construindo carrocerias de madeira sobre chassis de caminhão importados (na maioria das vezes, usados), não recusando, porém, qualquer outro tipo de trabalho, tal como reformas de ônibus e transformações de automóveis e comerciais leves em caminhonetes para o transporte de passageiros.

Entre 1948 e 49 a empresa construiu os primeiros modelos com motor integrado ao salão, embora a produção de unidades com motor externo (a totalidade, até então) continuasse por muitos anos. Os novos ônibus (inicialmente com estrutura de madeira) tinham desenho de clara inspiração norte-americana, embora, ao contrário daqueles, quase que exclusivamente fossem montados sobre chassis de caminhão com motor dianteiro. Eram carros urbanos e rodoviários, muitas vezes de grande porte, alguns dispondo de grandes bagageiros no teto ou alojados na traseira aerodinâmica. Estes primeiros modelos definiram, pelas duas décadas seguintes, as linhas mestras do estilo da Eliziário: traços austeros, grande massa metálica em contraste com para-brisas pequenos e janelas de abertura reduzida; na dianteira, simplissíssima grade de refrigeração do motor, eternamente no formato retangular vertical, lentamente alterada, ao longo do tempo, apenas em detalhes de decoração.

Em 1952, a Eliziário já se encontrava firmemente estabelecida no mercado do sul, servindo de farol para todos os pequenos fabricantes de carroceria que então operavam nos estados da Região. Naquele ano a empresa modificou sensivelmente a frente dos carros, agregando dois elementos que, por longo tempo, viriam a ser características suas: a caixa do itinerário subdividida em duas e as chapas perfuradas decorando a grade – detalhe que hoje poderia ser considerado altamente hi-tech. Dois ou três anos depois a frente foi novamente retocada: a chapa decorativa superior ganhou linhas retas e a inferior foi deslocada para cima, alinhando-se com os faróis. Nas versões urbanas foram instaladas bandeiras fixas sobre as janelas individuais, aumentando a iluminação interior.

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Um dos mais antigos fabricantes brasileiros de carrocerias, a Eliziário viveu o período heróico da expansão do transporte rodoviário do país. A imagem acima, de meados dos anos 50, testemunha a epopéia da viagem internacional Porto Alegre – Montevidéu (fonte: Marco Antônio Goldani).

Em 1958 as mudanças foram mais profundas, embora sempre mantendo sua severa personalidade: para-brisas panorâmicos, grade com decoração ainda mais sóbria, cúpula do teto com curvas mais suaves e apliques decorativos para as luzes de posição. Logo a seguir chegaram faróis quádruplos e, nos urbanos, janelas laterais maiores, com colunas verticais e bandeiras superiores; seguindo a moda da época, os rodoviários ganharam janelas inclinadas. Finalmente, por volta de 1960, as carrocerias Eliziário assumiam o visual com o qual ficaram nacionalmente conhecidas, e que perduraria por toda a nova década, sintetizado pela cúpula dianteira com a dupla caixa de itinerário, agora achatada e inclinada para a frente. De resto, pouca coisa mudou: a grade ficou mais simples, frisos e logotipo foram deslocados, padrão e desenho da pintura e do chapeamento frisado alterados. Todas as versões passaram a ter janelas inclinadas. Em 1962, em homenagem à vitória brasileira na Copa do Mundo de futebol, a Eliziário passou a decorar todos os modelos com placas comemorativas de alumínio, apostas nas laterais da dianteira, com a imagem da taça Jules Rimet e a legenda Bicampeão.

A empresa, porém, começava a perder fôlego, incapaz de fazer frente ao crescimento da concorrência – em especial da Nicola, que dava os primeiros passos no avassalador processo de crescimento que a transformaria na hoje gigante Marcopolo. Entretanto, se rapidamente via minguar sua presença no mercado de ônibus urbanos, a Eliziário permanecia solidamente posicionada no segmento rodoviário: ainda que decididamente antiquadas e pouco sofisticadas, a resistência e qualidade de acabamento de suas carrocerias ainda destacavam a marca frente à concorrência (em uma só venda, 100 unidades sobre chassi Scania B 75 foram entregues à empresa Penha, em 1964). Tais predicados deram razoável sobrevida à empresa, até que, anos depois, viesse a sucumbir definitivamente diante da vitalidade e atualidade inquestionavelmente superiores da Nielson e Ciferal, que, com produtos inovadores e de alta qualidade, acabariam por dominar, por muito tempo, o mercado brasileiro de veículos de longo curso.

Antes isso, porém, a Eliziário soube aproveitar o ambiente francamente favorável ao transporte rodoviário criado pela administração JK, projetando imponente carroceria para o chassi Scania-Vabis nacional, com a qual sairia do anonimato, deixando o restrito âmbito regional e passando a ser reconhecida e admirada por todo o país. Dois fatores foram decisivos para o sucesso desse movimento. O primeiro ocorreu em 1963, quando a empresa de transportes Minuano, de Porto Alegre, introduziu o primeiro serviço de ônibus-leito do país, na então longuíssima ligação entre a capital gaúcha e São Paulo, para tal escolhendo a dupla Eliziário/Scania. Pouco depois foi a vez da paranaense Penha (hoje propriedade da Itapemirim) adotar o mesmo ônibus nas rotas entre o Sul e o Rio de Janeiro, logo criando linhas ainda mais longas, para Brasília, Uruguai e Argentina. A partir daí, o conjunto Eliziário/Scania passou a ser identificado com rotas de longo curso, alçando a encarroçadora a referência nacional em conforto, resistência e solidez. Mantendo a tradição conservadora, durante toda a década a Eliziário manteve inalterado o estilo de suas carrocerias, retocando-as apenas em detalhes, geralmente no entorno da grade e na caixa dos faróis; o máximo de “modernidade” permitida foram os faróis retangulares aplicados a algumas unidades, bastante incongruentes, aliás, com o desenho geral do veículo.

Em 1970, momento de crise econômica, o setor de carrocerias viu-se tomado pela recessão e alta ociosidade. A Eliziário, que continuamente perdia posições no mercado (de 6ª, em 1967, passou a 8ª, dois anos depois), foi especialmente afetada e em julho daquele ano acabou por ser adquirida pela Nicola, que a transformou em montadora a partir de peças fornecidas pela matriz. A produção de rodoviários foi descontinuada e, com base em modelos Marcopolo, nova geração de ônibus urbanos e de turismo foi projetada para a Eliziário, a partir daí passando a coexistir na fábrica de Porto Alegre veículos das duas marcas.

A produção foi rapidamente retomada, subindo de 273 unidades, em 1969, para mais de mil, cinco anos depois (foi nas instalações da Eliziário, em 1981, que seria produzida a 10.000ª unidade do bem-sucedido urbano Marcopolo Veneza). Em 1975, grande área foi adquirida em Gravataí (RS) para a construção de nova fábrica para a Eliziário, que acabou por não se concretizar. Em 1983, no rescaldo da nova crise de mercado que se arrastava desde o início da década, com a produção reduzida a 360 carrocerias, a Marcopolo decidiu pelo fechamento da unidade de Porto Alegre, transferindo a produção para a Invel, em Caxias do Sul. Em 1987 a Eliziário S.A. Carrocerias e Ônibus foi definitivamente incorporada à Marcopolo, deixando de existir como marca.





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