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DESIGN BRASILEIRO | galeria

O desenho de um veículo, qualquer que ele seja – auto esportivo ou equipamento de construção – implica na aplicação consciente ou intuitiva, pelo projetista, de conceitos estéticos e funcionais, quer adquiridos através do ensino formal, quer absorvidos ao longo da vida e dos ambientes culturais pelos quais circulou, fenômeno sempre condicionado à sua maior ou menor predisposição para o fato artístico. A insensibilidade estética transmitida a um projeto pelo construtor artesanal amador pode gerar um produto feio, mal acabado e visualmente desequilibrado. O mesmo pode acontecer com o produto do trabalho de um técnico bem formado, porém frio, avesso à explicitação da beleza e cegamente crédulo nos valores do benefício-custo. Ambos os casos envolvem conceitos estéticos e funcionais que ficam visíveis no produto acabado, quer como resultado do desconhecimento daqueles valores, quer da intencionalidade em não utilizá-los.

É claro que a formação acadêmica não garante a qualidade do produto final, nem o autodidatismo impede que sejam concebidos projetos marcantes. Indiscutível é, contudo, a necessidade de preparação de profissionais com conhecimento específico sobre o assunto. A qualidade final de um bem de consumo durável (bom acabamento, montagem precisa, materiais adequados, minimização de desperdícios, funcionalidade – além da beleza em si) depende em grande parte dos valores considerados no momento da sua concepção, como resultado de um trabalho interdisciplinar que deve congregar especialistas em materiais, fabricação, custos e desenho industrial.

Ora, se a indústria automobilística brasileira oficialmente nasceu em 1956 e o primeiro curso de desenho industrial de nível superior do país só foi instituído anos depois, em 1962 (a ESDI – Escola Superior de Desenho Industrial, no Rio de Janeiro), isto significa que o automóvel brasileiro nasceu e viveu por muitos anos sem o apoio de mão-de-obra especializada em design, sendo as necessidades eventuais da indústria supridas por arquitetos, técnicos estrangeiros ou simples autodidatas.

A história da nossa indústria começou, na verdade, muito antes, com as primeiras carrocerias construídas pela Grassi, em 1907. Ao longo de cinco décadas, especialmente nos anos 50, diversos pioneiros arriscaram modelos únicos, quase sempre a partir de veículos ou componentes importados, com os mais diversos resultados, do kitsch Cysne Prateado ao elegante Woerdenbag.

O mais importante segmento da indústria automotiva nacional, antes de 1956 (além das montadoras de veículos estrangeiros, importados sob a forma CKD), foi o das carrocerias de ônibus, que tinham seus projetos integralmente desenvolvidos no país. Destas, apenas algumas poucas empresas, geralmente contando com técnicos de origem estrangeira nos seus quadros, produziram excelentes veículos sob o ponto conceitual e estilístico (tais como a própria Grassi, a Caio e, em especial, a Ciferal). Todos eles, porém, “pioneiros” e “encarroçadores”, sempre prescindiram do trabalho de estilistas, bastando-se a si próprios com seus quase sempre limitados conhecimentos estéticos.

A partir do início dos anos 60 a situação lentamente começaria a mudar. A evolução do design brasileiro de veículos foi apoiada por quatro vertentes: os departamento de estilo dos fabricantes, os concursos, os cursos especializados e o trabalho individual de alguns criadores, a maioria sem formação específica. Dentre as fábricas, a Willys foi a pioneira a criar, nos primeiros anos da década, um setor especializado em desenho e modelagem de veículos e de todos elementos de carroceria; dirigido pelo arquiteto Roberto Araújo foi responsável, dentre outros, pelo Aero Willys 2600 e pelo primeiro Ford Corcel (o departamento seria herdado pela Ford, ao adquirir a Willys em 1967). Importantes setores de estilo foram criados na Chevrolet (um dos primeiros e mais atuantes) e Volkswagen (lembrado pelos projetos do Brasília e SP-2). Embora estes tenham sido os principais, outros fabricantes também instalaram núcleos de design, porém com realizações mais pontuais. Ainda que crescente, no entanto, nem sempre o ritmo de criação se manteve intenso, ocorrendo mesmo nas grandes fábricas ciclos de inatividade (por retração do mercado) ou até desmobilização de equipes (por mudanças de rumo na política interna, segundo diretrizes da matriz).

Em paralelo ao trabalho dos fabricantes e como forma de divulgar e estimular a nova “profissão” de “desenhista de automóveis”, a Alcântara Machado, promotora do Salão do Automóvel, instituiu em 1962 o Prêmio Lúcio Meira. Realizado simultaneamente ao Salão, até 1974, o concurso revelou alguns projetos interessantes, a maioria concebida por estudantes de arquitetura, e pelo menos uma criação notável, ainda excepcional para os padrões atuais: o Aruanda, de Ary Antônio da Rocha. O prêmio, destinado a jovens de até 30 anos de idade, constituía de uma “viagem de estudo ao estrangeiro, incluindo despesas de viagem e estadia com a duração de 3 meses“.

Demorou muito até que surgissem novos concursos de design (em 1973 foi criado o Concurso Caio de desenho de carrocerias de ônibus, aberto a universitários, que ficou limitado a uma edição). Em 1998 a Volkswagen do Brasil criou seu Concurso de Design para universitários, que iniciou com o tema “Meu Futuro Volkswagen“; os seis (e depois três) primeiros colocados  ganhavam um estágio de um ano no departamento de projetos da companhia. Em 2004 foi a vez do Prêmio Quatro Rodas de Design, patrocinado pela Fiat; a primeira edição teve como tema “carro compacto para uso misto em cidade e fora-de-estrada” e ao vencedor era oferecida uma viagem de uma semana à Itália, com programação de visita a diversos estúdios de projeto.

Papel ainda mais relevante do que os concursos tiveram (e continuam tendo) alguns dos cursos de especialização criados em Universidades brasileiras. Na maioria vinculados à graduação em engenharia, diversos deles (em especial aqueles vinculados ao Exército e ao CTA) circunscrevem-se a atividades de engenharia strictu sensu, tais como desenvolvimento tecnológico e projetos mecânicos e de motores. Outros, porém, embora mantendo como núcleo duro os aspectos construtivos do veículo, assunto estritamente ligado à engenharia, desenvolvem trabalhos de fim de curso que exigem protótipos em escala natural, o que naturalmente envolve o projeto e a construção de uma carroceria para revesti-los. Dentre estes, têm destaque especial os cursos da FEI e da EESC, ambos em São Paulo.

Finalmente, cumpre ressaltar a figura dos criadores individuais, pioneiros que passaram a vida em torno de pranchetas e oficinas, construindo carros saídos da própria imaginação, às vezes com base na simples intuição e no “aprendizado da vida”. Artesãos profícuos, desenhando para sua própria marca ou por encomenda de terceiros, como sinal destes tempos de imediatismo não fizeram seguidores porém. Três nomes merecem representar esta classe persistente de “estilistas”: Rigoberto Soler, criador do Brasinca 4200 GT e por longo período mentor da FEI, Toni Bianco (autor do Fúria, Bianco, Dardo e Futura) e Anísio Campos (DKW Carcará, AC, Kadron, Dacon, Óbvio!).

Hoje o design brasileiro de automóveis se encontra numa fase florescente. A qualidade do nosso desenho é reconhecida, o profissional brasileiro é requisitado no exterior, departamentos de estilo se popularizam nas nossas empresas, ainda que com equipes reduzidas, e fabricantes estrangeiros começam a definir as filiais brasileiras como centros de desenvolvimento mundial de produtos específicos.

A projeção externa do profissional brasileiro de design, fruto não apenas da qualidade de sua formação, mas principalmente do reconhecimento internacional da nossa criatividade e versatilidade, pode ser simbolizado por Raul Pires Jr.: paulista formado em desenho industrial pela Universidade Mackenzie, estagiário na VW, em 1994 submeteu seu currículo à tcheca Škoda (adquirida em 1991 pelo grupo Volkswagen); contratado, foi o responsável pelo modelo Fabia. No ano 2000 transferiu-se para a britânica Bentley (também da VW); promovido a gerente de design, ganhou destaque mundial como coordenador do projeto do belo Bentley Continental GT, lançado em 2002 no Salão de Paris.

Outros o seguiram, como os irmãos gêmeos paulistanos Marco Antonio e José Carlos Pavone, hoje chefes de equipes de design em Wolfsburg e na Califórnia, ambos pela Volkswagen: o primeiro foi responsável pelo projeto conceitual do moderníssimo up!; o segundo, também servindo às demais marcas do Grupo, traçou as linhas da versão do Passat para o mercado norte-americano.

Também na engenharia de produto os brasileiros começam a se projetar no exterior, a exemplo de Marcos Lameirão (filho do piloto Chico Lameirão), responsável pelo desenvolvimento dos carros esportivos e de competição da britânica Ginetta. Enquanto isto, novos talentos vão surgindo e suas competências sendo expostas ao julgamento do mercado internacional: cresce nossa presença em competições de estilo – e a cada dia é mais freqüente um nome brasileiro na lista de vencedores.





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