BERNARDINI |
A Bernardini S.A. Indústria e Comércio foi fundada em 1912, em São Paulo (SP), por imigrantes italianos. A empresa se desenvolveu como fabricante de cofres, portas blindadas e móveis de aço. Na década de 60 teve suas primeiras experiências no setor automotivo e na área militar, ao fabricar carrocerias para caminhões dos Fuzileiros Navais e do Exército. Mais tarde (sempre em paralelo à fabricação de cofres), também construiu carrocerias blindadas para transporte de valores.
A empresa tomaria rumo diverso a partir de 1972, quando foi instada pelo Exército a colaborar na modernização dos tanques M3-A1 Stuart, processo a cargo da Biselli, vindo a partir daí a se dedicar cada vez mais ao segmento militar. Na oportunidade, a Bernardini foi responsabilizada pela construção das suspensões e torre blindada para o novo veículo. As especificações definidas levaram a uma reforma tão profunda que deu origem a um novo tanque, o X1-A1, que evoluiu para o X1-A2 Carcará – primeiro carro de combate sobre lagartas construído no país. Entre 1978 e 1980 o Exército criou mais dois modelos a partir do chassi sobre lagartas do X1-A1, gerando nova família de equipamentos: o Carro Lançador Múltiplo de Foguetes XLF-40 e o Lançador de Ponte XLP-10. O primeiro dispunha de rampa para o lançamento de três foguetes X-40 Avibrás, com alcance de até 65 km, e quatro sapatas hidráulicas para estabilização; apenas um exemplar foi construído. O segundo carregava uma ponte de 10 m de comprimento com capacidade para 20 t, construída em alumínio estrutural, que podia ser lançada em três minutos através de sistema hidráulico totalmente automático; além do protótipo, foram produzidas mais quatro unidades. Derivado do X1-A1, em 1982 foi ainda montado um protótipo de blindado antiaéreo (denominado M3), equipado com mira ótica e quatro metralhadoras (3.200 tiros/min e 750 m de alcance) que, no entanto, não passou da fase de testes.
Em 1984 a Bernardini participaria do desenvolvimento de mais um tanque especializado, o Sherman M4 na versão anti-minas, que também se manteve no estágio de protótipo. Estes blindados médios, chegados ao Brasil em 1943, em plena II Guerra, já tinham sido objeto de duas tentativas de modernização, entre 1969 e 1975 (Ü Exército) e em 1977 (na própria Bernardini, quando foi projetada sua transformação em um lança-pontes de 20 m e capacidade de 30 t). A nova iniciativa envolveu a troca do motor MWM por um Scania de 400 cv, a eliminação da torre e seu canhão e a instalação, na dianteira, de dois roletes anti-minas com três toneladas de peso importados de Israel.
Dado o sucesso da modernização dos tanques Stuart, o Exército resolveu aplicar os mesmos conceitos à sua frota de 250 carros médios M-41 Walker Bulldog, comprada usada dos EUA no início da década de 60. Apesar de serem muito mais modernos do que os Stuart, eram acionados por um motor Continental a gasolina refrigerado a ar de 500 cv, que consumia inacreditáveis 3,3 litros/km. Além disso, suas revisões mecânicas vinham se tornando cada vez mais caras e difíceis pela necessidade de importação de componentes já raros no mercado. A partir de 1980 a frota de tanques começou a ser reformada: o motor foi trocado por um diesel Scania V8 turbinado com 400 cv (elevando a autonomia de 280 para 600 km), foram substituídos caixa, transmissão, lagartas, componentes da suspensão, rádio e sistema de pontaria, todos por outros de fabricação nacional; a blindagem frontal e a torre foram reforçadas e alguns exemplares ganharam saias de aço. O canhão original, de 76 mm, foi usinado e aumentado para 90 mm, permitindo padronizar sua munição com o Engesa Cascavel. O novo tanque recebeu a denominação M41-C Caxias. A Bernardini produziu cerca de 150 unidades, além de kits de transformação exportados para as forças armadas de alguns países. Os tanques Caxias hoje compõem a maior parte da frota de blindados sobre esteira do Exército Brasileiro.
A experiência adquirida pelo Exército em todas estas realizações permitiu-lhe dar um passo mais ambicioso e projetar, junto com a Bernardini, o primeiro carro de combate sobre esteiras de concepção nacional. A idéia era ter um substituto para o Caxias que conjugasse “estado da arte”, máximo desempenho, confiabilidade e padronização com a mínima dependência externa, necessariamente levando em conta as restrições orçamentárias da Arma. O projeto teve início em 1979; quase cinco anos depois, em maio de 1984, foi feita a apresentação do produto final – o MB-3 Tamoyo (até então conhecido por X-30) – tanque médio de 30 t com 98% de nacionalização (em peso), inspirado no alemão Leopard II, então considerado um dos mais avançados no mundo. Era a seguinte a configuração mecânica do Tamoyo: motor traseiro V8 Scania diesel com dois turbocompressores e 736 cv; caixa de transmissão do Caxias, acoplada ao motor num conjunto de desmontagem rápida; freio hidromecânico com retarader, atuando na transmissão; suspensão por barras de torção e amortecedores, com seis rodas de apoio de cada lado (rodas de direção à frente). A torre, com mecanismo de giro elétrico, era equipada com um canhão de 90 mm; a cabine, para uma tripulação de quatro, dispunha de ar condicionado. O Tamoyo podia incorporar toda a tecnologia de ponta então disponível no setor bélico, tal como computador de tiro, pontaria a laser, proteção QRB (química, radiativa e biológica) e visores infravermelhos.
O projeto do Tamoyo foi elogiado pelo equilíbrio entre atualização tecnológica, simplicidade construtiva e de manejo – características comuns, aliás, no material bélico produzido no Brasil. Esta “simplicidade”, porém, nem sempre atendia ao mercado externo, e para atraí-lo a Bernardini lançou as versões mais sofisticadas Tamoyo II e III, ambas com motor V8 Detroit Diesel importado. A primeira, com potência de 736 cv e transmissão hidromecânica GE, recebeu blindagem composta aço-cerâmica, canhão inglês de 105 mm, visores noturnos, sistemas de estabilização (permitindo o tiro em movimento) e direção de tiro por computador. O Tamoyo III teria um motor com 900 cv, caixa Allison e blindagem ainda mais reforçada, além de ganhar telêmetro laser e todo o restante equipamento já previsto na versão intermediária.
Foram construídos apenas cinco exemplares do Tamoyo: o melhor produto da Bernardini seria, ao mesmo tempo, o seu “canto de cisne”. Em meio a cortes orçamentários e à proliferação da oferta, a baixo preço, de equipamentos estrangeiros usados, no início da década de 90 o Programa Militar Brasileiro entrou em crise, sua sentença de morte chegando com a retirada, pelo governo Collor, do restante apoio ao desenvolvimento nacional de equipamentos militares.
Os dois últimos projetos militares da Bernardini foram viaturas leves de apoio. Em 1985 preparou o jipe Xingu (inicialmente Vitória) para participar de concorrências do Exército e Fuzileiros Navais. Na prática, tratava-se apenas de uma versão militarizada do Toyota Bandeirante, com bitola alargada e três comprimentos de chassi. As alterações eram as usuais para o tipo de veículo: guincho, acoplamento para reboque, para-brisa rebatível, santantônio, faróis militares e suspensão reforçada. Em 1988 a empresa começou a produzir o veículo anti-distúrbio AM-IV 4×4, um pequeno blindado montado sobre o chassi curto do mesmo Toyota, com três portas (uma traseira), escotilha no teto, seteiras, lançadores de granadas de gás, ar condicionado e filtro contra gases na cabine. O carro foi dotado de freios a disco ventilados na frente, embreagem hidráulica e dois tanques de combustível com alimentação pelo interior da cabine. Cerca de 50 veículos foram fabricados, a maior parte exportada para o Chile.
A produção desses carros deu uma sobrevida à Bernardini mas não foi suficiente para sustentar seu parque industrial. Suspenso o apoio financeiro do Exército, logo foi interrompido o desenvolvimento do tanque Tamoyo (situação agravada pela competição suicida da Engesa, que projetava um equipamento concorrente – o Osório). Sem um produto competitivo no mercado externo e sem encomendas internas, a situação da empresa rapidamente se agravou.
Em 1993 sua maior concorrente, a Engesa, encerrava as atividades. A partir de 1996 o Brasil volta a importar excedentes de guerra para equipar suas Forças Armadas, como fazia trinta anos antes. Em 2001, por fim, também a quase centenária Bernardini cerra definitivamente as portas.