CHRYSLER |
Menor dos “Três Grandes” – termo grandiloquente pelo qual era conhecida a trinca dos maiores grupos norte-americanos fabricantes de veículos – e, durante décadas, terceiro maior produtor mundial, a Chrysler Corporation teve origem em 1923, após a aquisição da Maxwell (empresa de 1904) pelo capitalista Walter P. Chrysler. O grupo teve rápido crescimento a partir de 1928, com a absorção da Dodge (fundada em 1914) e a simultânea criação das marcas De Soto, Plymouth e Fargo. Na década de 60 a Chrysler se voltou para a Europa, adquirindo o controle da Simca francesa, em 1963, e do Grupo Rootes (proprietário das marcas britânicas Hillman, Humber, Singer, Sunbeam, Commer e Karrier) no ano seguinte. Em 1987 assumiu a American Motors e a Jeep.
A despeito de, em vários momentos de sua história, ter brilhado pela liderança nos campos estilístico e tecnológico, a Chrysler passou a sofrer contínuos reveses a partir da compra da American Motors, o que acabou por levá-la, na passagem do século, a estado pré-falimentar. O esforço pela sobrevivência levou à eliminação de marcas (Plymouth, em 2001) e à venda de subsidiárias (ativos franceses e britânicos da Chrysler Europa, cujas linhas de veículos comerciais foram transferidos para a Renault e os automóveis para a Peugeot-Citroën). Mesmo a fusão com a alemã Daimler-Benz, em 1998, dando origem à DaimlerChrysler, não sobreviveu, sendo desfeita em 2007. A conseqüência inevitável foi a concordata, que alcançou a Chrysler em 2009.
A queda foi sustada em junho, mediante a assinatura de um compromisso de reestruturação com os governos dos EUA e Canadá e com o fundo de pensão do UAW – o sindicato dos trabalhadores da indústria automobilística -, então os três principais credores da empresa. O grupo italiano Fiat teve participação decisiva no programa de reestruturação, com injeção de significativa parcela de capitalização. Recuperado o equilíbrio financeiro, a Fiat adquiriu os restantes 41,5% de ações em mãos de terceiros, em janeiro de 2014 passando a assumir o controle integral da empresa norte-americana. Nova holding foi criada na Holanda para gerir as duas marcas – a Fiat Chrysler Automobiles. Em dezembro a filial passa a chamar-se simplesmente FCA US LLC, não mais trazendo Chrysler no nome.
Diversos modelos Chrysler, Dodge, Plymouth e Fargo, importados sob a forma SKD, foram montados no Brasil, ao longo da década de 30, pela carioca Chrysbraz, firma controlada pelos principais acionistas da Mesbla, e posteriormente, até meados da década de 50, também pela Brasmotor (em São Bernardo do Campo, SP, a partir de 1947), pela Cipan (Rio de Janeiro, RJ) e Cirei (Porto Alegre, RS).
Em um período de oito anos, a Brasmotor – a maior e mais bem equipada delas – montou mais de 3.500 automóveis e quase 12 mil veículos comerciais. O advento do GEIA e os incentivos do governo brasileiro à implantação da indústria automotiva no país não mobilizaram a Chrysler, levando-a a desprezar a proposta de instalação de uma fábrica conjunta, encaminhada em 1956 pela Brasmotor, igualmente inviabilizando as negociações com a Willys, no ano seguinte, visando a produção local de 6.000 unidades/ano do Plymouth Savoy, com 65% de nacionalização. (O projeto, a ser conduzido pela firma Chrysler-Willys do Brasil S.A., que não chegou a ser constituída, chegou a ser autorizado pelo GEIA em dezembro de 1957.)
Aquisição da fábrica Simca e lançamento dos primeiros Dodge nacionais
A vinda da Chrysler para o Brasil acabou ocorrendo através da Simca, aqui instalada desde 1958. Apesar de adquirir a matriz francesa em 1963, apenas três anos depois a empresa norte-americana assumiu o controle da Simca do Brasil, a partir de agosto de 1967 mudando sua razão social para Chrysler do Brasil S.A.. Os carros Simca passaram por profundo processo de revisão técnica, com melhoria do controle de qualidade e elevação da garantia para inéditos 36.000 km ou dois anos de uso. A reestruturação da empresa, com boa resposta de mercado (as vendas do primeiro trimestre de 1968 cresceram 220% com relação ao mesmo período do ano anterior), abriu a perspectiva de lançamento “em futuro mais distante” de um novo automóvel, de origem Chrysler (Valiant e Dart eram os modelos cotados; em junho de 1968 o último foi oficialmente confirmado como o escolhido). Para competir na faixa dos pequenos, a empresa pensava no Simca 1000 ou no Hillman Imp, ambos com motor traseiro, para cuja produção, no entanto, a antiga fábrica Simca de São Bernardo do Campo carecia de espaço.
Os primeiros produtos Dodge brasileiros – marca escolhida para representar o grupo no país – foram porém do segmento de carga: uma família de caminhões, apresentada no VI Salão do Automóvel, em novembro de 1968, para cuja industrialização foi adquirida a unidade industrial da International, em Santo André (SP), que cessara a produção quase três anos antes. Eram três os modelos, para 700 kg, 3,5 e 8 t: a picape D-100, o caminhão leve D-400 (o primeiro concorrente nacional ao Ford F-350) e o médio D-700. O primeiro a ser oficialmente lançado foi o Dodge 700, em maio de 1969. Caminhão de concepção tipicamente norte-americana, com cabine recuada, levava um grande motor V8 a gasolina, com 5.212 cm3 e 196 cv; possuía caixa de quatro marchas (opcionalmente cinco, a primeira não sincronizada), reduzida com acoplamento elétrico, direção não assistida e freios hidráulicos com auxílio a vácuo. Podia ser fornecido com três comprimentos de chassi (entre-eixos entre 3,68 e 5,00 m). Três meses depois foi lançado o D-400, com o mesmo motor, porém com potência elevada para 203 cv e caixa de quatro marchas (primeira não sincronizada). Em novembro, por fim, foi a vez da picape, com 198 cv, caixa de três marchas sincronizadas e suspensão convencional (eixos rígidos e molas semi-elípticas). A linha de veículos comerciais Dodge oferecia garantia de seis meses ou 12.000 km, a maior do segmento no país.
O Dodge Dart estrearia em outubro de 1969, com quatro portas e o motor mais potente e de maior torque do mercado (o mesmo do caminhão, com 198 cv), tornando-o o carro mais veloz então fabricado no país. Embora relativamente moderno (tratava-se de um modelo produzido até aquele ano nos EUA), o Dart tinha concepção tradicional, típica dos automóveis norte-americanos: grande porte, tração traseira, eixo rígido atrás, freios a tambor, câmbio de três marchas com alavanca de mudanças na coluna de direção e banco dianteiro inteiriço. Seu motor, apesar de grande e “beberrão”, inadequado para os tempos de crise de petróleo que logo chegariam, este sim tinha projeto atual (“superquadrado”, com pistões escavados e tuchos hidráulicos) e energeticamente eficiente. Apresentado apenas na versão standard, era um carro grande, porém menor (37 cm mais curto e 23 cm mais estreito) e 270 kg mais leve do que seu maior concorrente, o Ford Galaxie. O Dodge Dart conquistou o título de Carro do Ano 1970 da revista Autoesporte. Com o lançamento do Dart, cessou a produção dos carros de origem Simca.
O PRIMEIRO DART: SUA FICHA TÉCNICA: carroceria monobloco, quatro portas, seis lugares, bagageiro com 439 litros, 4,96 m de comprimento; motor longitudinal dianteiro refrigerado a água, com oito cilindros em V, 5.212 cm3, 198 cv; carburador duplo descendente; tração traseira com caixa manual de três marchas sincronizadas; direção mecânica; suspensão independente na dianteira (barras de torção longitudinais) e eixo rígido e molas semi-elípticas na traseira; freios hidráulicos a tambor.
O ritmo das novidades continuou intenso em 1970. Em janeiro foi apresentado o caminhão D-700 Diesel, com motor Perkins (seis cilindros em linha, 5,8 l e 140 cv) e, em março, as versões (a gasolina ou diesel) com terceiro eixo, elevando em quase oito toneladas sua capacidade de carga. No mesmo mês, em resposta ao lançamento do Ford Galaxie 500, a Chrysler apresentou o Dart na versão Super Standard, cerca de 20% mais barata do que o standard, sem frisos, calotas, rádio e garras nos para-choques e com acabamento interno simplificado (o modelo teria vida curta, vindo a ser descontinuado em 1972). Em outubro surgiu o Dart cupê, sem qualquer alteração mecânica com relação ao quatro portas porém com acabamento mais simples, com o objetivo de inseri-lo numa categoria de preço inferior à concorrência.
A Chrysler guardou para o VII Salão seus dois lançamentos mais importantes. No segmento dos veículos comerciais, o semi-pesado D-900, a gasolina ou diesel: com capacidade para 9 t (ou 22,5 t de tração) e utilizando os mesmos motores do D-700, possuía dupla redução no diferencial, cinco marchas, direção hidráulica opcional, rodas raiadas, pneus maiores (obrigando o alargamento dos para-lamas dianteiros) e freios a ar; estava disponível em quatro distâncias entre eixos. Na oportunidade, a picape recebeu uma versão luxo, com grade e frisos laterais cromados, o D-400 ganhou freios com hidrovácuo opcional e o D-700, radiador e tanque de combustível maiores e mais uma opção de comprimento de chassi.
O excitante cupê Charger
Dentre os automóveis, a grande novidade foi o Dodge Charger, com destaque para a excitante versão R/T (Road & Track). Seguindo o que era tradição da marca nos EUA – transformar automóveis de série em quase-esportivos – a Chrysler criou, a partir do Dodge Dart cupê, um dos carros mais marcantes da nossa ainda recente indústria automotiva. Foram profundas as alterações no R/T: 215 cv de potência, caixa com quatro marchas e alavanca de mudanças no assoalho, freios a disco à frente, bancos dianteiros individuais reclináveis. No Charger, modelo intermediário entre o R/T e o Dart cupê, a potência chegava a 205 cv, porém nas demais características seguia o cupê, inclusive no banco inteiriço (opcionalmente podiam ser instalados freios a disco na frente e câmbio automático). A carroceria era a mesma para ambas as versões, diferindo em detalhes: eram iguais na grade de barras horizontais cromadas, tomando toda a dianteira e encobrindo os faróis, na capota recoberta de vinil preto, nas colunas traseiras mais largas e inclinadas e nas novas cores, mais vistosas, com destaque para o amarelo-boreal que, de tão procurado, praticamente tornou-se a cor “oficial” do Charger R/T. Diferiam nas faixas negras na traseira do R/T, nas calotas (inexistentes neste modelo), nas bandas dos pneus (brancas no Charger e laranja no R/T) e nos acabamentos internos.
Para o restante da linha Dart (duas e quatro portas) passou-se a oferecer, como opção, direção hidráulica, freios a disco na frente, caixa automática, ar condicionado e estofamento em couro. Mudanças estéticas, apenas na grade e na parte inferior da tampa da mala, agora pintadas de preto. Em 1971, a pedido da Chrysler, a Brasinca projetou e construiu um protótipo de caminhonete a partir da estrutura do Dodge Dart de quatro portas; relegado a segundo plano, em função dos esforços para o lançamento do Dodge “pequeno”, o projeto acabou sendo abandonado.
O Dart e seus derivados logo conquistaram metade do mercado dos carros “de luxo”. O mesmo não ocorreu com a linha comercial, que não conseguiu se firmar e jamais alcançou fatia significativa: as picapes, por exemplo, que em 1971 representavam apenas 1% do segmento, caíram para menos de 0,7%, em 1974. Os caminhões, que começaram obtendo 5% do mercado, caíram para menos de 3,5% em 1973; no ano seguinte recuperou quase três pontos percentuais graças ao semi-pesado D-900, que se tornou o segundo mais vendido do país (10% do total), muito à frente dos equivalentes da Ford e Chevrolet, porém distante do primeiro lugar – a Mercedes-Benz, com 85% do mercado. Em meados de 1972 a Chrysler brasileira fabricou seu 10.000º veículo comercial e o 30.000º automóvel Dodge (o 50.000º chegaria um ano depois).
Nos anos seguintes ao lançamento, a linha de automóveis passou por mudanças superficiais. Para 1972, as faixas e superfícies em preto fosco mudaram de posição, saindo da mala e dos para-lamas traseiros para grade, capô e toda a lateral; o capô ganhou ainda dois fechos de segurança cromados, acentuando seu ar “esportivo”. Todos os modelos receberam luz de ré, lanternas de direção na cor âmbar e uma faixa, com o dístico Dodge, sobre a tampa da mala, além de novo painel e alguns melhoramentos no interior. Em torno da grade das duas versões do Charger foi adicionado mais um friso cromado; a grade dos Dart de duas e quatro portas, por sua vez, recebeu uma larga barra central cromada. Não houve alterações mecânicas.
Em maio foi lançada mais uma variante – o Dodge SE (Special Edition) – um cupê com acabamento mais simples do que os demais modelos, porém com detalhes para atrair o comprador mais jovem: cores vivas, sem frisos cromados, superfícies em preto fosco (grade, capô, traseira), bancos individuais e alavanca de marchas no piso. O interior era quase espartano e diversos itens de conforto foram eliminados (até mesmo o retorno automático do pisca-pisca); a mecânica era a mesma (198 cv, três marchas), mas os freios eram a tambor nas quatro rodas (a essa altura, toda a linha Dodge já dispunha, de série, de freios a disco na dianteira).
Para 1973 os cinco modelos Dart (os novos e mais luxuosos Gran Sedan e Gran Coupé, o sedã luxo, cupê luxo e SE) ganharam nova grade de material plástico, lanternas traseiras com lente única (em lugar das três seções anteriores) e painel decorativo xadrez na parte inferior da tampa do porta-malas. Os dois modelos top de linha chegaram com teto de vinil, novas lanternas sinalizadoras sobre os pára-lamas dianteiros, “super calotas” e painel revestido com laminado plástico imitando madeira. Charger R/T e LS (nova denominação do Charger “básico”) receberam alterações estéticas mais marcantes na dianteira, com a larga grade em padrão quadriculado subdividida em duas e faróis duplos embutidos; o capô perdeu os trincos de segurança mas ganhou duas falsas entradas de ar; na traseira, as novas lanternas do Dart e um painel decorativo em alumínio escovado. Os bancos de couro reguláveis foram redesenhados e alguns equipamentos ainda raros no país foram agregados como itens de série: lampejador do farol, controle remoto do retrovisor esquerdo e luzes de emergência.
O pequeno Dodge 1800
Todas estas novidades foram mostradas ao longo do último trimestre de 1972, tendo sido reservada para o VIII Salão do Automóvel, em dezembro, a apresentação oficial do Dodge 1800, o “pequeno” carro nacional da marca. Dentre os vários candidatos à nacionalização (além de modelos Simca e do Imp, o Mitsubishi Colt Galant e um inédito que estaria sendo estudado para os EUA), a empresa acabou optando pelo Hillman Avenger de duas portas, com motor dianteiro e tração traseira, projeto ortodoxo lançado na Grã-Bretanha em fevereiro de 1970 e desde o ano seguinte também fabricado na Argentina, na versão 1500 com quatro portas.
O 1800 foi colocado à venda a partir de abril de 1973, para isto tendo sido reestruturadas as linhas de montagem de São Bernardo do Campo e ampliada a usina de motores de Santo André. O carrinho tinha um motor com bloco e cabeçote de ferro fundido, porém relativamente moderno (“superquadrado” com cinco mancais, válvulas na cabeça com comando por corrente), e trazia dois itens de segurança que mal começavam a ser incluídos nos automóveis nacionais: coluna de direção retrátil e frente e traseira deformáveis.
O PRIMEIRO DODGE 1800: SUA FICHA TÉCNICA: carroceria monobloco, duas portas, cinco lugares, bagageiro com 298 litros, 4,09 m de comprimento; motor longitudinal dianteiro refrigerado a água, com quatro cilindros, 1.798 cm3, 78 cv; um carburador de corpo simples e fluxo descendente; tração traseira com caixa manual de quatro marchas sincronizadas; direção mecânica; suspensão dianteira independente (McPherson) e eixo rígido e molas helicoidais na traseira; freios hidráulicos a disco na frente e a tambor atrás.
Lançado em duas versões (de Luxo e GL – de Gran Luxo), o 1800 foi relativamente bem recebido pela imprensa especializada, que louvou sua estabilidade porém fez restrições à baixa potência, fraco desempenho e deficiente ventilação interna (as grelhas localizadas nas janelas traseiras eram meramente decorativas, não se comunicando com o interior do carro). Especialmente criticado foi o mau acabamento do carro – questão esta que se tornaria crítica na produção da empresa (todos os testes até então realizados pela revista 4 Rodas com os automóveis Dodge nacionais criticaram o descuido com o acabamento dos veículos, os ruídos precoces e a péssima vedação).
Seis meses após o lançamento a potência foi elevada para 82 cv, graças ao uso de novo coletor de admissão e de carburador horizontal importado da Inglaterra, que melhorou o desempenho (mas também elevou o consumo). Os defeitos derivados do mau acabamento e do deficiente controle de qualidade custaram muito a ser equacionados. Eram constantes as queixas de proprietários, em especial com relação a panes elétricas e do câmbio. A situação foi constatada pela mesma 4 Rodas em seu teste de 30.000 km (edição de fevereiro de 74), onde o Dodge 1800 apresentou um dos piores desempenhos dentre a enorme quantidade de carros avaliados pela revista: mais de 70 defeitos em dez meses de uso, 14 antes dos 1.500 km, diversos deles graves, como a quebra da alavanca de mudanças (quatro vezes) e a abertura do capô em alta velocidade (também quatro vezes). Além dos usuais problemas de vibração, vedação e sistema elétrico, houve críticas ao comportamento da suspensão e da direção e, principalmente, ao péssimo serviço prestado pela rede de oficinas autorizadas, quer “pela incompetência e má vontade dos concessionários“, quer pela “falta de peças e de assistência técnica da Chrysler“. (Com o tempo surgiria mais um problema crônico, que não pode ser detectado no teste – a ferrugem.)
Em abril de 1974 a Chrysler mais uma vez demonstrou ser especialista na transformação da “personalidade” de seus carros, criando veículos jovens e com alma esportiva a partir de produtos convencionais e “circunspectos”: naquele mês apresentou o Dodge 1800 SE, no mesmo espírito do Dart SE, a um só tempo buscando atrair o comprador mais jovem e oferecendo uma alternativa mais barata – e necessária –, já que o 1800 surgira como o carro mais caro do segmento. O 1800 SE perdeu diversos acessórios mas ganhou três cores vivas, além do branco; sem nenhum detalhe cromado (grade, para-choques, retrovisor, guarnição das lanternas e vidros eram em preto fosco), recebeu volante esportivo, rodas de aço pintadas da cor do carro e estofamento e revestimento das portas em padrão xadrez, também combinando com a cor da carroceria. Não houve alterações mecânicas.
A linha de carros grandes pouco mudou em 1974 – ano em que a Chrysler fabricou o seu 100.000º automóvel nacional. Além de sistema de ignição eletrônica, o Dodge Charger ganhou apenas alterações cosméticas: entradas de ar falsas no capô com novo desenho, mudança do formato das faixas laterais (que voltaram a se restringir aos para-lamas traseiros) e superfície inferior das portas pintada de preto e delimitada por um friso cromado. O interior do Dart SE recebeu tecidos xadrez na cor do carro; nele e nos modelos Dart, frisos e faixas mudaram de posição. A moldura das lanternas traseiras foi levemente modificada em toda a linha.
Ainda em 1974, a Chrysler providenciou a construção de um protótipo de caminhonete a partir do 1800, projeto divulgado ao longo do ano junto aos seus concessionários; da mesma forma que o protótipo da station Dart preparado pela Brasinca em 1971, também este não teve continuidade. Em 74 o planeta encontrava-se em plena primeira Crise do Petróleo, e a Chrysler introduziu nas linhas Dart e Charger um dispositivo de controle de consumo de combustível, lançado nos EUA com o nome Fuel Pacer System. Equipamento opcional, consistia de um sistema eletrônico que, através de aviso visual (acendendo a luz de direção localizada sobre o para-lamas esquerdo), indicava se o motorista solicitava excessivamente o motor (leia-se: consumia mais combustível do que o necessário), desligando-o momentânea e automaticamente ao ser reduzida a pressão sobre o acelerador (testes da revista 4 Rodas confirmaram os efeitos positivos do sistema, que permitia reduzir em até 25,6% o consumo no trânsito urbano).
Em 1975 a ignição eletrônica, até então restrita ao Charger, foi estendida a toda a linha Dart. Todos os modelos receberam novas lanternas traseiras (montadas em baixo relevo na moldura, com luz de ré na vertical), novo painel de instrumentos, faixas e frisos laterais reposicionados e molduras decorativas diferentes na tampa do porta-malas. Os Dart Grand Sedan e Grand Coupé receberam a dianteira do Charger, com sua antiga grade de padrão quadriculado; a grade do Charger, por sua vez, passou a ser composta por barras verticais, sempre sobrepostas aos faróis; também as grades do sedã e cupê de Luxo foram alteradas, perdendo a barra saliente horizontal. O Dodginho ganhou sua quarta versão de acabamento, situada entre o 1800 SE e o 1800 de Luxo, simplesmente denominada 1800. Além disso, como parte da intensa campanha para recuperar a confiança do mercado no modelo (e como “atestado de qualidade do Dodge 1800“, segundo palavras da empresa) a Chrysler lançou o plano Garantia Total, assegurando a troca de qualquer peça ou componente (exceto câmaras de ar e pneus), sem custos para o comprador, pelo período de seis meses ou 12.000 km.
Polara: o “renascimento” do 1800
Todas as novidades para 1975 foram apresentadas no IX Salão, no final do ano anterior, onde ainda foi mostrada a linha comercial, com nova grade dianteira – a da picape D-100 luxo em alumínio estampado e a dos caminhões, preta cercada de um filete creme. Na ocasião foi também apresentado mais uma versão de caminhão semi-pesado, o D-950 (motor MWM de seis cilindros, 5,6 litros e 138 cv), com três comprimentos de chassi e capacidade de tração de 22,5 t.
Em época de crise de mercado e de economia forçada de combustíveis, as maiores atenções da Chrysler, em 1976, se voltaram para seu produto mais barato, o 1800, agora batizado Dodge Polara, reapresentado em apenas duas versões – 1800 e GL. Externamente o carro pouco mudou: apenas nova grade de elementos horizontais, novas lanternas traseiras com luz de ré vertical, unidas entre si (no modelo GL) por uma faixa preta e um friso cromado, estofamento, painel e volante renovados. Sob o ponto de vista mecânico, no entanto, as melhorias foram mais importantes. No motor, a taxa de compressão foi elevada para 7,7:1 (era 7,5:1), as válvulas de admissão e descarga aumentaram de diâmetro, o fluxo dos gases foi otimizada e o carburador mais uma vez substituído; com isto a potência alcançou 92 cv, o consumo diminuiu e o desempenho melhorou. A suspensão foi nivelada, sua geometria revista e os amortecedores recalibrados; como opcionais, servo-freio e pneus radiais. O acabamento melhorou de nível, porém continuou objeto de críticas. O resultado positivo desta série de intervenções ficou comprovado por teste comparativo da revista 4 Rodas, no qual foram avaliados quatro “carros médios de luxo“. Ali, confrontado com o Chevrolet Chevette SL, Ford Corcel LDO e VW Passat LS, o Polara se revelou o melhor isolado em desempenho, freios e suspensão e, empatado com outro concorrente, em rendimento do motor, direção, estabilidade e nível de ruído. As melhorias introduzidas no Polara fizeram-no conquistar a título de Carro do Ano 77 da revista Autoesporte.
Assim como aconteceu com o 1800, também a gama de carros grandes foi reduzida em 1976: com a eliminação do Charger, do Gran Coupé e do Dart SE, restaram quatro modelos que, a menos das faixas decorativas e detalhes internos, não sofreram alterações mecânicas ou estéticas no ano. Na linha de comerciais em maio foi lançado o D-400 diesel, utilizando motor Perkins de quatro cilindros, 3,8 litros e 90 cv.
Segredo bem guardado, a Chrysler vinha desenvolvendo o projeto de uma família de vans – dois modelos para passageiros e um para carga utilizando motores a gasolina do Polara e Dart, a serem fabricados a partir de estampos importados. A crise de energia, porém, levaria a empresa, no final do ano, a comunicar a suspensão provisória dos planos, que seriam resgatados quando a Perkins disponibilizasse um motor diesel de porte adequado para os novos veículo. O projeto não mais seria retomado.
Em setembro de 76 a Chrysler divulgou sua linha para 1977. Desta vez nada mudou no Polara, além da opção de estofamento na cor vinho (também disponível para o R/T). No Dart de Luxo (sedã e cupê) aumentou a lista de acessórios de série; no Charger R/T foi reduzida a taxa de compressão de 8,4 para 7,5:1, de forma a permitir o uso de gasolina comum; com novo escapamento duplo, sua potência passou para 205 cv, ainda assim sem produzir impactos negativos no desempenho. Todos os modelos sofreram retoques nos frisos e decoração externos.
A Chrysler participou ativamente do desenvolvimento dos motores a álcool no Brasil, colaborando com o CTA, para o qual cedeu um Dodge 1800. Seu carro (juntamente com um Gurgel e um VW) foram os primeiros automóveis brasileiros adaptados para o uso do novo combustível pelo Centro Tecnológico Aeroespacial; os três forem testados em situação real de uso num reide que percorreu, a partir de 12 de outubro de 1976 e em menos de um mês, 8.000 km entre São José dos Campos e Manaus. Por iniciativa própria a empresa trabalhou na conversão de seus motores V8, apresentando no IX Salão do Automóvel um Dodge Dart e um protótipo de chassis de ônibus urbano a álcool, o primeiro do país com o novo combustível (o veículo exposto levava uma carroceria Marcopolo Veneza).
A propósito, apenas tardiamente e por muito pouco tempo a Chrysler cogitou ingressar no mercado de chassis de ônibus. Em maio de 1977, antes que fosse definida qualquer estratégia e escolhidos os rumos a tomar (no início do ano não se sabia sequer que faixa de mercado deveria ser explorada – leve, média ou pesada), a iniciativa foi oficialmente abandonada. A única decisão até então tomada pela empresa foi de que seriam utilizados chassis de caminhões (D-400, D-700, D-900 ou D-950), minimamente adaptando-os para utilização no transporte de pessoas. Foram poucas as novidades de 1977 no segmento de veículos de carga: mais uma opção de entre-eixos foi oferecida para o D-400, elevando sua capacidade de carga para 4 t; o D-700 ganhou opção de motor MWM de 5,6 l e 138 cv, já utilizado no pesado D-950, sendo renomeado D-750 Diesel; e este recebeu novo motor MWM de 5,9 l, com alguns cavalos a mais (145 cv), passando a denominar-se D-950S. A partir de junho do ano seguinte as cabines dos caminhões médios e pesados receberiam assento individual para o motorista e novo sistema de suspensão, com mola semi-elíptica, amortecedores telescópicos hidráulicos e coxins de borracha.
Para os automóveis, as novidades Chrysler para 1978 começaram a surgir em agosto, com a primeira reestilização do Polara (a mesma introduzida no Hillman britânico exatamente dois anos antes): com ela veio nova grade, faróis retangulares e lanternas (dianteiras e traseiras) de maior tamanho, avançando pelas laterais do carro. No modelo GL, frisos cromados envolviam a grade e o conjunto ótico e acompanhavam os arcos das rodas, a aresta inferior da tampa da mala e a soleira da porta, cuja superfície inferior foi pintada de preto; um delgado filete colorido foi aposto a cada uma das laterais. O carro também ganhou opção de bancos dianteiros reclináveis com regulagem contínua.
O Charger R/T passou pela modificação anual das faixas adesivas laterais e perdeu as falsas entradas de ar no capô. Seu teto de vinil também foi modificado: disponível em quatro cores, agora cobria apenas a porção posterior da capota. As cores do vinil, das faixas laterais (largas e esteticamente pesadas) e do estofamento combinavam entre si, produzindo alguns dos exemplares de visual mais kitsch da história do modelo (de especial mau gosto era o carro azul claro com capota branca e faixa tricolor). Toda a linha Dodge, incluindo o Polara, recebeu ajustes no carburador, com o objetivo de reduzir o consumo de combustível.
Últimos lançamentos antes da venda à Volkswagenwerk
Em setembro de 78 foi apresentada à imprensa a linha Dodge 1979, ampliada, bastante modificada e com os modelos renomeados. Todos os carros grandes tiveram frente e traseira redesenhadas, ficando 18 cm mais longos que os modelos anteriores graças aos novos para-choques, mais volumosos, e à extensão dianteira, moldada em plástico reforçado com fibra de vidro, onde foram embutidos grade e faróis duplos (simples, no Dart). A nova linha era composta de dois sedãs (Le Baron e Dart) e três cupês (Magnum, Charger R/T e Dart), com três diferentes desenhos de frente. A traseira, também moldada em fibra, assemelhava-se à do Ford Galaxie; com leve inclinação e grupos óticos horizontais, era a mesma em todos os modelos.
O Dodge Charger deixou de ser um hardtop e, com a metade dianteira do teto e o capô pintados de cor diferente do restante da carroceria, mais lembrava um coupé de ville. O Magnum, por sua vez, se assemelhava a um targa, impressão reforçada pela “coluna B”, que parecia circundar o teto, contrastada com as seções anterior e posterior do teto, revestidas de vinil. A pequena janela localizada após a “coluna B” do Magnum, no Charger foi encoberta por uma “grade” de fibra na cor da carroceria (nos EUA chamada opera window). Apesar da aparência dos dois modelos, nenhum deles tinha capota removível.
O R/T perdeu para o Magnum a condição de modelo mais caro da linha, para ele cedendo o motor de 205 cv, porém com radiador de maior capacidade. Naquela ano o R/T abandonou definitivamente os atributos “esportivos”, desde o exterior, onde novas cores e decoração “edulcorada” e pseudoluxuosa tomaram o lugar do impactante visual anterior, até a eliminação de alguns itens de série, como conta-giros, pneus radiais e volante especial. O Dart (sedã e cupê) passou a ter, como opção, caixa de quatro velocidades com alavanca no piso. Todos os modelos tiveram amortecedores e sistema elétrico revistos e isolamento termo-acústico reforçados; a capacidade do tanque de combustível foi aumentada em mais de 70% (de 62 para 107 litros). Ao Polara coube, naquele ano, apenas novos revestimentos internos e redução da potência (85 cv, para diminuir o consumo – mas também sacrificando o desempenho).
Este “festival” de novidades não permitiria que se cogitasse na extinção da empresa que, contudo, se aproximava. As duas Crises Mundiais do Petróleo tiveram forte impacto sobre a indústria automobilística norte-americana, em particular sobre a Chrysler, expondo fragilidades históricas e abrindo um período de crises cíclicas que quase a levariam à insolvência no início do século seguinte. Seus negócios europeus, que com produtos estética e tecnologicamente defasados minguavam a cada ano, em setembro de 1978 foram repassados à PSA. Era natural esperar que tal conjuntura negativa acabasse por se refletir sobre a filial brasileira. O que não se imaginava, no entanto, é que um espólio tão problemático fosse interessar à Volkswagenwerk, proprietária da Volkswagen do Brasil. Surpreendendo o setor, em julho de 1979 a empresa alemã anunciou a aquisição do controle da Chrysler brasileira – 67% das ações, suas fábricas e o direito de produção de seus veículos no país -, transação que já fora devidamente formalizada em janeiro daquele ano.
É evidente que, apesar das negativas enfáticas da VW quanto à permanência em linha dos veículos Dodge, isto não deveria se manter por muito tempo. Seu principal interesse, como logo adiante se veria, era dispor de uma base industrial que lhe permitisse ensaiar a entrada no mercado de veículos de carga, setor do qual estava mundialmente ausente. O que de fato em breve lograria conseguir sob a marca Volkswagen Caminhões, com o lançamento de uma linha de veículos comerciais de extremo sucesso e a conquista avassaladora da liderança nos segmentos médio e semi-pesado, ultrapassando mesmo a aparentemente invencível Mercedes-Benz.
A produção de automóveis Dodge ainda durou pouco mais de dois anos e, no período, a VW se preocupou em incrementar, no que fosse possível, a qualidade dos produtos. Algumas novidades ainda surgiram: em agosto, foi oferecido para o Magnum um teto-solar de vidro espelhado; em setembro, o Polara ganhou opção de transmissão automática (quatro marchas, importada), tornando-se o primeiro carro médio brasileiro a dispor do equipamento; no mês seguinte, foi oferecida nova caixa automática para os modelos grandes. No final de 79 foi lançada a linha 1980, com alguns melhoramentos: o Polara ganhou pra-brisas laminados degradê (opcionais), para-choques mais simples, com ponteiras de plástico (como praticava o restante da indústria), retrovisores maiores e bancos dianteiros com apoio de cabeça integrado. Os carros grandes receberam apenas retoques estéticos, além de itens de conforto que estranhamente ainda não haviam sido integrados à linha, como sistema de som estéreo, temporizador e esguicho elétrico do limpador de pára-brisa (até então o esguicho era acionado pelo pé). O Charger R/T foi o único que recebeu intervenção mais profunda, no sentido de simplificar a decoração excessiva (dotando-o de um “estilo mais discreto“, segundo a VW); foram eliminadas a grade sobre as vigias laterais e a diversidade de tons e cores aplicadas, todas juntas, à carroceria. De qualquer modo, o R/T não recobrou seu élan esportivo; reduzido ao papel de um Dart cupê com maior potência, apenas 19 unidades foram fabricadas no ano.
A VW continuou a investir no Polara por mais algum tempo. Em maio lançou o GLS, dando-lhe ares esportivos na aparência (preto fosco na grade, no rodapé, em torno dos vidros e na traseira) e na mecânica (aumento da taxa de compressão para 8,0:1, carburador vertical de duplo corpo descendente, novo filtro de ar e coletor de admissão mais eficiente), elevando a potência para 90 cv e melhorando ainda mais o já satisfatório desempenho, sem grande elevação do consumo. Com o GLS foi introduzido um painel totalmente novo (importado), acolchoado, com console central integrado e completo quadro de instrumentos, incluindo conta-giros, relógio indicador de pressão de óleo e amperímetro. O deficiente sistema de aeração interna foi melhorado, embora continuasse inexistindo orifícios de saída para o ar viciado. Naquela ano o carro ganhou suas primeiras calotas, desde o lançamento em 1973.
Sob administração Volkswagen
Em novembro a Volkswagenwerk assumiu o controle total da Chrysler do Brasil, adquirindo os 33% restantes ainda nas mãos da matriz norte-americana; em fevereiro de 1981 a razão social da empresa mudou para Volkswagen Caminhões.
Tendo finalmente nas mãos o destino da nova empresa, sua administração e estrutura de planejamento, a VW pôde dar início a ações de curto e médio prazos e se dedicar mais objetivamente a seu foco de atuação principal – a construção de caminhões. Seus planos imediatos: lançamento de um caminhão leve e introdução de motores a álcool nos modelos remanescentes. (Ironicamente, embora tivesse pioneiramente participado do desenvolvimento do motor a álcool, a Chrysler era o única fabricante que ainda não dispunha da alternativa para seus caminhões, por não ter, segundo suas próprias palavras, “recursos para aplicar em pesquisas“.) Enquanto não chegavam os novos veículos médios e semipesados de projeto próprio, a VW buscaria atualizar a linha de caminhões Dodge e incrementar suas vendas. (A picape D-100, ao contrário, imediatamente saiu de linha; havia tempo o modelo era importado da Argentina em regime CKD, só sendo fornecido sob encomenda.) Nesse cenário, aos automóveis restou um papel marginal e sua produção pouco durou, tendo sido finalmente suspensa em julho de 1981.
O potencial do grande motor V8 da Chrysler soube ser aproveitado pela VW Caminhões. Concebido para o uso de gasolina (ciclo Otto), tinha muito maior facilidade de ser adaptado para o uso de álcool do que os motores diesel (alternativa que não se apresentava para a Mercedes-Benz, por exemplo). Assim, rapidamente o motor foi transformado e, em janeiro, registrado no CDI. Equipado com ignição eletrônica, desenvolvendo 176 cv, dois meses depois já equipava o Dodge E-13 (4×2 com capacidade de carga de 9,6 t e peso bruto total de 13,0 t), primeiro caminhão a álcool fabricado no país. Ainda em março a VW Caminhões lançou seus primeiros veículos de nova geração, os modelos 11-130 e 13-130, com cabine avançada basculante e motor diesel MWM. A partir daí, procurou especializar a produção, destinando prioritariamente os últimos lançamentos ao transporte de carga urbana e rodoviária e canalizando as campanhas publicitárias do caminhões Dodge para segmentos que envolvessem serviços pesados e atividades fora de estrada, com ênfase nas indústrias sucroalcooleira e florestal.
Em novembro, no XII Salão do Automóvel, lançou mais um Dodge, com o mesmo motor – o E-21 (capacidade de carga de 14,5 t; peso bruto total de 20,5 t), único 6×4 a álcool do país; dispunha de freios pneumáticos e suspensão traseira em tandem, com possibilidade de desconectar um dos eixos, transformando-o em 6×2. A cabine era pintada por eletroforese, sistema implantado meses antes, para o lançamento da nova família. Também foi oferecida uma versão mais leve do 4×2, o E-11, também a álcool, com 8 t de capacidade de carga.
Em 1982 a tração 6×4 conversível em 6×2 foi levada ao diesel; denominado D-1400 TD, o novo caminhão tinha motor MWM de 128 cv e a mesma capacidade do E-21. Em paralelo à expansão da nova linha de caminhões, a empresa continuou investindo nos veículos Dodge para o mercado sucroalcooleiro. No início de 1984 procedeu a uma série de melhorias nos modelos de maior sucesso – E-13 e E-21 – visando dar-lhes sobrevida suficiente até que tivesse preparado seus próprios caminhões para suprir o segmento. Foi grande a lista de intervenções: nova fixação da cabine (quatro coxins de borracha absorvendo torções); banco do motorista com múltipla regulagem; grande número de modificações no motor e seus periféricos, buscando maior resistência à corrosão provocada pelo álcool, redução da incidência de panes e maior economia; nova caixa de mudanças com maior torque e melhor escalonamento das marchas. Estes modelos foram fabricados até o final do ano, quando por fim foram substituídos pelo VW 22-160, o primeiro caminhão com cabine avançada especialmente preparado para serviço na lavoura canavieira. Com eles, toda a produção de modelos antigos foi descontinuada.
E assim, pela primeira vez a Dodge abandonou o país.
Diversos planos ficaram pelo caminho na curta existência da Chrysler do Brasil – além das já citadas caminhonetes Dart e Polara, nunca lançadas. No final de 1974 a empresa comprou grande área em Mogi-Mirim (SP) onde construiria nova fábrica de caminhões e utilitários; dentre os novos produtos, considerava-se um pesado e uma família de vans (duas para passageiros e uma para carga) com motores Dart e Polara. Mais tarde, em 1977, estudou-se lançar ônibus urbanos a “partir do chassi de caminhão, fazendo algumas adaptações“. Entre 1975 e 76 houve planos de substituir o grande V8 a gasolina por um seis cilindros em linha ou por um diesel da Peugeot, que então cogitava se instalar no país, eventualmente em associação com a Chrysler; as novas unidades diesel seriam produzidas na fábrica de motores de Santo André e também utilizadas no Polara. Finalmente, falou-se no projeto de um minicarro com motor entre 1000 e 1100 cc que estaria sendo desenvolvido em São Bernardo do Campo, projeto que teria sido abandonado em 1977, trocado pelo Sunbeam britânico, recém-lançado na Europa e que aqui seria fabricado.
As exportações tiveram papel relativamente importante para a Chrysler, chegando a representar 25% da produção total e ajudando a compensar, a partir de 1975, a queda de vendas no mercado interno; veículos, motores e peças foram enviados para 15 países, principalmente da América Latina, com destaque para a Venezuela, tradicional consumidor de “carrões” norte-americanos. Mesmo micro-ônibus montados sobre chassi D-400, produto inexistente em seu catálogo para o mercado interno, foram exportados para a Bolívia em 1972.
Durante seus dez anos de atividade a Chrysler brasileira produziu em torno de 235.000 veículos (quase 1/3 dos quais veículos comerciais); sob a administração da VW foram fabricados mais cerca de 25.000 automóveis e caminhões com a marca Dodge. Interrompida a fabricação de carros, o ferramental da linha Polara foi exportado para a Argentina.
A Chrysler retorna ao Brasil
O retorno da Chrysler ao Brasil se deu por vias indiretas: em fevereiro de 1986 abriu um escritório em São Paulo para a compra de componentes para seus carros norte-americanos. A partir de outubro de 1994 introduziu no mercado brasileiro, com discreto sucesso, seus automóveis Neon e Stratus (e também os utilitários marca Jeep); no final do ano seguinte foi criada a Chrysler do Brasil, responsável pela assistência técnica e definição de políticas de venda internas, transferindo para o país o escritório comercial da empresa para a América Latina. A decisão de voltar a fabricar seus veículos localmente veio daí, e já no Salão do Automóvel de 1994 executivos da Chrysler declaravam a intenção de aqui montar “uma picape ou um carro de passageiros da linha Dodge“. A decisão parecia mesmo próxima, pois contatos formais foram realizados com a Karmann-Ghia com vistas a utilizar seu parque fabril para a montagem dos carros da Chrysler.
Em agosto de 1996 foi finalmente anunciada a instalação da fábrica brasileira, em local ainda não definido, para a produção da nova picape Dakota, recém lançada nos EUA (chegara-se antes a falar na produção do Neon, do Jeep Cherokee e até mesmo do BTV – Basic Transportation Vehicle –, um carrinho espartano, projetado para mercados subdesenvolvidos). A meta da Chrysler era entregar 12 mil unidades já no primeiro ano de operação da nova fábrica, para o mercado interno e exportação. A picape Dakota utilizaria motores Detroit Diesel (ou algum modelo fornecido por sua então subsidiária VM); com esse objetivo, também a Detroit retornaria ao Brasil como fabricante, fornecendo para o mercado interno e para as unidades Chrysler e Jeep argentina e norte-americanas. (Além deste investimento, em associação com a alemã BMW, a Chrysler também negociava no Brasil a construção de uma fábrica de motores de pequeno porte destinados à exportação, a futura Tritec.)
Os subsídios e incentivos fiscais oferecidos pelo Estado do Paraná rapidamente conduziram à definição do local da nova fábrica – Campo Largo. Inaugurada em julho de 1998, logo foi dado início à produção nacional da picape Dodge Dakota. Tão curto lapso de tempo entre o primeiro anúncio e a inauguração da fábrica só foi possível graças à opção da Chrysler por um inovador sistema de produção em sua nova planta industrial, um Consórcio Modular segundo o qual um único fornecedor – a Dana, também instalada em Campo Largo – se responsabilizava pelo fornecimento do chassi do carro, completo e montado (o chamado rolling chassis, composto de 320 elementos, representando 30% do valor do veículo), que chegava rodando à linha de montagem da Chrysler, onde então eram agregados o conjunto motor/câmbio e a carroceria.
A bela picape, com capacidade de carga de uma tonelada (1/3 a mais do que as concorrentes), foi lançada com duas alternativas de cabine (normal e estendida Club Cab), duas versões de acabamento (básico e Sport, visualmente diferenciadas pela grade cromada e para-choque dianteiro na cor da carroceria) e duas opções de motores a gasolina, ambos importados dos EUA (4 cilindros, 2,5 litros e 121 cv e V6, 3,9 litros e 177 cv). Segundo o fabricante, a produção foi iniciada com índice de nacionalização de 55%; além dos motores, eram importadas a transmissão e as chapas estampadas para a carroceria.
O PRIMEIRO DAKOTA (cabine simples): SUA FICHA TÉCNICA: chassi tipo escada, dois lugares, capacidade de carga de 1 tonelada, 4,98 m de comprimento total e 1,98 de comprimento da caçamba; motor longitudinal dianteiro a gasolina, refrigerado a água, com quatro cilindros em linha 8 válvulas, 2.464 cm3, 121 cv, ou V6 12 válvulas, 3.908 cm3, 177 cv; injeção eletrônica multipoint; tração traseira com caixa manual de cinco marchas; direção hidráulica; suspensão dianteira por barras de torção longitudinais e traseira por feixe de molas; freios a disco ventilados na frente e a tambor atrás, com ABS.
Em setembro de 98, logo após seu lançamento, a Dakota conquistou da revista Carro o título de O Melhor Carro do Brasil na categoria picapes. Em março de 1999 começou a ser vendida também com motor Detroit Diesel nacional turboalimentado com intercooler (quatro cilindros, 2,5 litros, 115 cv e gerenciamento eletrônico – inclusive do acelerador). O carro só era oferecido na versão Sport, com ar condicionado, computador de bordo e faróis de neblina. Em agosto de 99 a picape receberia sua segunda premiação – Pickup do Ano, da revista Autoesporte. Ao contrário do previsto, contudo, a produção do primeiro ano atingiu apenas 6.500 unidades.
No início do ano 2000 a Chrysler lançou o modelo R/T, com motor V8 importado (5,2 litros e 232 cv), o que a tornava a picape mais potente do país (também era a mais longa, com 5,46 m na versão estendida). Como veículo de lazer, conforme propunha o fabricante, teve a capacidade de carga reduzida para 750 kg, sendo oferecida apenas com uma opção de transmissão – automática de quatro marchas, com alavanca na coluna da direção. Esteticamente, o modelo se diferenciava dos demais pela quase total ausência de cromados, sendo a grade pintada da mesma cor da carroceria. Os para-lamas foram alargados, tornando salientes os arcos em torno das rodas.
O ano de 2001 começaria com duas notícias contraditórias, divulgadas quase que simultaneamente: o lançamento da Dakota cabine-dupla de quatro portas, batizada de Quad Cab, prevista para receber todas as opções de motorização disponíveis, e o anúncio do encerramento das operações fabris da Chrysler no Brasil.
Desde o início poder-se-ia prever dificuldades – porém não tão drástica decisão. Poucos meses depois da inauguração da fábrica nacional da Chrysler, em 1998, a matriz norte-americana se associou à Daimler-Benz, que assumiu o comando do novo grupo sob os signos do “corte de gastos” e da “reestruturação global“. O novo enfoque viria a produzir profundas mudanças nas prioridades mundiais do Grupo e na política de investimento das empresas sob o seu controle. A meta declarada da fusão, já no final daquele ano, era economizar 1,4 bilhão de dólares a curto prazo. Um ano depois, no sentido da “racionalização das atividades da empresa“, o presidente da Mercedes-Benz brasileira passou a acumular a presidência da Chrysler. Finalmente, em janeiro de 2001, a administração central da DiamlerChrysler (nova razão social do grupo) anunciou um pacote de medidas radicais visando “recuperar os lucros“: as ações incluíam a demissão de 26 mil empregados e o fechamento de seis fábricas, entre elas a do Paraná.
A segunda despedida
Assim, em 19 de abril de 2001, antes de completar três anos de vida, pela segunda vez a Chrysler encerraria suas atividades no Brasil. Com capacidade total de produção de 40 mil veículos/ano, fabricou em 2000 menos de 4.600. O modelo 4×4, com lançamento programado para aquele ano, não aconteceu, assim como o Neon nacional.
Várias hipóteses foram estudadas para a manutenção da planta industrial de Campo Largo como linha de montagem de veículos, dentre elas a fabricação de cabines para a picape Mitsubishi e a montagem de vans Mercedes Sprinter. Nenhuma das ideias vingou e a DaimlerChrysler decidiu pela desativação da unidade. Em setembro de 2002 as instalações foram vendidas à Tecumseh, que aí instalou sua linha de produção de pequenos motores a gasolina. Parte dos incentivos fiscais municipais e estaduais, anteriormente concedidos à Chrysler, foram repassados para a nova empresa. Não há notícias de ressarcimentos ou pagamento de multas ao Governo Federal em função do descumprimento, pela Chrysler, de seus compromissos de exportação e nacionalização em troca dos benefícios advindos do Regime Automotivo acordado com a União.
As picapes Dodge voltaram ao país no início de 2005, importadas do México. Pouco depois, no âmbito das discussões sobre o futuro a ser dado à unidade fabril da Mercedes-Benz, em Juiz de Fora, ressurgiu a idéia de sua montagem no Brasil (dessa vez equipada com um diesel MWM nacional). Na oportunidade mais uma vez foi considerada a eventual nacionalização do Chrysler Neon, porém nada se concretizou. Vez por outra é cogitado o retorno da fabricação nacional de um modelo da marca. Em agosto de 2008 tal aconteceria pelas mãos da Nissan, que fabricaria em sua planta paranaense um sedã Dodge, desenvolvido em conjunto pelas duas empresas sobre a plataforma Tiida. Em março de 2010 foi a vez do presidente mundial da Fiat – que no ano anterior assumira o controle da Chrysler – anunciar que a avaliava a possibilidade de nacionalizar algum modelo da empresa norte-americana.