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Em 1959 a norte-americana Oliver se candidatou junto ao GEIA a instalar uma linha de fabricação de tratores agrícolas pesados no Brasil, obrigando-se a atender índice de nacionalização inicial de 70% (95%, em três anos), segundo a legislação vigente na época. Seu projeto, que contemplava um trator de 3,5 t com motor Perkins de 80 cv não foi, entretanto, selecionado pelo órgão. Do mesmo processo participaram outros 19 fabricantes estrangeiros, entre os quais a também norte-americana Case, associada ao grupo nacional Indústrias Pereira Lopes S.A. (fabricante dos refrigeradores Climax), que foi um dos dez escolhidos no certame. Tendo a Case desistido do empreendimento, foi a Oliver então convocada a substituí-la.
OLIVER Criada em meados do século XIX, a norte-americana Oliver produzia implementos agrícolas quando, em 1929, foi adquirida pela Hart-Parr, que desde 1902 fabricava tratores. Naquele mesmo ano foram absorvidas mais duas empresas do setor, a fusão das quatro originando a Oliver Corporation. Em novembro de 1960 – enquanto procurava se instalar no Brasil – a Oliver tornou-se subsidiária da White, fabricante norte-americano de caminhões pesados. Nos anos seguintes a White assumiu o controle de duas outras empresas produtoras de tratores (Cockshutt e Minneapolis-Moline), passando a compartilhar modelos e componentes entre as várias marcas. Ao longo do tempo a Oliver perdeu autonomia no grupo e deixou de projetar as próprias máquinas, passando seu nome a ser usado em modelos de outros fabricantes, inclusive importados. Em 1972 a marca Oliver deixou de ser utilizada.
Em conseqüência, em novembro de 1960 foi criada a Companhia Brasileira de Tratores – CBT, com capital 100% nacional, ainda com a participação da Pereira Lopes, desta vez associada à Mesbla. A produção foi iniciada em 1961, em São Carlos (SP), já com o elevado índice de nacionalização de 78,8%: era o modelo 950, de 3,7 t, com motor diesel Mercedes-Benz OM-321, de seis cilindros, 5,1 litros e 72 cv, seis marchas à frente e duas a ré e freios a disco duplos na saída do diferencial. Com capacidade máxima de tração de 5 t (com contrapeso e água nos pneus), este foi o primeiro trator pesado fabricado no país.
Três anos depois o 950 ganhou mais potência, com um motor Perkins de 80 cv, sendo renomeado 1020; a este modelo, já 100% nacional, seguiram-se o 1090 (5,5 t, 90 cv, também Perkins) e o 1105 (mesmo peso porém motor Mercedes-Benz de 105 cv), ambos com porte e potência adequados para tracionar implementos pesados, inclusive para construção.
Até 1971, dez anos após o arranque da fábrica, a CBT produziu 14.340 tratores, pouco mais de 10% do total do país, no período. Respondendo por quase um terço do mercado anual de unidades pesadas, era a única firma de capital brasileiro ainda com participação expressiva no setor. A essa altura os vínculos com a Oliver já haviam sido desfeitos e a CBT passara a desenvolver seus próprios produtos, inclusive scrapers hidráulicos rebocados, lançados no final daquele ano.
Em 1975, além dos dois tratores pesados (1090 e 1105), a CBT dispunha de dois modelos leves – o 1000 (lançado em 1970, com 2,7 t, bitolas reguláveis, motor Perkins de 56 cv) e o 1065(motor Mercedes-Benz de 59 cv). A publicidade da empresa destacava a resistência de seus produtos, lembrando que eram “os únicos tratores brasileiros de rodas com chassi“.
A CBT veio mantendo nível de produção crescente ao longo da primeira metade da década de 70, correspondente à média de 19% do setor (com um pico de 23,1% em 1974), até sofrer um golpe que se revelaria mortal: em 1977, com o retorno da Ford ao mercado brasileiro de tratores pesados, a produção da CBT despencou em mais de 69% – 8.059 unidades a menos do que em 1976, praticamente o mesmo volume fornecido pela Ford no ano (8.826). Nos anos seguintes, contudo, a CBT começou a reagir e, das apenas 3.594 unidades produzidas em 1977, em 1980 já duplicara esta quantidade, entregando 7.130 tratores.
A violenta crise econômica que abalou o país a partir de 1980, com reflexos importantes sobre a agricultura, dificultou a retomada da empresa, que mal começava a se recuperar da queda anterior. A recessão, que reduziu em 33% a produção nacional entre 1980 e 1981, provocou uma queda de quase 62% na CBT, economicamente o mais frágil entre os fabricantes de tratores agrícolas do país: com apenas 2.740 unidades produzidas em 1981 a empresa jamais voltaria a atingir os níveis obtidos no início da década anterior.
Uma das características da CBT era a elevadíssima verticalização, favorecida por sua capacidade de projeto e pela disponibilidade de uma grande fundição própria, o que conferia à empresa certa flexibilidade no lançamento de novos produtos em momentos de contração do mercado. Desta forma pode manter ao longo da década de 80 um permanente movimento de ampliação e diversificação de sua linha de produtos.
Em 1981 apresentou os modelos 3000 e 3500 Álcool, equipados com motores Dodge de ciclo Otto, anunciados como “a primeira frota de tratores a álcool do mundo” – porém sem sucesso. Continuamente foram lançadas as séries 2000, 4000 e 8000 diesel, em diversas versões, sempre com motorização Perkins, Mercedes-Benz e mais tarde MWM. Em 1986 saiu o primeiro trator 4×4 da marca, o modelo 8060, com motor Mercedes-Benz de 110 cv e eixo dianteiro ZF que, segundo a empresa, oferecia o menor raio de giro da categoria.
A CBT, no entanto, tinha projetos muito mais ousados: fabricar seus próprios motores e, com eles, lançar uma linha de utilitários, tratores leves e, mais adiante, caminhões e ônibus. Teriam transcorrido oito anos de desenvolvimento, até que tais planos fossem comunicados á imprensa, em junho de 1985; segundo a empresa, em dois anos e meio suas instalações estariam preparadas para iniciar a fabricação dos motores. Três foram as unidades desenvolvidas, todas de ciclo diesel a quatro tempos, de baixa rotação: DM 301 (3 cilindros, 2.940 cm3 e 55 cv), DM 401 (4 cilindros, 3.922 cm3 e 73 cv) e DM 602 (6 cilindros, 5.883 cm3 e 106 cv). No processo, a CBT chegou ao extremo em sua estratégia de verticalização, projetando e fabricando as bombas injetoras e os turbocompressores para os novos motores (até mesmo diversas máquinas utilizadas no processo produtivo eram de construção própria).
O primeiro veículo a ser lançado com os novos motores seria um utilitário, um “veículo de apoio rural“, batizado Javali. Pronto desde 1987, o carro foi apresentado no XV Salão do Automóvel, no final do ano seguinte, ainda como protótipo. O lançamento do Javali, que foi o primeiro jipe turbo do país, só de daria em 1990. Sua carroceria, de chapas de aço planas, com portas metálicas, santantônio e capota de lona, era de linhas rústicas e angulosas, porém espaçosa e com bancos confortáveis. O estepe ficava numa posição original, na lateral esquerda, adiante do motorista.
A mecânica era montada num chassi tradicional, tipo escada, com eixos rígidos Dana e molas semi-elípticas, freios a disco na frente e a tambor na traseira. O motor CBT turbo de 3 cilindros, acoplado a uma caixa Clark de quatro velocidades, desenvolvia 84 cv. Pesando 1.755 kg, o Javali tinha capacidade de carga de 750 kg, 24 cm de vão livre, permitindo vencer vaus de 60 cm, capacidade de rampa de 60% e 30% de inclinação máxima. O jipe era fabricado pela MPL Motores S.A., instalada em Ibaté (SP), subsidiária criada pela CBT especialmente para a produção de motores e utilitários.
A imprensa especializada, testando o Javali, elogiou seu comportamento fora-de-estrada (tinha torque superior ao do Toyota Bandeirante e Engesa EE-15) e, principalmente, seu atrativo preço de venda – era o mais barato utilitário nacional, custando 25% a menos do que o Toyota e 40% a menos do que o Engesa. O carro também tinha defeitos: era barulhento, com direção (não assistida, de setor e sem-fim) extremamente pesada, freios muito duros pela falta de servofreio, engate difícil da reduzida e tração dianteira de acoplamento manual no cubo das rodas. Apesar de algumas qualidades, o Javali era um projeto tosco e ultrapassado e, como se veria, de baixa qualidade de fabricação. Teve acolhida discreta, ainda assim vendendo cerca de 200 unidades no ano do lançamento.
Em 1991 a gama da CBT compreendia sete modelos de tratores, entre 4,3 e 6,8 t de peso e 83 e 118 cv de potência, três deles com tração integral: dois eram equipados com motor aspirado Perkins (8240 e 8260 4×4, respectivamente com quatro e seis cilindros, 83 e 118 cv, 4,8 e 6,8 t), dois com motor MWM (8440 e 8450 4×4, com quatro cilindros aspirado e turbo, 83 e 100 cv, 4,3 e 6,0 t) e três com Mercedes-Benz (2105, 8060 e 8060 4×4, seis cilindros aspirado, 110 cv e, respectivamente, 5,3, 6,2 e 6,8 t). Todos vinham com câmbio não sincronizado de seis marchas à frente e duas a ré e direção hidráulica. Na época a empresa se preparava para lançar seu maior e mais potente trator, o modelo 9270 4×4, com 8,7 t, motor Perkins turbo de seis cilindros e 145 cv e caixa de doze marchas à frente e quatro a ré.
Afastada da realidade, a ambiciosa política de investimentos da CBT cobraria seu preço. As vendas de tratores estavam estacionadas em torno das 3.000 unidades anuais, enquanto seus concorrentes vendiam cinco ou seis vezes mais. No início da década seguinte, as medidas liberalizantes do governo Collor escancaravam o mercado brasileiro aos veículos estrangeiros; enquanto isso, no uso diário os jipes Javali mostravam seus defeitos, provando à empresa – ainda que esta não o reconhecesse – que o desenvolvimento de automóveis e seus periféricos era tarefa muito mais complexa do que poderia imaginar.
No final de 1993 foi suspensa a fabricação do Javali; a produção de tratores caía continuamente (de 883 unidades em 1991 para 214 em 1994), cessando totalmente em 1995. Em outubro de 1997 a CBT teve a falência decretada. Os trabalhadores, cujo salário acumulava até dois anos de atraso, assumiram a massa falida. Ainda tentaram firmar acordo com a empresa soviética Lada para construir seus veículos no Brasil mas não lograram sucesso. Finalmente, em março de 2000, os imóveis de São Carlos foram vendidos à TAM, que ali instalou seu Centro Tecnológico e um excepcional museu aeronáutico. Cerca de 111.000 tratores e um milheiro de jipes foram fabricados pela CBT em seus pouco menos de 35 anos de existência.