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O Centro Técnico da Aeronáutica (hoje Centro Técnico Aeroespacial, vinculado ao Ministério da Defesa) foi concebido em 1941, pelo Ministério da Aeronáutica, logo após a criação da Pasta durante o primeiro governo de Getúlio Vargas. O projeto do CTA previa a instalação de um campus em São José dos Campos (SP), composto por dois institutos científicos dedicados ao ensino superior e à pesquisa em engenharia aeronáutica. O primeiro deles, inaugurado em 1950, foi o ITA – Instituto Tecnológico da Aeronáutica, hoje uma das instituições líderes do hemisfério sul no ensino de engenharia; três anos depois foi constituído o IPD – Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento, núcleo que permitiu o surgimento, nas décadas seguintes, da pujante indústria aeroespacial brasileira.
Por diversos momentos o CTA esteve presente na história da indústria automotiva brasileira, desde a cessão de seu túnel de vento a empresas do setor (o Brasinca Uirapuru foi lá testado) até o projeto de veículos completos (tal como o caminhão para combate a incêndio em aeroportos, fabricado pela Jamy), passando por sua importante participação, como órgão coordenador, no desenvolvimento do primeiro (e único) motor a álcool de concepção totalmente nacional. Além disso, era nos bancos de provas do departamento de motores do CTA que, nos idos dos anos 60, a indústria automobilística aferia o desempenho dos seus motores e testava as alterações neles introduzidas. Também o laboratório de estruturas e o setor de eletrônica foram freqüentemente utilizados pelos fabricantes.
O desenvolvimento do motor a álcool foi motivado pela primeira Crise do Petróleo, em 1973, motivaria a criação do Pró-Álcool e trinta anos depois viabilizaria a difusão dos motores multiflex no país. Por razões estratégicas, desde a década de 50 o CTA pesquisava a utilização do álcool etílico como combustível, sendo por isso lhe solicitado pelo CNP e STI, em 1973, avaliar a real potencialidade do combustível como substituto da gasolina e, num segundo momento, do óleo diesel. Após apresentar os resultados iniciais, apontando a viabilidade de operar a totalidade da frota nacional de automóveis com misturas de até 20% de álcool na gasolina, a equipe do CTA, coordenada pelo professor gaúcho Urbano Ernesto Stumpf, passou a se dedicar à transformação dos motores do ciclo Otto disponíveis no mercado ao uso exclusivo do novo combustível.
Os conhecimentos recolhidos nas pesquisas anteriores foram aplicados a um Dodge 1800 cedido pela Chrysler, transformando-o no primeiro automóvel do país exclusivamente alimentado a álcool. Concluídos os testes práticos, em 1976, o CTA apontou diversos aspectos específicos do combustível, então pouco divulgados e hoje de conhecimento generalizado: octanagem mais alta e maior poder corrosivo do álcool; maior consumo diante da gasolina mas também maior potência; reduzido índice de emissões; nos motores, necessidade de elevação da taxa compressão, mudança no ponto da ignição, recalibragem dos carburadores e dificuldade de partida a frio. Entre outubro e novembro o Dodge 1800 e mais um Volkswagen 1300 e um Gurgel, também transformados pelo CTA, participaram de um raid de 8.000 km, entre São José dos Campos e Manaus, ida e volta, sem incidentes, dando visibilidade nacional ao projeto e à nova tecnologia.
No final da década o CTA já havia concluído o projeto de conversão dos motores a gasolina da maioria dos fabricantes brasileiros (Chevrolet 2.4, Dodge Polara, Ford Corcel e V8 e todos os modelos Volkswagen), correspondendo a mais de 80% da frota circulante no país. (A Fiat desenvolveu seu próprio projeto; submetido ao CTA, revelou consumo excessivo e teve que ser alterado.) Para atender a regiões com dificuldade de abastecimento de álcool, o CTA iniciou o desenvolvimento daquele que provavelmente foi o primeiro flex brasileiro (então chamado motor reversível), uma unidade com duplo sistema de carburação (numa época de informatização quase inexistente) que podia funcionar com álcool ou gasolina.
Quanto aos veículos comerciais, após inicialmente explorar as possibilidades e limitações de misturas bicombustível em motores do ciclo Diesel, CTA e STI optaram pelo desenvolvimento de uma unidade pesada totalmente nova, especialmente projetada para uso do álcool, para futura aplicação no transporte de carga e passageiros. Seria um motor do ciclo Otto com cerca de 240 cv, produzido em pequena série de 100 unidades a fim de ser testado em situação real, montado em chassis de ônibus especialmente projetados para o transporte urbano de passageiros. (Lembremos que, na época, estava sendo gerado o programa nacional de melhorias nos transportes coletivos urbanos, que desembocaria no incentivo à troncalização e integração dos sistemas e na criação do ônibus padron; assim, a iniciativa do CTA-STI só veio a somar com a da EBTU.) Os recursos federais, no entanto, começavam a minguar, e com grande atraso o primeiro protótipo do motor foi concluído e testado: denominado MCOE (Motor Ciclo Otto Etanol), era um V8 refrigerado a água com 6.650 cm3, bloco de ferro fundido, quatro cabeçotes (cada um para dois cilindros), dois carburadores descendentes de corpo simples, comando de válvulas central e ignição eletrônica.
As vantagens demonstradas pelo motor Otto a álcool sobre os diesel convertidos foram menor peso, menor custo e índice de emissões mais reduzido. Sua viabilização comercial, no entanto, exigiria alterar a política de preços relativos dos combustíveis em vigor no país, que sempre subsidiou o diesel por seu caráter essencial na matriz brasileira de transportes. Assim, agravada pela redução de verbas, a pré-série de 100 motores não foi fabricada e a Villares, que se interessara em participar do projeto, acabou por desistir. Pouco depois, em 1987, a Avibrás, empresa do setor aeroespacial também instalada em São José dos Campos, decidiu assumir a iniciativa. Eram seus planos conquistar 10% do mercado nacional com o que chamou Ônibus Urbano Brasileiro. Tanto o motor como a estrutura e os diversos componentes mecânicos seriam fabricados pelas próprias empresas do Grupo, que para isso construiria uma linha de produção para dez mil unidades/ano. Antes do final da década, porém, a crise que praticamente dizimou a indústria bélica nacional (da qual a Engesa foi a maior vítima) afastou a Avibrás do projeto.
Além do motor a álcool, entre 1982 e 86 o CTA também projetou o MBR (Motor Brasileiro a Gás Natural), para uso de biogás ou GNV. Alcançando 205 cv, era ainda mais “limpo” do que o MCOE; testes comparativos com motores diesel indicaram 95% menos emissões de hidrocarbonetos, 91% de monóxido de carbono, 30% de óxido de nitrogênio e nenhum enxofre nem particulados. Diante do motor M-366 G a gás da Mercedes-Benz, um diesel transformado em Otto em testes havia anos junto a diversas operadoras de transportes urbanos do país, a unidade do CTA era 31% mais potente e 50% mais leve. Testado em ônibus Mafersa, o MBR acabou por interessar à empresa, que em 1987 iniciou entendimentos com o CTA para fabricá-lo em suas instalações industriais. A inclusão da Mafersa no programa nacional de privatização, porém, levou à imediata suspensão das negociações e ao cancelamento do plano. Assim, a despeito da qualidade de concepção e dos recursos despendidos, nenhum dos motores desenvolvidos pelo CTA foi industrializado.
De forma diversa, projetando e construindo protótipos em resposta a demandas curriculares nos cursos de graduação em engenharia, também os alunos do ITA trouxeram sua contribuição para a história do automóvel brasileiro. Três realizações são dignas de destaque. A primeira, de 1988, foi o utilitário Manacá, montado sobre um chassi Willys cedido pela Aeronáutica, cuja carroceria monobloco foi construída em resina de poliéster reforçada com fibras naturais (especialmente de bananeiras) em lugar de fibra-de-vidro. As outras foram os dois primeiros carros brasileiros movidos a energia solar: The Banana Interprise, de 1993, e SunBA, desenvolvido ao longo do ano seguinte. Dotado de três rodas de bicicleta, estrutura tubular feita em material aeronáutico e carroceria de fibra-de-vidro “recheada” com isopor, o SunBA tinha 1,1 m de altura, 4,0 m de comprimento e 200 kg, apresentando o reduzidíssimo índice de penetração aerodinâmica de 0,118. Projetado para participar da edição 1996 da World Solar Challenge, percorreu em oito dias os 3.010 km que separam norte e sul da Austrália, país onde a prova é realizada. A energia solar era coletada por 702 células fotovoltaicas com capacidade de geração de 1.100 W, por sua vez alimentando um motor de somente 5 cv. A energia não utilizada na movimentação do veículo era armazenada em 12 baterias que, quando totalmente alimentadas, permitiam ao SunBA percorrer até 250 km.
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