ALFA ROMEO |
A famosíssima Alfa Romeo teve uma trajetória sinuosa e atípica no Brasil, pois a maior parte do tempo em que seus veículos foram aqui produzidos tal ocorreu por vias indiretas, através de direitos de fabricação cedidos a terceiros. Apenas por poucos anos, entre 1968 e 1976, a empresa italiana administrou diretamente a produção brasileira.
Os primeiros Alfa Romeo nacionais foram caminhões pesados, fabricados sob licença pela FNM a partir do início da década de 50 – bem antes de oficialmente constituída a indústria automobilística brasileira, portanto. Mais adiante, em 1957, já no âmbito do processo de seleção de novos fabricantes coordenado pelo GEIA, foi aprovado o projeto da Fabral, destinado à nacionalização do automóvel Alfa Romeo 1900 (então o modelo sedã mais caro da marca), com produção prevista de 8.500 unidades anuais a partir de 1961. A Fabral – Fábrica Brasileira de Automóveis Alfa – era uma sociedade formada por um dos herdeiros da família Matarazzo (na época, controladora do maior grupo industrial brasileiro), com participação minoritária da Alfa italiana. Antes do fim de 1958, porém, a Fabral desistiu do projeto e a FNM assumiu a licença conferida pelo GEIA; com base nela, dois anos depois a FNM viria a lançar o modelo JK.
A chegada oficial da Alfa Romeo ao Brasil aconteceu em maio de 1968, com a privatização da FNM, adquirida pelos italianos por apenas US$ 36 milhões, em meio a uma operação muito questionada pela imprensa e pelo poder legislativo. Coincidentemente, na mesma época a Alfa Romeo italiana (empresa de capital público controlada pelo governo) negociava sua associação com a Fiat, que ainda não se instalara no Brasil, levantando suspeitas de que a compra da FNM representaria apenas a “abertura das portas” para a subseqüente chegada da Fiat. Se aquele foi um movimento premeditado não pode ser comprovado. A verdade é que, como logo se veria, as conseqüências foram as esperadas: em 1973, Fiat e Alfa assinavam um “acordo” segundo o qual a primeira assumia 43% do capital da Alfa brasileira em troca do direito de utilizar as instalações da FNM para aqui fabricar sua linha de caminhões. Finalmente, em 1976, poucos meses após o lançamento dos primeiros caminhões Fiat nacionais, a firma assumiria o controle total da FNM, mudando a marca de seus produtos para Fiat Diesel.
Voltemos a 1968. Ao adquirir a Fábrica Nacional de Motores, tanto a marca FNM como a produção dos antigos caminhões e automóveis foi mantida pela Alfa Romeo. Falou-se desde o início, entretanto, no lançamento de novo automóvel, um carro médio com características esportivas, especulando-se fortemente na Alfa Giulia 1600, com lançamento “praticamente certo” para 1972. A partir de 1971, porém, o foco se voltou para o Alfasud, o menor modelo da marca, com tração dianteira, que a Alfa começaria a produzir no ano seguinte em sua nova fábrica no sul da Itália. Ainda em 1971 a imprensa italiana fotografou outro modelo inédito em testes, “especialmente projetado para ser fabricado no Brasil“. A notícia estava correta: tratava-se de uma versão 30 cm mais longa do Alfetta, que seria logo a seguir lançado na Itália e viria a ser o primeiro (e único) automóvel fabricado no Brasil sob a marca Alfa Romeo.
O Alfa Romeo 2300 foi lançado em março de 1974, com índice de nacionalização de cerca de 85% e produção diária inicial de 15 unidades. O interesse na fabricação local do Alfasud foi mantido, com o horizonte estendido para 1976. Para isto seria necessária a construção de uma nova usina com capacidade de 70.000 veículos por ano, assunto que vinha sendo discutido com o CDI; quanto ao terreno, a empresa negociava com o Estado do Rio de Janeiro uma área na zona oeste da capital, mas, a exemplo do que então acontecia em Minas Gerais com a Fiat, exigiu do governo fluminense uma série de benefícios para lá se instalar, pretensões consideradas inaceitáveis pela Administração Estadual. Embora o Alfasud continuasse a ser cogitado por mais dois ou três anos, o projeto acabou sendo abandonado.
Com o 2300 a Alfa Romeo pretendia disputar a faixa média-superior do mercado com o Chevrolet Opala e o Ford Maverick. Sedã de quatro portas com carroceria monobloco, o carro apresentava mecânica atualizada, seu motor 2.3 com duplo comando de válvulas na cabeça e carburador duplo corpo tornando-o o “quatro cilindros” mais potente do país. O carro já incorporava alguns modernos itens de segurança: freios a disco nas quatro rodas com servofreio a vácuo e modulador de frenagem na traseira, pneus radiais, carroceria com estrutura diferenciada, cintos de segurança de três pontos à frente (primeiro carro nacional a utilizá-los) e coluna de direção articulada. O painel de instrumentos era o mais completo dentre os nacionais e o sistema de ventilação interna, dos mais eficientes. Em novembro foi apresentada uma versão ainda mais bem cuidada, o 2300 Executivo.
O PRIMEIRO ALFA ROMEO 2300: SUA FICHA TÉCNICA: carroceria monobloco, cinco lugares, porta-malas com 436 litros, 3,83 m de comprimento; motor longitudinal dianteiro refrigerado a água, com quatro cilindros em linha, 2.310 cm3, 140 cv; tração traseira com caixa manual de cinco marchas; direção mecânica; suspensão independente na dianteira (braços triangulares e molas helicoidais) e eixo rígido na traseira, com barras tensoras e molas helicoidais); freios a disco nas quatro rodas.
Submetido ao tradicional teste de 30.000 km da revista Quatro Rodas, o Alfa demonstrou desempenho e durabilidade dos órgãos mecânicos adequados, porém apresentou inúmeros defeitos elétricos, além de má vedação, freqüentes problemas com o cabo do acelerador e, o mais grave, quebra do diferencial aos 13.000 km – denunciando o ineficiente sistema de controle de qualidade de componentes e montagens da FNM. Outro sério problema, não detectado pelo teste mas surgido com o tempo, seria o da ferrugem precoce causada por um tratamento anticorrosivo igualmente deficiente.
Em maio de 1976 a FNM lançou o primeiro caminhão Fiat fabricado em suas instalações. Em outubro, como já citado, a Alfa Romeo vendia todas as suas ações à Fiat, que passava a assumir o controle integral da FNM, encerrando a curta existência da Alfa Romeo como fabricante no Brasil. O modelo 2300 continuaria a ser produzido pela Fiat por um longo período.
As primeiras modificações no carro surgiriam naquele mesmo ano, no X Salão do Automóvel, com os modelos 2300 B e 2300 ti, versões ainda mais luxuosas do 2300 (que deixava de ser produzido). A grade dianteira diferenciava os dois carros : 2300 ti (versão mais esportiva), com dois frisos horizontais cromados, e 2300 B, sem nenhum friso. Em ambos os modelos a grade triangular, típica da Alfa, cresceu em largura, as maçanetas das portas foram embutidas e pintadas de preto e as lanternas traseiras duplicaram de tamanho em altura e tiveram incorporada a luz de ré. Na parte mecânica foi grande o número de pequenas alterações: ajustes na ignição eliminando a necessidade de uso de gasolina especial, novos condutores de escape, mudança no sistema de embreagem, mais calços no motor, rebaixamento da suspensão, ancoragens transversais no eixo traseiro, utilização de pedais suspensos. Internamente foram utilizados novos revestimentos, o painel foi redesenhado e acolchoado, o volante de material rígido foi substituído por outro, emborrachado e regulável (pela primeira vez no país), os comandos das luzes e do limpa-brisa passaram do painel para a coluna de direção.
No 2300 ti os aperfeiçoamentos chegaram ainda mais longe: no interior, painel mais completo, cintos de três pontos e apoios para a cabeça também no banco de trás (único carro nacional a tê-los), ar condicionado de série com saídas para o banco traseiro, limpador com temporizados e esguicho elétrico. No motor, dois carburadores duplo corpo, aumentando a potência para 149 cv e permitindo-lhe a maior velocidade máxima do segmento. Externamente, além dos dois frisos na grade, para-choques guarnecidos de garras de borracha e alongados até o arco das rodas e, na frente, alojando as lanternas. Para identificar seu caráter “esportivo”, a Fiat fixou na base da última coluna do ‘ti’ o escudo do trevo de quatro folhas, símbolo dos modelos top da Alfa Romeo italiana. O objetivo da empresa, com os dois novos modelos, além de viabilizar sua exportação para a Europa, foi reposicioná-lo no mercado interno, elevando-o à categoria dos carros de luxo, agora concorrendo com o Ford Landau e com Dodge Dart e não mais com Opala e Maverick.
Em 1978 o Alfa deixou de ser construído na Fiat Diesel, sendo sua linha de montagem transferida para a Fiat, em Minas Gerais (a nova origem foi registrada numa placa afixada no pára-lama dianteiro esquerdo do carro). A mudança foi vital para o 2300, pois a partir daí o carro pode utilizar o moderno processo de pintura da fábrica mineira, eliminando o grave ataque de corrosão que os exemplares mais antigos vinham sofrendo.
Apesar de ter apresentado um protótipo Executive no XI Salão, apenas dois anos depois, em 1980, a Alfa voltaria a mostrar novidades. Os concorrentes se modernizavam e a Fiat reagiu com a apresentação do SL (de ‘super luxo’ – sem o número 2300) e do 2300 ti 4, em substituição ao 2300 B e 2300 ti. Ambos incorporavam alguns itens (opcionais no SL e de série no ti 4) que começavam a se tornar corriqueiros na concorrência mas que ainda não haviam sido incorporados ao 2300: direção assistida progressiva, cintos dianteiros retráteis, vidro térmico traseiro com cortinas de enrolar e antena impressa no para-brisa. O acabamento interno foi melhorado. Externamente, ganhou para-choque pretos, com os piscas dianteiros a ele integrados, e um friso de borracha nas laterais, dando a sensação de maior leveza visual ao carro.
Embora já fosse o carro de série mais caro do país, o 2300 continuava padecendo dos mesmos defeitos de qualidade de sempre; também se mantinha o deficiente atendimento da rede autorizada. Ainda assim, pela primeira vez ultrapassou o Ford Landau na preferência dos compradores, com sua pequena produção (menos de 1.900 unidades, naquele ano) respondendo por 25% do mercado de luxo do país.
Em maio de 1981, valendo-se da sua experiência como pioneira mundial no desenvolvimento do carro a álcool, a Fiat lançou o 2300 Álcool ti (apesar do nome, era derivado do SL, e não do ti). O carro recebeu os cuidados usualmente dispensados a veículos adaptados ao novo combustível, como alterações no motor (aumento da taxa de compressão, velas mais “frias”) e nos sistemas elétrico (troca do alternador de 45 para 55 A) e de alimentação (instalação de sistema de partida a frio, recalibragem do carburador único, dispositivos para aquecimento da mistura, tratamento anticorrosivo na bomba de combustível, tanque e dutos); as alterações elevaram a potência do motor para 145 cv. Com o modelo a álcool a Alfa também passou a oferecer retrovisor esquerdo com comando interno e, opcionalmente, revestimento em couro. Com o modelo 1982 foi introduzido um novo diferencial, mais moderno, silencioso e resistente (uma queixa recorrente nos testes com o carro era o elevado nível de ruído interno, basicamente provocado pelo diferencial; além disso, era o órgão mecânico que apresentava o mais elevado índice de avarias, tendo quebrado durante testes efetuados pelas duas principais revistas especializadas do país – Quatro Rodas e Autoesporte).
Em 1983, a Crise do Petróleo já obrigara o abandono da produção do Landau e dos modelos de luxo da Chrysler, a concorrência ao Alfa 2300 então se resumindo ao Opala e ao Ford Del Rey: nos testes comparativos com todos eles o Alfa se mostrava superior na maioria dos quesitos. No início daquele ano, em meio a fortes boatos de interrupção da produção do 2300, a Fiat apresentou mais algumas melhorias no carro: acionamento elétrico dos vidros, travamento elétrico das portas e da portinhola do combustível, garras dos para-choques mais largas, nova faixa decorativa na base das colunas traseiras, calotas (o 2300 nunca as havia utilizado) e leve mudança no desenho traseiro, eliminando o rebaixo existente na tampa da mala (que ganhou uma faixa de alumínio) e criando outro para encaixar a placa de matrícula. Únicas alterações mecânicas de monta: elevação da taxa de compressão, instalação de ignição eletrônica e servofreio com maior diâmetro.
O “canto do cisne” da Alfa Romeo no Brasil foi o modelo 1985, aquele que recebeu as mais significativas intervenções de estilo nos mais de dez anos de vida do carro. Tendo implicado em investimentos nada desprezíveis, o modelo 85 parecia apontar para a determinação da Fiat em manter o Alfa em linha por mais longo tempo. Na linha 2300 (agora resumida ao modelo ti nas versões álcool e gasolina) eram totalmente novos a larga grade dianteira, as lanternas traseiras (maiores, mais salientes e incorporando luzes de placa) e os para-choques metálicos com polainas plásticas (um modismo que veio para ficar: barateava a produção e baixava a qualidade do produto). De resto, os apoios do motor foram reposicionados, o sistema de comando do acelerador substituído, os amortecedores recalibrados e o motor de arranque trocado por outro mais potente; internamente, apenas novo banco traseiro, novo volante, tapetes mais espessos e melhor isolamento termo-acústico.
A concorrência, entretanto, avançava rapidamente, lançando veículos modernos como nunca: Chevrolet Monza, VW Santana, a própria Fiat, com o Uno de enorme sucesso. O confronto com os novos produtos que chegavam ao mercado acentuou o envelhecimento do Alfa Romeo nacional: um carro que custava muito para o que oferecia, com estilo e projeto defasados – peso excessivo, motor antiquado, consumo elevado; um carro com qualidade discutível que, apesar do esforço da Alfa e depois da Fiat em torná-lo cada vez mais luxuoso, jamais se livrou da maior parte dos seus problemas de nascença nem da incapacidade da rede de assistência cuidar do carro. No último mês de 1986, ainda o automóvel de série mais caro do país e o único com freio a disco nas quatro rodas, o Alfa Romeo 2300 abandonava a linha de produção, depois de fabricadas pouco menos de 30.000 unidades em quase 13 anos de vida.